Escrita Lição 08, Betel, Capacitados para servir uns aos outros, 4Tr22, Pr Henrique, EBD NA TV

 DONS ESPIRITUAIS PARA O CRENTE (Pr. Henrique)




1Co 12.7 “Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um para o

que for útil”.

PERSPECTIVA GERAL. Uma das maneiras do Espírito Santo manifestar-se é através de uma variedade de dons espirituais concedidos aos crentes (12.7-11). Essas manifestações do Espírito visam à edificação e à santificação da igreja (12.7; ver 14.26 nota). Esses dons e ministérios não são os mesmos de Rm 12.6-8 e Ef 4.11, mediante os quais o crente recebe poder e capacidade para servir na igreja de modo mais permanente. A lista em 12.8-10 não é completa. Os dons aí tratados podem operar em conjunto, de diferentes maneiras.

As manifestações do Espírito dão-se de acordo com a vontade do Espírito (12.11), ao surgir a necessidade, e também conforme o anelo do crente na busca dos dons (12.31; 14.1).

Certos dons podem operar num crente de modo regular, e um crente pode receber mais de um dom para atendimento de necessidades específicas. O crente deve desejar “dons”, e não apenas um dom (12.31; 14.1).

É antibíblico e insensato se pensar que quem tem um dom de operação exteriorizada (mais visível) é mais espiritual do que quem tem dons de operação mais interiorizada, i.e., menos visível. Também, quando uma pessoa possui um dom espiritual, isso não significa que Deus aprova tudo quanto ela faz ou ensina. Não se deve confundir dons do Espírito, com o fruto do Espírito, o qual se relaciona mais diretamente com o caráter e a santificação do crente (Gl 5.22,23).

Satanás pode imitar a manifestação dos dons do Espírito, ou falsos crentes disfarçados como servos de Cristo podem fazer o mesmo (Mt 7.21-23; 24.11, 24; 2Co 11.13-15; 2Ts 2.8-10). O crente não deve dar crédito a qualquer manifestação espiritual, mas deve “provar se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (1Jo 4.1; cf. 1Ts 5.20,21).

OS DONS ESPIRITUAIS. Em 1Co 12.8-10, o apóstolo Paulo apresenta uma diversidade de dons que o Espírito Santo concede aos crentes. Nesta passagem, ele não descreve as características desses dons, mas noutros trechos das Escrituras temos ensino sobre os mesmos.

Dom da Palavra da Sabedoria (12.8). Trata-se de uma mensagem vocal sábia, enunciada mediante a operação sobrenatural do Espírito Santo. Tal mensagem aplica a revelação da Palavra de Deus ou a sabedoria do Espírito Santo a uma situação ou problema específico (At 6.10; 15.13-22). Não se trata aqui da sabedoria comum de Deus, para o viver diário, que se obtém pelo diligente estudo e meditação nas coisas de Deus e na sua Palavra, e pela oração (Tg 1.5,6).

Dom da Palavra do Conhecimento (12.8). Trata-se de uma mensagem vocal, inspirada pelo Espírito Santo, revelando conhecimento a respeito de pessoas, de circunstâncias, ou de verdades

bíblicas. Frequentemente, este dom tem estreito relacionamento com o de profecia (At 5.1-10; 1Co 14.24,25).

Dom da Fé (12.9). Não se trata da fé para salvação, mas de uma fé sobrenatural especial, comunicada pelo Espírito Santo, capacitando o crente a crer em Deus para a realização de coisas extraordinárias e milagrosas. É a fé que remove montanhas (13.2) e que frequentemente opera em conjunto com outras manifestações do Espírito, tais como as curas e os milagres (ver Mt 17.20, nota sobre a fé verdadeira; Mc 11.22-24; Lc 17.6).

Dons de Curas (12.9). Esses dons são concedidos à igreja para a restauração da saúde física, por meios divinos e sobrenaturais (Mt 4.23-25; 10.1; At 3.6-8; 4.30). O plural (“dons”) indica curas de diferentes enfermidades e sugere que cada ato de cura vem de um dom especial de Deus. Os dons de curas não são concedidos a todos os membros do corpo de Cristo (cf. 12.11,30), todavia, todos eles podem orar pelos enfermos. Havendo fé, os enfermos serão curados (ver o estudo A CURA DIVINA). Pode também haver cura em obediência ao ensino bíblico de Tg 5.14-16 (ver Tg 5.15 notas).

Dom de Operação de Milagres (12.10). Trata-se de atos sobrenaturais de poder, que intervêm nas leis da natureza. Incluem atos divinos em que se manifesta o reino de Deus contra Satanás e os espíritos malignos (ver Jo 6.2 nota; ver o estudo O REINO DE DEUS).

Dom de Profecia (12.10). É preciso distinguir a profecia aqui mencionada, como manifestação momentânea do Espírito da profecia como dom ministerial na igreja, mencionado em Ef 4.11. Como dom de ministério, a profecia é concedida a apenas alguns crentes, os quais servem na igreja como ministros profetas (ver o estudo DONS MINISTERIAIS PARA A IGREJA). Como manifestação do Espírito, a profecia está potencialmente disponível a todo cristão cheio dEle (At 2.16-18).

Quanto à profecia, como manifestação do Espírito, observe o seguinte: (a) Trata-se de um dom que capacita o crente a transmitir uma palavra ou revelação diretamente de Deus, sob o impulso do Espírito Santo (14.24,25, 29-31). Aqui, não se trata da entrega de sermão previamente preparado.

Tanto no AT, como no NT, profetizar não é primariamente predizer o futuro, mas proclamar a vontade de Deus e exortar e levar o seu povo à retidão, à fidelidade e à paciência (14.3; ver o estudo O PROFETA NO ANTIGO TESTAMENTO). (c) A mensagem profética pode desmascarar a condição do coração de uma pessoa (14.25), ou prover edificação, exortação, consolo, advertência e julgamento (14.3, 25,26, 31). (d) A igreja não deve ter como infalível toda profecia deste tipo, porque muitos falsos profetas estarão na igreja (1Jo 4.1). Daí, toda profecia deve ser julgada quanto à sua autenticidade e conteúdo (14.29, 32; 1Ts 5.20,21). Ela deverá enquadrar-se na Palavra de Deus (1Jo 4.1), contribuir para a santidade de vida dos ouvintes e ser transmitida por alguém que de fato vive submisso e obediente a Cristo (12.3). (e) O dom de profecia manifesta-se segundo a vontade de Deus e não a do homem. Não há no NT um só texto mostrando que a igreja de então buscava revelação ou orientação através dos profetas. A mensagem profética ocorria na igreja somente quando Deus tomava o profeta para isso (12.11).

Dom de Discernimento de Espíritos (12.10). Trata-se de uma dotação especial dada pelo Espírito, para o portador do dom discernir e julgar corretamente as profecias e distinguir se uma mensagem provém do Espírito Santo ou não (ver 14.29 nota; 1Jo 4.1). No fim dos tempos, quando os falsos mestres (ver Mt 24.5 nota) e a distorção do cristianismo bíblico aumentarão muito (ver 1Tm 4.1 nota), esse dom espiritual será extremamente importante para a igreja.

Dom de Variedades de Línguas (12.10). No tocante às “línguas” (gr. glossa, que significa língua) como manifestação sobrenatural do Espírito, notemos os seguintes fatos: (a) Essas línguas podem ser humanas e vivas (At 2.4-6), ou uma língua desconhecida na terra, e.g., “línguas... dos anjos” (13.1; ver cap. 14 notas; ver também o estudo O FALAR EM LÍNGUAS). A língua falada através deste dom não é aprendida, e quase sempre não é entendida, tanto por quem fala (14.14), como pelos ouvintes (14.16). (b) O falar noutras línguas como dom abrange o espírito do homem e o Espírito de Deus, que entrando em mútua comunhão, faculta ao crente a comunicação direta com Deus (i.e., na oração, no louvor, no bendizer e na ação de graças), expressando-se através do espírito mais do que da mente (14.2, 14) e orando por si mesmo ou pelo próximo sob a influência direta do Espírito Santo, à parte da atividade da mente (cf. 14.2, 15, 28; Jd 20). (c) Línguas estranhas faladas no culto devem ser seguidas de sua interpretação, também pelo Espírito, para que a congregação conheça o conteúdo e o significado da mensagem (14.3, 27,28). Ela pode conter revelação, advertência, profecia ou ensino para a igreja (cf. 14.6). (d) Deve haver ordem quanto ao falar em línguas em voz alta durante o culto. Quem fala em línguas pelo Espírito, nunca fica em “êxtase” ou “fora de controle” (14.27,28).

Dom de Interpretação de Línguas (12.10). Trata-se da capacidade concedida pelo Espírito Santo, para o portador deste dom compreender e transmitir o significado de uma mensagem dada em línguas. Tal mensagem interpretada para a igreja reunida, pode conter ensino sobre a adoração e a oração, ou pode ser uma profecia. Toda a congregação pode assim desfrutar dessa revelação vinda do Espírito Santo. A interpretação de uma mensagem em línguas pode ser um meio de edificação da congregação inteira, pois toda ela recebe a mensagem (14.6, 13, 26). A interpretação pode vir através de quem deu a mensagem em línguas, ou de outra pessoa. Quem fala em línguas deve orar para que possa interpretá-las (14.13).

 

 

DONS MINISTERIAIS PARA A IGREJA

Ef 4.11 “E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e

doutores.”

O DOADOR. Este versículo alista os dons de ministério (i.e., líderes espirituais dotados de dons) que Cristo deu à igreja. Paulo declara que Ele deu esses dons (1) para preparar o povo de Deus ao trabalho cristão (4.12) e (2) para o crescimento e desenvolvimento espirituais do corpo de Cristo, segundo o plano de Deus (4.13-16; ver o estudo DONS ESPIRITUAIS PARA O CRENTE).

APÓSTOLOS. O título “apóstolo” se aplica a certos líderes cristãos no NT. O verbo apostello significa enviar alguém em missão especial como mensageiro e representante pessoal de quem o envia. O título é usado para Cristo (Hb 3.1), os doze discípulos escolhidos por Jesus (Mt 10.2), o apóstolo Paulo (Rm 1.1; 2Co 1.1; Gl 1.1) e outros (At 14.4,14; Rm 16.7; Gl 1.19; 2.8,9; 1Ts 2.6,7).

O termo “apóstolo” era usado no NT em sentido geral, para um representante designado por uma igreja, como, por exemplo, os primeiros missionários cristãos. Logo, no NT o termo se refere a um mensageiro nomeado e enviado como missionário ou para alguma outra responsabilidade especial (ver At 14.4,14; Rm 16.7; cf. 2Co 8.23; Fp 2.25). Eram homens de reconhecida e destacada liderança espiritual, ungidos com poder para defrontar-se com os poderes das trevas e confirmar o Evangelho com milagres. Cuidavam do estabelecimento de igrejas segundo a verdade e pureza apostólicas. Eram servos itinerantes que arriscavam suas vidas em favor do nome de nosso Senhor Jesus Cristo e da propagação do evangelho (At 11.21-26; 13.50; 14.19-22; 15.25,26). Eram homens de fé e de oração, cheios do Espírito (ver At 11.23-25; 13.2-5,46-52; 14.1-7,21-23).

Apóstolos, no sentido geral, continuam sendo essenciais para o propósito de Deus na igreja. Se as igrejas cessarem de enviar pessoas assim, cheias do Espírito Santo, a propagação do evangelho em todo o mundo ficará estagnada. Por outro lado, enquanto a igreja produzir e enviar tais pessoas, cumprirá a sua tarefa missionária e permanecerá fiel à grande comissão do Senhor (Mt 28.18-20).

O termo “apóstolo” também é usado no NT em sentido especial, em referência àqueles que viram Jesus após a sua ressurreição e que foram pessoalmente comissionados por Ele a pregar o evangelho e estabelecer a igreja (e.g., os doze discípulos e Paulo). Tinham autoridade ímpar na igreja, no tocante à revelação divina e à mensagem original do evangelho, como ninguém mais até hoje (ver

nota). O ministério de apóstolo nesse sentido restrito é exclusivo, e dele não há repetição. Os apóstolos originais do NT não têm sucessores (ver 1Co 15.8 nota).

PROFETAS. Os profetas eram homens que falavam sob o impulso direto do Espírito Santo, e cuja motivação e interesse principais eram a vida espiritual e pureza da igreja. Sob o novo concerto,

foram levantados pelo Espírito Santo e revestidos pelo seu poder para trazerem uma mensagem da parte de Deus ao seu povo (At 2.17; 4.8; 21.4).

O ministério profético do AT ajuda-nos a compreender o do NT. A missão principal dos profetas do AT era transmitir a mensagem divina através do Espírito, para encorajar o povo de Deus a permanecer fiel, conforme os preceitos da antiga aliança. Às vezes eles também prediziam o futuro conforme o Espírito lhes revelava. Cristo e os apóstolos são um exemplo do ideal do AT (At 3.22,23; 13.1,2).

A função do profeta na igreja incluía o seguinte: (a) Proclamava e interpretava, cheio do Espírito Santo, a Palavra de Deus, por chamada divina. Sua mensagem visava admoestar, exortar, animar, consolar e edificar (At 2.14-36; 3.12-26; 1Co 12.10; 14.3). (b) Devia exercer o dom de profecia. (c) Às vezes, ele era vidente (cf. 1Cr 29.29), predizendo o futuro (At 11.28; 21.10,11). (d) Era dever do profeta do NT, assim como para o do AT, desmascarar o pecado, proclamar a justiça, advertir do juízo vindouro e combater o mundanismo e frieza espiritual entre o povo de Deus (Lc 1.14-17). Por causa da sua mensagem de justiça, o profeta pode esperar ser rejeitado por muitos nas igrejas, em tempos de mornidão e apostasia.

O caráter, a solicitude espiritual, o desejo e a capacidade do profeta incluem: (a) zelo pela pureza da igreja (Jo 17.15-17; 1Co 6.9-11; Gl 5.22-25); (b) profunda sensibilidade diante do mal e a capacidade de identificar e detestar a iniquidade (Rm 12.9; Hb 1.9); (c) profunda compreensão do perigo dos falsos ensinos (Mt 7.15; 24.11,24; Gl 1.9; 2Co 11.12-15); (d) dependência contínua da Palavra de Deus para validar sua mensagem (Lc 4.17-19; 1Co 15.3,4; 2Tm 3.16; 1Pe 4.11); (e) interesse pelo sucesso espiritual do reino de Deus e identificação com os sentimentos de Deus (cf.

Mt 21.11-13; 23.37; Lc 13.34; Jo 2.14-17; At 20.27-31).

A mensagem do profeta atual não deve ser considerada infalível. Ela está sujeita ao julgamento da igreja, doutros profetas e da Palavra de Deus. A congregação tem o dever de discernir e julgar o conteúdo da mensagem profética, se ela é de Deus (1Co 14.29-33; 1Jo 4.1).

Os profetas continuam sendo imprescindíveis ao propósito de Deus para a igreja. A igreja que rejeitar os profetas de Deus caminhará para a decadência, desviando-se para o mundanismo e o liberalismo quanto aos ensinos da Bíblia (1Co 14.3; cf. Mt 23.31-38; Lc 11.49; At 7.51,52). Se ao profeta não for permitido trazer a mensagem de repreensão e de advertência denunciando o pecado e a injustiça (Jo 16.8-11), então a igreja já não será o lugar onde se possa ouvir a voz do Espírito. A política eclesiástica e a direção humana tomarão o lugar do Espírito (2Tm 3.1-9; 4.3-5; 2Pe

3,12-22). Por outro lado, a igreja com os seus dirigentes, tendo a mensagem dos profetas de Deus, será impulsionada à renovação espiritual. O pecado será abandonado, a presença e a santidade do Espírito serão evidentes entre os fiéis (1Co 14.3; 1Ts 5.19-21; Ap 3.20-22).

EVANGELISTAS. No NT, evangelistas eram homens de Deus, capacitados e comissionados por Deus para anunciar o evangelho, i.e., as boas novas da salvação aos perdidos e ajudar a estabelecer uma nova obra numa localidade. A proclamação do evangelho reúne em si a oferta e o poder da salvação (Rm 1.16).

Filipe, o “evangelista” (At 21.8), claramente retrata a obra deste ministério, segundo o padrão do

NT. (a) Filipe pregou o evangelho de Cristo (At 8.4,5,35). (b) Muitos foram salvos e batizados em água (At 8.6,12). (c) Sinais, milagres, curas e libertação de espíritos malignos acompanhavam as suas pregações (At 8.6,7,13). (d) Os novos convertidos recebiam a plenitude do Espírito Santo (At

17).

O evangelista é essencial no propósito de Deus para a igreja. A igreja que deixar de apoiar e promover o ministério de evangelista cessará de ganhar convertidos segundo o desejo de Deus. Tornar-se-á uma igreja estática, sem crescimento e indiferente à obra missionária. A igreja que reconhece o dom espiritual de evangelista e tem amor intenso pelos perdidos, proclamará a mensagem da salvação com poder convincente e redentor (At 2.14-41).

PASTORES. Os pastores são aqueles que dirigem a congregação local e cuidam das suas necessidades espirituais. Também são chamados “presbíteros” (At 20.17; Tt 1.5) e “bispos” ou supervisores (1Tm 3.1; Tt 1.7).

A tarefa do pastor é cuidar da sã doutrina, refutar a heresia (Tt 1.9-11), ensinar a Palavra de Deus e exercer a direção da igreja local (1Ts 5.12; 1Tm 3.1-5), ser um exemplo da pureza e da sã doutrina (Tt 2.7,8), e esforçar-se no sentido de que todos os crentes permaneçam na graça divina (Hb 12.15; 13.17; 1Pe 5.2). Sua tarefa é assim descrita em At 20.28-31: salvaguardar a verdade apostólica e o rebanho de Deus contra as falsas doutrinas e os falsos mestres que surgem dentro da igreja (ver o estudo OS PASTORES E SEUS DEVERES). Pastores são ministros que cuidam do rebanho, tendo como modelo Jesus, o Bom Pastor (Jo 10.11-16; 1Pe 2.25; 5.2-4).

Segundo o NT, uma igreja local era dirigida por um grupo de pastores (At 20.28; Fp 1.1). Os pastores eram escolhidos, não por política, mas segundo a sabedoria do Espírito concedida à igreja enquanto eram examinadas as qualificações espirituais do candidato (ver o estudo QUALIFICAÇÕES MORAIS DO PASTOR).

O pastor é essencial ao propósito de Deus para sua igreja. A igreja que deixar de selecionar pastores piedosos e fiéis não será pastoreada segundo a mente do Espírito (ver 1Tm 3.1-7). Será uma igreja vulnerável às forças destrutivas de Satanás e do mundo (ver At 20.28-31). Haverá distorção da Palavra de Deus, e os padrões do evangelho serão abandonados (2Tm 1.13,14). Membros da igreja e seus familiares não serão doutrinados conforme o propósito de Deus (1Tm

16;     6.20,21). Muitos se desviarão da verdade e se voltarão às fábulas (2Tm 4.4). Se, por outro lado, os pastores forem piedosos, os crentes serão nutridos com as palavras da fé e da sã doutrina, e também disciplinados segundo o propósito da piedade (1Tm 4.6,7).

DOUTORES OU MESTRES. Os mestres são aqueles que têm de Deus um dom especial para esclarecer, expor e proclamar a Palavra de Deus, a fim de edificar o corpo de Cristo (4.12).

A missão dos mestres bíblicos é defender e preservar, mediante a ajuda do Espírito Santo, o evangelho que lhes foi confiado (2Tm 1.11-14). Têm o dever de fielmente conduzir a igreja à revelação bíblica e à mensagem original de Cristo e dos apóstolos, e nisto perseverar.

O propósito principal do ensino bíblico é preservar a verdade e produzir santidade, levando o corpo de Cristo a um compromisso inarredável com o modo piedoso de vida segundo a Palavra de Deus. As Escrituras declaram em 1 Tm 1.5 que o alvo da instrução cristã (literalmente “mandamento”) é a “caridade de um coração puro, e de uma boa consciência, e de uma fé não

fingida” (1Tm 1.5). Logo, a evidência da aprendizagem cristã não é simplesmente aquilo que a pessoa sabe, mas como ela vive, i.e., a manifestação, na sua vida, do amor, da pureza, da fé e da piedade sincera.

Os mestres são essenciais ao propósito de Deus para a igreja. A igreja que rejeita, ou se descuida do ensino dos mestres e teólogos consagrados e fiéis à revelação bíblica, não se preocupará pela autenticidade e qualidade da mensagem bíblica nem pela interpretação correta dos ensinos bíblicos.

A igreja onde mestres e teólogos estão calados não terá firmeza na verdade. Tal igreja aceitará inovações doutrinárias sem objeção; e nela, as práticas religiosas e idéias humanas serão de fato o guia no que tange à doutrina, padrões e práticas dessa igreja, quando deveria ser a verdade bíblica. Por outro lado, a igreja que acata os mestres e teólogos piedosos e aprovados terá seus ensinos, trabalhos e práticas regidos pelos princípios originais e fundamentais do evangelho. Princípios e práticas falsos serão desmascarados, e a pureza da mensagem original de Cristo será conhecida de seus membros. A inspirada Palavra de Deus deve ser o teste de todo ensino, ideia e prática da igreja. Assim sendo, a igreja verá que a Palavra inspirada de Deus é a suprema autoridade, e, por isso, está acima das igrejas e suas instituições.

 

 

QUALIFICAÇÕES MORAIS DO PASTOR

1Tm 3.1,2 “Esta é uma palavra fiel: Se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja. Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto

para ensinar.”

Se algum homem deseja ser “bispo” (gr. episkopos, i.e., aquele que tem sobre si a responsabilidade pastoral, o pastor), deseja um encargo nobre e importante (3.1). É necessário, porém, que essa aspiração seja confirmada pela Palavra de Deus (3.1-10; 4.12) e pela igreja (3.10), porque Deus estabeleceu para a igreja certos requisitos específicos. Quem se disser chamado por Deus para o trabalho pastoral deve ser aprovado pela igreja segundo os padrões bíblicos de 3.1-13; 4.12; Tt 1.5-9 (ver o estudo DONS MINISTERIAIS PARA A IGREJA). Isso significa que a igreja não deve aceitar pessoa alguma para a obra ministerial tendo por base apenas seu desejo, sua escolaridade, sua espiritualidade, ou porque essa pessoa acha que tem visão ou chamada. A igreja da atualidade não tem o direito de reduzir esses preceitos que Deus estabeleceu mediante o Espírito Santo. Eles estão plenamente em vigor e devem ser observados por amor ao nome de Deus, ao seu reino e da honra e credibilidade da elevada posição de ministro.

Os padrões bíblicos do pastor, como vemos aqui, são principalmente morais e espirituais. O caráter íntegro de quem aspira ser pastor de uma igreja é mais importante do que personalidade influente, dotes de pregação, capacidade administrativa ou graus acadêmicos. O enfoque das qualificações ministeriais concentra-se no comportamento daquele que persevera na sabedoria divina, nas decisões acertadas e na santidade devida. Os que aspiram ao pastorado sejam primeiro provados quanto à sua trajetória espiritual (cf. 3.10). Partindo daí, o Espírito Santo estabelece o elevado padrão para o candidato, i.e., que ele precisa ser um crente que se tenha mantido firme e fiel a Jesus Cristo e aos seus princípios de retidão, e que por isso pode servir como exemplo de fidelidade, veracidade, honestidade e pureza. Noutras palavras, seu caráter deve demonstrar o ensino de Cristo em Mt 25.21 de que ser “fiel sobre o pouco” conduz à posição de governar “sobre o muito”.

O líder cristão deve ser, antes de mais nada, “exemplo dos fiéis” (4.12; cf. 1Pe 5.3). Isto é: sua vida cristã e sua perseverança na fé podem ser mencionadas perante a congregação como dignas de imitação.

Os dirigentes devem manifestar o mais digno exemplo de perseverança na piedade, fidelidade, pureza em face à tentação, lealdade e amor a Cristo e ao evangelho (4.12,15).

O povo de Deus deve aprender a ética cristã e a verdadeira piedade, não somente pela Palavra de Deus, mas também pelo exemplo dos pastores que vivem conforme os padrões bíblicos. O pastor deve ser alguém cuja fidelidade a Cristo pode ser tomada como padrão ou exemplo (cf. 1Co 11.1;

Fp 3.17; 1Ts 1.6; 2Ts 3.7,9; 2Tm 1.13).

O Espírito Santo acentua grandemente a liderança do crente no lar, no casamento e na família (32,4,5; Tt 1.6). Isto é: o obreiro deve ser um exemplo para a família de Deus, especialmente na sua fidelidade à esposa e aos filhos. Se aqui ele falhar, como “terá cuidado da igreja de Deus?” (3.5). Ele deve ser “marido de uma [só] mulher” (3.2). Esta expressão denota que o candidato ao ministério pastoral deve ser um crente que foi sempre fiel à sua esposa. A tradução literal do grego em 3.2 (mias gunaikos, um genitivo atributivo) é “homem de uma única mulher”, i.e., um marido sempre fiel à sua esposa.

Consequentemente, quem na igreja comete graves pecados morais, desqualifica-se para o exercício pastoral e para qualquer posição de liderança na igreja local (cf. 3.8-12). Tais pessoas podem ser plenamente perdoadas pela graça de Deus, mas perderam a condição de servir como exemplo de perseverança inabalável na fé, no amor e na pureza (4.11-16; Tt 1.9). Já no AT, Deus expressamente requereu que os dirigentes do seu povo fossem homens de elevados padrões morais e espirituais. Se falhassem, seriam substituídos (ver Gn 49.4 nota; Lv 10.2 nota; 21.7,17 notas; Nm 20.12 nota; 1Sm 2.23 nota; Jr 23.14 nota; 29.23 nota).

A Palavra de Deus declara a respeito do crente que venha a adulterar que “o seu opróbrio nunca se apagará” (Pv 6.32,33). Isto é, sua vergonha não desaparecerá. Isso não significa que nem Deus nem a igreja perdoará tal pessoa. Deus realmente perdoa qualquer pecado enumerado em 3.1-13, se houver tristeza segundo Deus e arrependimento por parte da pessoa que cometeu tal pecado. O que o Espírito Santo está declarando, porém, é que há certos pecados que são tão graves que a vergonha e a ignomínia (i.e., o opróbrio) daquele pecado permanecerão com o indivíduo mesmo depois do perdão (cf. 2Sm 12.9-14).

Mas o que dizer do rei Davi? Sua continuação como rei de Israel, a despeito do seu pecado de adultério e de homicídio (2Sm 11.1-21; 12.9-15) é vista por alguns como uma justificativa bíblica para a pessoa continuar à frente da igreja de Deus, mesmo tendo violado os padrões já mencionados. Essa comparação, no entanto, é falha por vários motivos.

O cargo de rei de Israel do AT, e o cargo de ministro espiritual da igreja de Jesus Cristo, segundo o NT, são duas coisas inteiramente diferentes. Deus não somente permitiu a Davi, mas, também a muitos outros reis que foram extremamente ímpios e perversos, permanecerem como reis da nação de Israel. A liderança espiritual da igreja do NT, sendo esta comprada com o sangue de Jesus Cristo, requer padrões espirituais muito mais altos.

Segundo a revelação divina no NT e os padrões do ministério ali exigidos, Davi não teria as qualificações para o cargo de pastor de uma igreja do NT. Ele teve diversas esposas, praticou infidelidade conjugal, falhou grandemente no governo do seu próprio lar, tornou-se homicida e derramou muito sangue (1Cr 22.8; 28.3). Observe-se também que por ter Davi, devido ao seu pecado, dado lugar a que os inimigos de Deus blasfemassem, ele sofreu castigo divino pelo resto da sua vida (2Sm 12.9-14).

As igrejas atuais não devem, pois, desprezar as qualificações justas exigidas por Deus para seus pastores e demais obreiros, conforme está escrito na revelação divina. É dever de toda igreja orar por seus pastores, assisti-los e sustentá-los na sua missão de servirem como “exemplo dos fiéis, na palavra, no trato, na caridade, no espírito, na fé, na pureza” (4.12).

 

OS PASTORES E SEUS DEVERES

At 20.28 “Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue.”

Nenhuma igreja poderá funcionar sem dirigentes para dela cuidar. Logo, conforme 14.23, a congregação local, cheia do Espírito, buscando a direção de Deus em oração e jejum, elegiam certos irmãos para o cargo de presbítero ou bispo de acordo com as qualificações espirituais estabelecidas pelo Espírito Santo em 1Tm 3.1-7; Tt 1.5-9 (ver o estudo QUALIFICAÇÕES MORAIS DO PASTOR). Na realidade é o Espírito que constitui o dirigente de igreja. O discurso de Paulo diante dos presbíteros de Éfeso (20.17-35) é um trecho básico quanto a princípios bíblicos sobre o exercício do ministério de pastor de uma igreja local.

PROPAGANDO A FÉ. (1) Um dos deveres principais do dirigente é alimentar as ovelhas mediante o ensino da Palavra de Deus. Ele deve ter sempre em mente que o rebanho que lhe foi entregue é a congregação de Deus, que Ele comprou para si com o sangue precioso do seu Filho amado (cf. 20.28; 1Co 6.20; 1Pe 1.18,19; Ap 5.9). (2) Em 20.19-27, Paulo descreve de que maneira serviu como pastor da igreja de Éfeso; tornou patente toda a vontade de Deus, advertindo e ensinando fielmente os cristãos efésios (20.27). Daí, ele poder exclamar: “estou limpo do sangue de todos” (20.26; ver nota). Os pastores de nossos dias também devem instruir suas igrejas em todo o desígnio de Deus. Que “pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina” (2Tm 4.2) e nunca ministrar para agradar os ouvintes, dizendo apenas aquilo que estes desejam ouvir (2Tm 4.3).

GUARDANDO A FÉ. Além de alimentar o rebanho de Deus, o verdadeiro pastor deve diligentemente resguardá-lo de seus inimigos. Paulo sabe que no futuro Satanás levantará falsos mestres dentro da própria igreja, e, também, falsários vindos de fora, infiltrar-se-ão e atingirão o rebanho com doutrinas antibíblicas, conceitos mundanos e idéias pagãs e humanistas. Os ensinos e a influência destes dois tipos de elementos arruinarão a fé bíblica do povo de Deus (ver o estudo FALSOS MESTRES). Paulo os chama de “lobos cruéis”, indicando que são fortes, difíceis de subjugar, insaciáveis e perigosos (ver 20.29 nota; cf. Mt 10.16). Tais indivíduos desviarão as pessoas dos ensinos de Cristo e os atrairão a si mesmos e ao seu evangelho distorcido. O apelo veemente de Paulo (20.28-31) impõe uma solene obrigação sobre todos os obreiros da igreja, no sentido de defendê-la e opôr-se aos que distorcem a revelação original e fundamental da fé, segundo o NT.

A igreja verdadeira consiste somente daqueles que, pela graça de Deus e pela comunhão do Espírito Santo, são fiéis ao Senhor Jesus Cristo e à Palavra de Deus (ver o estudo A INSPIRAÇÃO

E A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS). Por isso, é de grande importância na preservação da pureza da igreja de Deus que os seus pastores mantenham a disciplina corretiva com amor (Ef 4.15), e reprovem com firmeza (2Tm 4.1-4; Tt 1.9-11) quem na igreja fale coisas perversas contrárias à Palavra de Deus e ao testemunho apostólico (20.30).

Líderes eclesiásticos, pastores de igrejas locais e dirigentes administrativos da obra devem lembrar-se de que o Senhor Jesus os têm como responsáveis pelo sangue de todos os que estão sob seus cuidados (20.26,27; cf. Ez 3.20,21). Se o dirigente deixar de ensinar e pôr em prática todo o conselho de Deus para a igreja (20.27), principalmente quanto à vigilância sobre o rebanho (20.28), não estará “limpo do sangue de todos” (20.26, ver nota; cf. Ez 34.1-10). Deus o terá por culpado do sangue dos que se perderem, por ter ele deixado de proteger o rebanho contra os falsificadores da Palavra (ver também 2Tm 1.14 nota; Ap 2.2 nota).

É altamente importante que os responsáveis pela direção da igreja mantenham a ordem quanto a assuntos teológicos doutrinários e morais na mesma. A pureza da doutrina bíblica e de vida cristã deve ser zelosamente mantida nas faculdades evangélicas, institutos bíblicos, seminários, editoras e demais segmentos administrativos da igreja (2Tm 1.13,14).

A questão principal aqui é nossa atitude para com as Escrituras divinamente inspiradas, que Paulo chama a “palavra da sua graça” (20.32). Falsos mestres, pastores e líderes tentarão enfraquecer a autoridade da Bíblia através de seus ensinos corrompidos e princípios antibíblicos. Ao rejeitarem a autoridade absoluta da Palavra de Deus, negam que a Bíblia é verdadeira e fidedigna em tudo que ela ensina (20.28-31; ver Gl 1.6 nota; 1Tm 4.1; 2Tm 3.8). A bem da igreja de Deus, tais pessoas devem ser excluídas da comunhão (2Jo 9-11; ver Gl 1.9 nota).

A igreja que perde o zelo ardente do Espírito Santo pela sua pureza (20.18-35), que se recusa a tomar posição firme em prol da verdade e que se omite em disciplinar os que minam a autoridade da Palavra de Deus, logo deixará de existir como igreja neotestamentária (ver 12.5 nota; ver o estudo A IGREJA).

 

 

DÍZIMOS E OFERTAS

Ml 3.10 “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós uma bênção tal, que dela vos advenha a maior

abstança.”

DEFINIÇÃO DE DÍZIMOS E OFERTAS. A palavra hebraica para “dízimo” (ma’aser) significa literalmente “a décima parte”.

Na Lei de Deus, os israelitas tinham a obrigação de entregar a décima parte das crias dos animais domésticos, dos produtos da terra e de outras rendas como reconhecimento e gratidão pelas bênçãos divinas (ver Lv 27.30-32; Nm 18.21,26; Dt 14.22-29; ver Lv 27.30 nota). O dízimo era usado primariamente para cobrir as despesas do culto e o sustento dos sacerdotes. Deus considerava o seu povo responsável pelo manejo dos recursos que Ele lhes dera na terra prometida (cf. Mt 25.15 nota; Lc 19.13 nota).

No âmago do dízimo, achava-se a idéia de que Deus é o dono de tudo (Êx 19.5; Sl 24.1; 50.10-12; Ag 2.8). Os seres humanos foram criados por Ele, e a Ele devem o fôlego de vida (Gn 1.26,27; At 17.28). Sendo assim, ninguém possui nada que não haja recebido originalmente do Senhor (Jó 1.21; Jo 3.27; 1Co 4.7). Nas leis sobre o dízimo, Deus estava simplesmente ordenando que os seus lhe devolvessem parte daquilo que Ele já lhes tinha dado.

Além dos dízimos, os israelitas eram instruídos a trazer numerosas oferendas ao Senhor, principalmente na forma de sacrifícios. Levítico descreve várias oferendas rituais: o holocausto (Lv 1; 6.8-13), a oferta de manjares (Lv 2; 6.14-23), a oferta pacífica (Lv 3; 7.11-21), a oferta pelo pecado (Lv 4.1—5.13; 6.24-30), e a oferta pela culpa (Lv 5.14—6.7; 7.1-10).

Além das ofertas prescritas, os israelitas podiam apresentar outras ofertas voluntárias ao Senhor. Algumas destas eram repetidas em tempos determinados (ver Lv 22.18-23; Nm 15.3; Dt 12.6,17), ao passo que outras eram ocasionais. Quando, por exemplo, os israelitas empreenderam a construção do Tabernáculo no monte Sinai, trouxeram liberalmente suas oferendas para a fabricação da tenda e de seus móveis (ver Êx 35.20-29). Ficaram tão entusiasmados com o empreendimento, que Moisés teve de ordenar-lhes que cessassem as oferendas (Êx 36.3-7). Nos tempos de Joás, o sumo sacerdote Joiada fez um cofre para os israelitas lançarem as ofertas voluntárias a fim de custear os consertos do templo, e todos contribuíram com generosidade (2Rs 12.9,10). Semelhantemente, nos tempos de Ezequias, o povo contribuiu generosamente às obras da reconstrução do templo (2Cr 31.5-19).

Houve ocasiões na história do AT em que o povo de Deus reteve egoisticamente o dinheiro, não repassando os dízimos e ofertas regulares ao Senhor. Durante a reconstrução do segundo templo, os judeus pareciam mais interessados na construção de suas propriedades, por causa dos lucros imediatos que lhes trariam, do que nos reparos da Casa de Deus que se achava em ruínas. Por causa disto, alertou-lhes Ageu, muitos deles estavam sofrendo reveses financeiros (Ag 1.3-6). Coisa semelhante acontecia nos tempos do profeta Malaquias e, mais uma vez, Deus castigou seu povo por se recusar a trazer-lhe o dízimo (Ml 3.9-12).

A ADMINISTRAÇÃO DO NOSSO DINHEIRO Os exemplos dos dízimos e ofertas no AT contêm princípios importantes a respeito da mordomia do dinheiro, que são válidos para os crentes do NT.

Devemos lembrar-nos que tudo quanto possuímos pertence a Deus, de modo que aquilo que temos não é nosso: é algo que nos confiou aos cuidados. Não temos nenhum domínio sobre as nossas posses.

Devemos decidir, pois, de todo o coração, servir a Deus, e não ao dinheiro (Mt 6.19-24; 2Co

. A Bíblia deixa claro que a cobiça é uma forma de idolatria (Cl 3.5).

Nossas contribuições devem ser para a promoção do reino de Deus, especialmente para a obra da igreja local e a disseminação do evangelho pelo mundo (1Co 9.4-14; Fp 4.15-18; 1Tm 5.17,18), para ajudar aos necessitados (Pv 19.17; Gl 2.10; 2Co 8.14; 9.2; ver o estudo O CUIDADO DOS POBRES E NECESSITADOS), para acumular tesouros no céu (Mt 6.20; Lc 6.32-35) e para aprender a temer ao Senhor (Dt 14.22,23).

Nossas contribuições devem ser proporcionais à nossa renda. No AT, o dízimo era calculado em uma décima parte. Dar menos que isto era desobediência a Deus. Aliás equivalia a roubá-lo (Ml 3.8-10). Semelhantemente, o NT requer que as nossas contribuições sejam proporcionais àquilo que Deus nos tem dado (1Co 16.2; 2Co 8.3,12; ver 2Co 8.2 nota).

Nossas contribuições devem ser voluntárias e generosas, pois assim é ensinado tanto no AT (ver Êx 25.1,2; 2Cr 24.8-11) quanto no NT (ver 2Co 8.1-5,11,12). Não devemos hesitar em contribuir de modo sacrificial (2Co 8:3), pois foi com tal espírito que o Senhor Jesus entregou-se por nós (ver 2Co 8.9 nota). Para Deus, o sacrifício envolvido é muito mais importante do que o valor monetário da dádiva (ver Lc 21.1-4 nota).

Nossas contribuições devem ser dadas com alegria (2Co 9.7). Tanto o exemplo dos israelitas no AT (Êx 35.21-29; 2Cr 24.10) quanto o dos cristãos macedônios do NT (2Co 8.1-5) servem-nos de modelos.

Deus tem prometido recompensar-nos de conformidade com o que lhe temos dado (ver Dt 15.4; Ml 3.10-12; Mt 19.21; 1Tm 6.19; ver 2Co 9.6 nota).

 

 

O CUIDADO DOS POBRES E NECESSITADOS

Am 5.12-14 “Porque sei que são muitas as vossas transgressões e enormes os vossos pecados; afligis o justo, tomais resgate e rejeitais os necessitados na porta. Portanto, o que for prudente guardará silêncio naquele tempo, porque o tempo será mau. Buscai o bem e não o mal, para que vivais; e assim o Senhor, o Deus dos Exércitos, estará convosco, como dizeis.”

Neste mundo, onde há tanto ricos quanto pobres, frequentemente os que têm abastança material tiram proveito dos que nada têm, explorando-os para que os seus lucros aumentem continuamente (ver Sl 10.2, 9,10; Is 3.14,15; Jr 2.34; Am 2.6,7; 5.12,13; Tg 2.6). A Bíblia tem muito a dizer a respeito de como os crentes devem tratar os pobres e necessitados.

O ZELO DE DEUS PELOS POBRES E NECESSITADOS. Deus tem expressado de várias maneiras seu grande zelo pelos pobres, necessitados e oprimidos. (1) O Senhor Deus é o seu defensor. Ele mesmo revela ser deles o refúgio (Sl 14.6; Is 25.4), o socorro (Sl 40.17; 70.5; Is 41.14), o libertador (1Sm 2.8; Sl 12.5; 34.6; 113.7; 35.10; cf. Lc 1.52,53) e provedor (cf. Sl 10.14; 68.10; 132.15). (2) Ao revelar a sua Lei aos israelitas, mostrou-lhes também várias maneiras de se eliminar a pobreza do meio do povo (ver Dt 15.7-11 nota). Declarou-lhes, em seguida, o seu alvo global: “Somente para que entre ti não haja pobre; pois o SENHOR abundantemente te abençoará na terra que o SENHOR, teu Deus, te dará por herança, para a possuíres” (Dt 15.4). Por isso Deus, na sua Lei, proíbe a cobrança de juros nos empréstimos aos pobres (Êx 22.25; Lv 25.35,36). Se o pobre entregasse algo como “penhor”, ou garantia pelo empréstimo, o credor era obrigado a devolver-lhe o penhor (uma capa ou algo assim) antes do pôr-do-sol. Se o pobre era contratado a prestar serviços ao rico, este era obrigado a pagar-lhe diariamente, para que ele pudesse comprar alimentos a si mesmo e à sua família (Dt 24.14,15). Durante a estação da colheita, os grãos que caíssem deviam ser deixados no chão para que os pobres os recolhessem (Lv 19.10; Dt 24.19-21); e mais: os cantos das searas de trigo, especificamente, deviam ser deixados aos pobres (Lv 19.9). Notável era o mandamento divino de se cancelar, a cada sete anos, todas as dívidas dos pobres (Dt

6). Além disso, o homem de posses não podia recusar-se a emprestar algo ao necessitado, simplesmente por estar próximo o sétimo ano (Dt 15.7-11). Deus, além de prover o ano para o cancelamento das dívidas, proveu ainda o ano para a devolução de propriedades — o Ano do Jubileu, que ocorria a cada cinqüenta anos. Todas as terras que tivessem mudado de dono desde o Ano do Jubileu anterior teriam de ser devolvidas à família originária (ver Lv 25.8-55). E, mais importante de tudo: a justiça haveria de ser imparcial. Nem os ricos nem os pobres poderiam receber qualquer favoritismo (Êx 23.2,3,6; Dt 1.17; cf. Pv 31.9). Desta maneira, Deus impedia que os pobres fossem explorados pelos ricos, e garantia um tratamento justo aos necessitados (ver Dt 24.14 nota).

Infelizmente, os israelitas nem sempre observavam tais leis. Muitos ricos tiravam vantagens dos pobres, aumentando-lhes a desgraça. Em conseqüência de tais ações, o Senhor proferiu, através dos profetas, palavras severas de juízo contra os ricos (ver Is 1.21-25; Jr 17.11; Am 4.1-3; 5.11-13; Mq

5; Hc 2.6-8; Zc 7.8-14).

A RESPONSABILIDADE DO CRENTE NEOTESTAMENTÁRIO DIANTE DOS POBRES E NECESSITADOS. No NT, Deus também ordena a seu povo que evidencie profunda solicitude pelos pobres e necessitados, especialmente pelos domésticos na fé.

Boa parte do ministério de Jesus foi dedicado aos pobres e desprivilegiados na sociedade judaica. Dos oprimidos, necessitados, samaritanos, leprosos e viúvas, ninguém mais se importava a não ser Jesus (cf. Lc 4.18,19; 21.1-4; Lc 17.11-19; Jo 4.1-42; Mt 8.2-4; Lc 17.11-19; Lc 7.11-15; 20.45-47). Ele condenava duramente os que se apegavam às possessões terrenas, e desconsideravam os pobres (Mc 10.17-25; Lc 6.24,25; 12.16-20; 16.13-15,19-31; ver o estudo RIQUEZA E POBREZA).

Jesus espera que seu povo contribua generosamente com os necessitados (ver Mt 6.1-4). Ele próprio praticava o que ensinava, pois levava uma bolsa da qual tirava dinheiro para dar aos pobres (ver Jo 12.5,6; 13.29). Em mais de uma ocasião, ensinou aos que o queriam seguir a se importarem com os marginalizados econômica e socialmente (Mt 19.21; Lc 12.33; 14.12-14,16-24; 18.22). As contribuições não eram consideradas opcionais. Uma das exigências de Cristo para se entrar no seu reino eterno é mostrar-se generoso para com os irmãos e irmãs que passam fome e sede, e acham-se nus (Mt 25.31-46).

O apóstolo Paulo e a igreja primitiva demonstravam igualmente profunda solicitude pelos necessitados. Bem cedo, Paulo e Barnabé, representando a igreja em Antioquia da Síria, levaram a Jerusalém uma oferta aos irmãos carentes da Judéia (At 11.28-30). Quando o concílio reuniu-se em Jerusalém, os anciãos recusaram-se a declarar a circuncisão como necessária à salvação, mas sugeriram a Paulo e aos seus companheiros “que nos lembrássemos dos pobres, o que também procurei fazer com diligência” (Gl 2.10). Um dos alvos de sua terceira viagem missionária foi coletar dinheiro “para os pobres dentre os santos que estão em Jerusalém” (Rm 15.26). Ensinava as igrejas na Galácia e em Corinto a contribuir para esta causa (1Co 16.1-4). Como a igreja em Corinto não contribuisse conforme se esperava, o apóstolo exortou demoradamente aos seus membros a respeito da ajuda aos pobres e necessitados (2Co 8;9). Elogiou as igrejas na Macedônia por lhe terem rogado urgentemente que lhes deixasse participar da coleta (2Co 8.1-4; 9.2). Paulo tinha em grande estima o ato de contribuir. Na epístola aos Romanos, ele arrola, como dom do Espírito Santo, a capacidade de se contribuir com generosidade às necessidades da obra de Deus e de seu povo (ver Rm 12.8 nota; ver 1Tm 6.17-19).

Nossa prioridade máxima, no cuidado aos pobres e necessitados, são os irmãos em Cristo. Jesus equiparou as dádivas repassadas aos irmãos na fé como se fossem a Ele próprio (Mt 25.40, 45). A igreja primitiva estabeleceu uma comunidade que se importava com o próximo, que repartia suas posses a fim de suprir as necessidades uns dos outros (At 2.44,45; 4.34-37). Quando o crescimento da igreja tornou impossível aos apóstolos cuidar dos necessitados de modo justo e equânime, procedeu-se a escolha de sete homens, cheios do Espírito Santo, para executar a tarefa (At 6.1-6). Paulo declara explicitamente qual deve ser o princípio da comunidade cristã: “Então, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé” (Gl 6.10). Deus

quer que os que têm em abundância compartilhem com os que nada têm para que haja igualdade entre o seu povo (2Co 8.14,15; cf. Ef 4.28; Tt 3.14). Resumindo, a Bíblia não nos oferece outra alternativa senão tomarmos consciência das necessidades materiais dos que se acham ao nosso redor, especialmente de nossos irmãos em Cristo.

 

 

 

Com. Bíblico - Matthew Henry (Exaustivo) AT e NT – Visão calvinista do capítulo

A Consagração a Deus. O Dever em relação a Deus. O Dever em relação a nós mesmos. O Exercício Devido dos Dons Espirituais. O Dever em relação aos nossos Irmãos. O Amor Fraternal. O Amor para com os Inimigos

Romanos 12:1-21

Podemos observar aqui, de acordo com o esquema mencionado no sumário, as exortações do apóstolo:

I

 Em relação ao nosso dever para com Deus. Nós podemos ver o que é a piedade.

1. É nos entregarmos a Deus e, assim, estabelecer um bom fundamento. Nós devemos primeiramente nos entregar a nós mesmos ao Senhor (2 Co 8.5). Isso é aqui inculcado como a fonte de todos os deveres e obediência (vv. 1,2). O homem consiste em corpo e alma (Gn 2.7; Ec 12.7).

(1) O corpo deve ser apresentado a Ele (v. 1). “O corpo é para o Senhor, e o Senhor para o corpo” (1 Co 6.13,14). A exortação é aqui introduzida de maneira muito enternecedora: “Rogo-vos, pois, irmãos”. Embora ele fosse um grande apóstolo, ele chama os cristãos mais simples de irmãos, um termo que denota afeição e cuidado. Ele faz uma súplica; esse é o jeito do evangelho: “...como se Deus por nós rogasse” (2 Co 5.20). Embora ele pudesse ordenar com autoridade, por causa do amor ele preferiu rogar (Fm 8,9). “O pobre fala com rogos” (Pv 18.23). Isso é para dar a entender a exortação, que pode vir com poder mais agradável. Muitos são atingidos mais depressa se forem abordados gentilmente, são mais facilmente conduzidos do que empurrados. Então observe:

[1] O dever imposto – apresentar o nosso “...corpo em sacrifício vivo”, aludindo aos sacrifícios do tempo da lei, que eram apresentados ou colocados diante de Deus no altar, prontos para serem oferecidos a Ele. Vosso corpo – a vossa totalidade; assim expressa porque sob a lei os corpos dos animais eram oferecidos em sacrifício (1 Co 6.20). Significa nosso corpo e espírito. A oferenda era sacrificada pelo sacerdote, mas apresentada pelo ofertante, que transferia para Deus todos os seus direitos, título e interesse nela, impondo sua mão na cabeça do animal. O sacrifício é considerado aqui qualquer coisa que é por ordem do próprio Deus dedicada a si mesmo (ver 1 Pe 2.5). Nós somos templo, sacerdócio e sacrifício, como Cristo foi em seu sacrifício singular. Havia sacrifícios de expiação e sacrifícios de ação de graças. Cristo, que de uma vez por todas foi oferecido para carregar os pecados de muitos, é o único sacrifício de expiação; mas nossa pessoa e desempenho, oferecidos para Deus através de Cristo, o nosso sacerdote, são como sacrifícios de ação de graças para a honra de Deus. Apresentá-los denota um ato voluntário, feito em virtude daquele poder despótico e absoluto que a vontade tem sobre o corpo e todos os seus membros. Deve ser uma oferta de livre e espontânea vontade. Vossos corpos: não vossos animais. Como aquelas ofertas da lei tinham o seu poder a partir de Cristo, também tiveram o seu ponto final em Cristo. Apresentar os corpos a Deus não significa apenas evitar os pecados que são cometidos através de e contra o corpo, mas usar o corpo como um servo da alma no serviço de Deus. Devemos “...glorificar a Deus no nosso corpo” (1 Co 6.20), ocupar o nosso corpo nos deveres da adoração imediata, atendendo diligentemente aos nossos chamados particulares, e estar dispostos a sofrer por Deus com o nosso corpo, quando chamados a isso. Devemos entregar os membros do nosso corpo como instrumentos de justiça (Rm 6.13). Embora o exercício corporal seja apenas um pouco proveitoso, em seu lugar ele é uma prova e um resultado da dedicação de nossas almas a Deus. Em primeiro lugar, apresente-o como um sacrifício vivo: não morto, como os sacrifícios que ocorriam sob a lei. Um cristão faz de seu corpo um sacrifício a Deus, embora ele não o entregue para ser queimado. Um corpo sinceramente devotado a Deus é um sacrifício vivo. Um sacrifício vivo, como forma de alusão – um animal morto por si mesmo não podia ser comido e muito menos sacrificado (Dt 14.21); e como forma de oposição – “O sacrifício devia ser morto, no entanto, você pode ser sacrificado e, mesmo assim, continuar a viver” – um sacrifício sem sangue. Os bárbaros pagãos sacrificavam seus filhos a seus ídolos, não sacrifícios vivos, mas mortos. Mas Deus terá misericórdia e não exigirá tal sacrifício, embora a vida esteja entregue a Ele. Um sacrifício vivo, isto é, inspirado com a vida espiritual da alma. É Cristo vivendo na alma pela fé que faz do corpo um sacrifício vivo (Gl 2.20). O santo amor acende o fogo do sacrifício e coloca vida nos deveres (ver Rm 6.13). Vivos, isto é, para Deus (Rm 6.11). Em segundo lugar, eles devem ser santos. Existe uma santidade relativa em cada sacrifício, quando dedicado a Deus. Mas, além disso, deve haver aquela santidade verdadeira que consiste em uma inteira retidão de coração e vida, pela qual somos conformados tanto à natureza quanto à vontade de Deus: o nosso próprio corpo não deve se tornar instrumento do pecado e da impureza, mas deve ser separado para Deus e colocado para uso santo, como os vasos do Tabernáculo eram santos, sendo devotados ao serviço de Deus. É a alma que é o objeto próprio da santidade; mas uma alma santificada transmite santidade para o corpo em que ela age e ao qual anima. Santo é o que está de acordo com a vontade de Deus; quando as ações do corpo estão, o corpo é santo. Eles são “...o templo do Espírito Santo” (1 Co 6.19). “Cada um de vós saiba possuir o seu vaso em santificação” (1 Ts 4.4,5).

[2] Os argumentos para impor isso, que são três: em primeiro lugar, considerar as misericórdias de Deus: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus”. Uma súplica afetuosa, e que deve nos derreter em submissão: dia ton oiktirmon tou Theou. Esse é um argumento facilmente convincente. Há a misericórdia que está em Deus e a misericórdia que vem de Deus – misericórdia na fonte e misericórdia nos rios: ambas estão incluídas aqui, mas principalmente as misericórdias do evangelho (mencionadas no capítulo 11), transferidas para nós gentios, sendo os judeus privados delas por causa da sua incredulidade (Ef 3.4-6), as firmes beneficências de Davi (Is 55.3). Deus é um Deus de misericórdia, por essa razão, apresentemos os nossos corpos a Ele; Ele não deixará de usá-los amavelmente e sabe como respeitar a estrutura deles, pois Ele tem infinita compaixão. Dele recebemos diariamente os frutos de sua misericórdia, particularmente a misericórdia para nosso corpo: Ele o criou, o mantém, o comprou e colocou grande dignidade nele. É por causa das misericórdias do Senhor que não somos consumidos, que nossas almas são mantidas na vida; e a maior misericórdia de todas é que Cristo ofereceu tanto o seu corpo quanto a sua alma como oferta pelo pecado, que Ele se entregou por nós e se dá para nós. Agora, com certeza nós não podemos fazer outra coisa exceto refletir sobre o que daremos ao Senhor por tudo isso. E o que lhe daremos em troca? Entreguemos a nós mesmos como um reconhecimento de todos esses favores – tudo o que somos, tudo o que temos, tudo o que podemos fazer; e, afinal de contas, tais retribuições são muito pobres dadas as riquezas recebidas; e, todavia, porque é o que temos. Em segundo lugar, pois é “...agradável a Deus”. O grande fim pelo qual todos devemos nos esforçar é o de sermos aceitáveis a Deus (2 Co 5.9), que Ele se agrade de nossas pessoas e obras. Ora, esses sacrifícios vivos são aceitáveis a Deus, enquanto que os sacrifícios dos perversos, embora sejam gordurosos e caros, são uma abominação ao Senhor. É grande condescendência de Deus aceitar qualquer coisa em nós; e não podemos desejar nada mais para nos fazer felizes; e, se o ato de nos apresentarmos o agradar, podemos concluir facilmente que não podemos fazer nada de melhor. Em terceiro lugar, é o nosso “...culto racional”. Nele, existe um ato de razão, pois é a alma que apresenta o corpo. A devoção cega, que tem a ignorância como mãe e ama-seca, é apropriada para ser rendida àqueles deuses abjetos que têm olhos, mas não vêem. Nosso Deus deve ser servido em espírito e com o entendimento. Existe toda a razão do mundo para isso, e nenhuma boa razão pode ser apresentada contra. “Vinde, então, e argüi-me” (Is 1.18). Deus não nos impõe nada difícil ou irracional, mas só aquilo que está completamente de acordo com a reta razão. Ten logiken latreian hymon – vosso serviço de acordo com a palavra, pode-se ler assim. A palavra de Deus não abandona o corpo na santa adoração. O culto aceitável a Deus é apenas aquele que está de acordo com a palavra escrita. Deve ser adoração evangélica, adoração espiritual. Esse é um culto racional do qual estamos aptos e estamos prontos para dar a razão, no qual compreendemos a nós mesmos. Deus lida conosco como com criaturas racionais, e quer que sejamos assim para lidarmos com Ele. Desta forma, o corpo deve ser apresentado a Deus:

(2) A mente deve ser renovada por Ele. Isso está claro: “...transformai-vos pela renovação do vosso entendimento (v. 2); cuidai para que uma mudança salvífica seja operada em vós e que continue”. A conversão e a santificação são a renovação da mente, não uma mudança de substância da alma, mas de suas qualidades. É o mesmo que criar um novo coração e um novo espírito – novas disposições e inclinações, novas simpatias e antipatias; o entendimento iluminado, a consciência suavizada, os pensamentos corrigidos; a vontade submetida à vontade de Deus, e os sentimentos tornados espirituais e celestiais; de maneira que o homem não é o que era – as velhas coisas já passaram, tudo se fez novo; ele age a partir de novos princípios, novas regras, com novos desígnios. A mente é a parte de nós que governa e age, de maneira que a renovação da mente é a renovação do homem todo, pois dela “...procedem as saídas da vida” (Pv 4.23). O progresso da santificação, morrendo mais e mais para o pecado e vivendo mais e mais para a justiça, é a continuação dessa obra de renovação, até estar aperfeiçoada na glória. Isso é chamado de nossa transformação; é como assumir uma nova forma e aparência. Metamorfousthe – sofram metamorfose. A transfiguração de Cristo é expressa com essa palavra (Mt 17.2), quando Ele se reveste de uma glória celestial, a qual fez com que seu rosto brilhasse como o sol; e a mesma palavra é usada em 2 Coríntios 3.18, onde é dito que “...somos transformados de glória em glória”. Essa transformação é aqui imposta como um dever; não que possamos operar tal mudança por nós mesmos: não poderíamos fazer um novo mundo tanto quanto não poderíamos fazer um novo coração por nossa própria capacidade; é obra de Deus (Ez 11.19; 36.26,27). Mas transformai-vos, isto é, “usai os recursos que Deus designou e ordenou para isso”. É Deus quem nos modifica, e então somos modificados; mas devemos “...ordenar nossas ações para voltarmos” (Os 5.4). “Colocai vossas almas sob as influências transformadoras e modificadoras do bendito Espírito; pedi a Deus graça no uso de todos os recursos da graça”. Embora o novo homem seja criação de Deus, devemos nos revestir dele (Ef 4.24), e nos esforçar em direção à perfeição. Então, nesse versículo podemos observar ainda:

[1] Qual é o grande inimigo dessa renovação, ao qual devemos evitar; e que é a conformidade com este mundo: “E não vos conformeis com este mundo”. Todos os discípulos e seguidores do Senhor Jesus devem ser rebeldes em relação ao mundo. Me syschematizesthe – não vos moldeis de acordo com o mundo. Não devemos nos conformar com as coisas do mundo; elas são mutáveis, e a aparência delas está passando. Nem vos conformeis às concupiscências da carne ou às concupiscências dos olhos. Não devemos nos conformar com os homens do mundo, daquele mundo que jaz na perversidade; não devemos caminhar de acordo com “...o curso deste mundo” (Ef 2.2); isto é, não devemos seguir a multidão para fazer o mal (Êx 23.2). Se os pecadores nos incitarem, não devemos consentir com eles, mas, onde estivermos, testemunhar contra eles. Mais ainda, até em coisas indiferentes, e que em si mesmas não são pecaminosas, tanto não devemos nos conformar com os costumes e os hábitos do mundo quanto não devemos agir segundo os preceitos do mundo como se fossem nossa regra mais importante, nem visar aos favores do mundo como nosso objetivo principal. O verdadeiro cristianismo tem muito de uma sóbria singularidade. Porém, devemos tomar o cuidado de evitar o extremo de grosseria e rabugice em que alguns caem. Nas coisas civis, a luz da natureza e os costumes das nações têm por finalidade nos orientar; e a regra do evangelho naqueles casos é uma regra de orientação e não uma regra de contrariedade.

[2] Qual é o grande efeito dessa renovação pela qual devemos nos esforçar: “...para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Por vontade de Deus aqui devemos entender sua vontade revelada a respeito de nossa conduta, o que o Senhor nosso Deus exige de nós. Essa é em geral a vontade de Deus, a nossa própria santificação, aquela vontade que nós oramos que seja cumprida por nós como é cumprida pelos anjos; principalmente a sua vontade como é revelada no Novo Testamento, onde Ele tem falado, nesses últimos dias, pelo Filho. Em primeiro lugar, a vontade de Deus é boa, agradável e perfeita; três excelentes qualidades de uma lei. Ela é boa (Mq 6.8); está exatamente de acordo com a razão eterna de bem e mal. Ela é boa em si mesma. É boa para nós. Alguns pensam que a lei evangélica é aqui chamada de boa para fazer um contraste com a lei cerimonial, que consistia em “...estatutos que não eram bons” (Ez 20.25). Ela é aceitável, é agradável a Deus; somente o que é determinado por Ele tem essas características. A única maneira de se obter o seu favor como fim é se conformar à sua vontade como regra. É perfeito aquilo a que nada pode ser acrescentado. A vontade revelada de Deus é uma regra suficiente de fé e prática, contendo todas as coisas que levam à perfeição do homem de Deus, para nos suprir completamente para toda boa obra (2 Tm 3.16,17). Em segundo lugar, interessa aos cristãos demonstrarem qual é aquela vontade de Deus que é boa, agradável e perfeita, isto é, conhecê-la com bom senso e aprovação, conhecê-la experimentalmente, conhecer a excelência da vontade de Deus pela experiência de uma conformidade com ela. É aprovar “...as coisas excelentes” (Fp 1.10); é dokimazein (a mesma palavra que é usada aqui), experimentar coisas que diferem, em casos duvidosos, compreender prontamente qual seja a vontade de Deus e ficar com ela. É para se deleitar “...no temor do Senhor” (Is 11.3). Em terceiro lugar, aqueles que são transformados pela renovação de suas mentes são os mais capazes de experimentar qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Um princípio vivo da graça está na alma, na medida em que ele prevalece, um julgamento imparcial e sem preconceitos a respeito das coisas de Deus. Ele dispõe a alma para receber e acolher as revelações da vontade divina. A promessa é: “Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina, conhecerá” (Jo 7.17). Uma mente perspicaz pode debater e fazer distinções sobre a vontade de Deus; enquanto um coração humilde e honesto, que possui os sentidos espirituais adestrados, é moldado pela palavra e a ama e a pratica, e sente o seu gosto e sabor. Assim, seremos piedosos se nos entregarmos a Deus.

2. Quando isso é feito, servi-lo de todas as maneiras na obediência do evangelho. Temos aqui algumas dicas disso: “...servindo ao Senhor” (vv. 11,12). Não temos outro motivo de nos apresentar a Ele, senão o de servi-lo. At 27.23: “...de quem eu sou”; e logo segue: “...a quem sirvo”. Ser cristão é servir a Deus. Como? (1) Devemos nos empenhar nisso com toda a energia. “Não sejais vagarosos no cuidado”. Existe o cuidado do mundo, aquele de nossa vocação particular, em relação à qual não devemos ser vagarosos (1 Ts 4.11). Mas isso parece se referir ao cuidado de servir ao Senhor, o negócio do nosso Pai (Lc 2.49). Aqueles que se revelam cristãos de fato devem fazer da sua fé o seu princípio de vida – devem escolhê-la, aprendê-la e entregar-se a ela; eles devem amá-la, empregar-se nela e permanecerem fiéis a ela, como a seu grande e principal objetivo. E, tendo feito do serviço a Deus o nosso objetivo, não devemos ser vagarosos em relação a ele: não podemos desejar nosso próprio bem-estar e preferi-lo, quando esse estiver em competição com o nosso dever. Não devemos ser vagarosos no que diz respeito à religião. Os servos vagarosos serão tidos como servos maus. (2) Nós devemos ser “...fervorosos no espírito, servindo ao Senhor”. Deus deve ser servido no espírito (Rm 1.9; Jo 4.24), sob as influências do Espírito Santo. Qualquer coisa que fazemos em matéria de religião só é agradável a Deus se feita com nossos espíritos trabalhados pelo Espírito de Deus. E deve haver fervor no espírito – um zelo santo, calor e ardência de afeição em tudo o que fizermos, como aqueles que não apenas amam a Deus com o coração e a alma, mas com todo o nosso coração e toda a nossa alma. Esse é o fogo santo que acende o sacrifício e o eleva até o céu, como oferta de cheiro suave. “...servindo ao Senhor”. To kairo douleuontes (assim está em algumas cópias), servindo ao tempo, isto é, aproveitando vossas oportunidades e tirando o máximo delas, agindo de acordo com os atuais tempos da graça. (3) “...alegrai-vos na esperança”. Deus é adorado e honrado através da esperança e confiança que temos nele, principalmente quando nos regozijamos naquela esperança, nos satisfazemos naquela confiança, a qual demonstra uma grande certeza da realidade e uma grande estima da excelência do bem pelo qual se espera. (4) “...sede pacientes na tribulação”. Assim também Deus é servido, não apenas ao trabalharmos por Ele quando Ele nos chama para a obra, mas ao nos assentarmos em silêncio quando Ele nos chama para sofrer. A verdadeira piedade é ter paciência por causa de Deus e procurar sempre sua vontade e sua glória. Observe: Aqueles que se regozijam na esperança, provavelmente devem ser pacientes na tribulação. É uma perspectiva confiante na alegria colocada diante de nós que sustenta o espírito sob toda pressão exterior. (5) “...perseverai na oração”. A oração é uma amiga da esperança e da paciência e nós servimos ao Senhor através dela. Proskarterountes. Significa tanto o fervor como a perseverança na oração. Não devemos ser frios no dever nem nos fatigar rapidamente nele (Lc 18.1; 1 Ts 5.17; Ef 6.18; Cl 4.2). Este é o nosso dever que diz respeito diretamente a Deus.

II

 Sobre o nosso dever com respeito a nós mesmos. Isso é sobriedade.

1. Uma opinião sóbria de nós mesmos (v. 3). Ela é introduzida com um solene prefácio: “...pela graça que me é dada, digo...”: a graça da sabedoria, pela qual ele compreende a necessidade e a excelência desse dever; a graça do apostolado, pela qual ele tinha autoridade para impor e ordenar. “Eu digo, eu que sou encarregado de dizer isso, em nome de Deus. Eu o digo e vós não deveis contradizer”. É dito para cada um de nós, para todos nós. O orgulho é um pecado que é inato a todos nós e, por essa razão, cada um de nós tem que ser cauteloso e estar munido contra ele. “...não saiba mais do que convém saber”. Devemos cuidar para não ficarmos tão convencidos em relação a nós mesmos, e para não supervalorizar os nossos próprios julgamentos, habilidades, pessoas e desempenhos. Não devemos ser presunçosos, nem estimar além da medida a nossa própria sabedoria e outros talentos, nem pensar que somos alguma coisa (Gl 6.3). Há um pensamento elevado sobre nós mesmos que podemos e devemos ter, que é nos considerarmos bons demais para ser escravos do pecado e servos desse mundo. Mas, por outro lado, devemos pensar sobriamente, isto é, devemos ter uma opinião modesta e humilde de nós mesmos e de nossas habilidades, nossos dons e graças, de acordo com o que temos recebido de Deus, e não de outra maneira. Não devemos ser confiantes e veementes em matéria de controvérsias duvidosas; nem ir além de nossos limites; nem julgar e censurar aqueles que diferem de nós; nem desejar fazer uma exibição na carne. Essas coisas e outras semelhantes são os frutos de uma sóbria opinião a respeito de nós mesmos. As palavras trarão ainda outro sentido bastante conveniente. De si mesmos (versão inglesa KJV) não está no original; por essa razão, o texto pode ser lido: Que nenhum homem seja sábio mais do que deve ser sábio, mas seja sábio com sobriedade. Não devemos nos empenhar em coisas muito elevadas para nós (Sl 131.1,2), nem nos meter em coisas que não vimos (Cl 2.18), aquelas coisas encobertas que não são para nós (Dt 29.29), nem desejar ser sábios indo além do que está escrito. Existe um conhecimento que nos incha, que se esforça para alcançar o fruto proibido. Devemos tomar cuidado com isso, e nos esforçar por aquele conhecimento que tende à sobriedade, à correção do coração e à restauração da vida. Alguns entendem que se trata da sobriedade que nos mantém em nosso próprio lugar e posição, de maneira a não nos intrometermos nos dons e nas funções dos outros. Veja um exemplo desse cuidado modesto e sóbrio no exercício dos maiores dons espirituais em 2 Coríntios 10.13-15. Em relação a esse assunto também se refere aquela exortação: “...não sejais sábios em vós mesmos” (v. 16). É bom ser sábio, mas é ruim pensar que se é sábio; pois se pode esperar mais de um tolo do que daquele que é sábio aos seus próprios olhos. Foi algo excelente para Moisés ter o seu rosto brilhando sem o saber. Ora, as razões pelas quais devemos ter tal opinião sóbria de nós mesmos, de nossas próprias habilidades e talentos, são estas:

(1) Porque qualquer coisa boa que tenhamos, foi Deus que repartiu a nós; todo dom perfeito e bom “...vem do alto” (Tg 1.17). O que temos, que não temos recebido? E, se o recebemos, por que nos gloriamos? (1 Co 4.7). O homem mais competente e melhor do mundo não é mais nem melhor do que o que a livre graça de Deus faz dele cada dia. Quando estamos pensando em nós mesmos, devemos nos lembrar de pensar não como temos alcançado, como se nossa força e o poder de nossa mão tivessem adquirido esses dons, mas pensar quão generoso Deus tem sido para conosco, pois é Ele quem nos dá poder para fazer qualquer coisa que é boa e nele está toda a nossa suficiência.

(2) Porque Deus concede seus dons em certa medida: “...conforme a medida da fé...”. Observe: Ele chama de medida da fé a medida dos dons espirituais, pois essa é a graça radical. O que temos e fazemos de bom é certo e aceitável na medida em que está fundamentado na fé, e flui da fé, e não vai além dela. Ora, a fé e os outros dons espirituais com ela são concedidos por medida, como a Infinita Sabedoria vê que é adequado para nós. Cristo tinha o Espírito que lhe fora dado sem medida (Jo 3.34). Mas os santos o têm por medida (Ef 4.7). Cristo, que tinha dons sem medida, era meigo e humilde; e nós, que os temos de forma limitada, seremos arrogantes e orgulhosos?

(3) Porque Deus repartiu dons tanto aos outros como a nós: “...repartiu a cada um”. Tivéssemos o monopólio do Espírito, ou um documento que nos garantisse sermos proprietários exclusivos dos dons espirituais, podia haver alguma base para essa presunção; mas outros têm sua parte assim como nós. Deus é Pai de todos, e Cristo, a raiz de todos os santos, de quem eles obtêm virtude; e por isso, não é conveniente nos tornarmos arrogantes e desprezarmos os outros, como se apenas nós fôssemos o povo de bem com Deus e os únicos possuidores da sabedoria. Ele ilustra esse raciocínio com uma comparação extraída dos membros do corpo natural (como em 1 Co 12.12; Ef 4.16): “Porque assim como em um corpo temos muitos membros...” (vv. 4,5). Observe aqui: [1] Todos os santos formam um corpo em Cristo, que é a cabeça do corpo e o centro comum de sua unidade. Os crentes não estão no mundo como um grupo desordenado e confuso, mas estão organizados e unidos, já que estão unidos a uma cabeça comum e movidos e animados por um Espírito comum a todos. [2] Os crentes individuais são membros desse corpo, partes componentes, o que significa que são menos do que o todo, e estão em relação com o todo, derivando vida e vigor da cabeça. Alguns membros do corpo são maiores e mais úteis que outros e cada um recebe vigor da cabeça de acordo com a sua proporção. Se o dedinho recebesse tanta nutrição quanto a perna, quão inconveniente e prejudicial seria! Devemos nos lembrar que não somos o todo; pensamos além do que é adequado se pensamos assim; somos apenas partes e membros. [3] “...nem todos os membros têm a mesma operação” (v. 4), mas cada um possui seu respectivo lugar e função que lhe foi designado. A função do olho é ver, a função da mão é trabalhar etc. Assim também ocorre no corpo místico: alguns são qualificados e chamados para um tipo de função; outros são, da mesma forma, preparados e chamados para outro tipo de função. Os magistrados, os ministros, as pessoas, em uma comunidade cristã, têm seus vários ofícios, e não devem se intrometer uns nas funções dos outros, nem entrar em conflito na execução de suas várias funções. [4] Cada membro tem o seu lugar e a sua função, para o bem e o benefício do todo e de todos os outros membros. Não somos apenas membros de Cristo, mas “...membros uns dos outros” (v. 5). Permanecemos em relação uns com os outros; estamos encarregados de fazer todo o bem que pudermos reciprocamente e agir em união para o benefício comum. Veja isso ilustrado em detalhes em 1 Coríntios 12.14ss. Por essa razão, não devemos ficar inchados com presunção de nossos próprios talentos, porque, qualquer coisa que tenhamos, foi recebida, e não recebemos para nós mesmos, mas para o bem de outros.

2. Um uso sóbrio dos dons que Deus nos tem concedido. Como não devemos, por um lado, estar orgulhosos de nossos talentos, assim, por outro lado, não devemos enterrá-los. Tomemos cuidado para que, sob pretensão de humildade e abnegação, não sejamos vagarosos em nos colocar à disposição para o bem de outros. Não devemos dizer: “Eu não sou nada, por isso, me sentarei e não farei nada”; mas: “Eu não sou nada em mim mesmo e, por isso, me colocarei ao máximo na força da graça de Cristo”. Ele especifica as funções eclesiásticas designadas em igrejas particulares, em cujo desempenho cada um deve pensar em cumprir o seu próprio dever, para preservar a ordem e promover a edificação na igreja, cada um conhecendo o seu lugar e ocupando-o. “De modo que, tendo diferentes dons”. O seguinte raciocínio particular completa o sentido desse raciocínio geral. Tendo dons, usemo-los. Autoridade e habilidade para a obra ministerial são dons de Deus. Diferentes dons. O propósito imediato é diferente, embora o alvo último de todos seja o mesmo. “...segundo a graça...”, charismata kata ten charin. A livre graça de Deus é a fonte e a origem de todos os dons que são concedidos aos homens. É a graça que designa a função, qualifica e dirige as pessoas e que opera tanto o querer quanto o realizar. Havia, na igreja primitiva, dons extraordinários de línguas, de discernimento e de cura; mas o apóstolo fala aqui daqueles que são comuns (compare com 1 Co 12.4; 1 Tm 4.14; 1 Pe 4.10). Ele especifica sete dons em particular (vv. 6-8), os quais parecem significar várias funções distintas, usadas pela estrutura consultiva de muitas igrejas primitivas, principalmente as maiores. Existem dois dons gerais aqui expressos por “profecia” e “ministério”, o primeiro sendo a função dos bispos, e o último, a função dos diáconos (esses dois eram os únicos ofícios estabelecidos – Fp 1.1). Mas a obra particular que pertence a cada um desses podia ser, e parece que era, dividida e distribuída por consentimento e acordo geral, para que isso pudesse ser feito mais eficazmente, porque aquilo que é função de todos não é função de ninguém, e aquele que é vir unius negotii – homem de uma tarefa desempenha melhor a sua função. Assim Davi separou os levitas (1 Cr 23.4,5), e nessa sabedoria é proveitoso se conduzir. Conseqüentemente, os cinco últimos serão reduzidos aos dois primeiros.

(1) Profecia. “...se é profecia, seja ela segundo a medida da fé”. Não significa os dons extraordinários de predizer o futuro, mas o ofício comum de pregar a palavra: assim profetizar é considerado em 1 Coríntios 14.1-3ss.; 11.4; 1Tessalonicenses 5.20. A obra dos profetas do Antigo Testamento não foi apenas a de predizer o futuro, mas advertir o povo a respeito do pecado e dos deveres, e serem aqueles que o lembravam a respeito do que eles sabiam antes. E assim, os pregadores do evangelho são profetas, e de fato, até onde vai a revelação da palavra, predizem o futuro. A pregação refere-se à condição eterna dos homens, aponta diretamente para um estado futuro. Então, aqueles que pregam a palavra devem fazê-lo segundo a medida da fé – kata ten analogian tes pisteos, isto é: [1] Quanto ao modo do nosso profetizar, isso deve ser feito de acordo com a medida da graça da fé. Ele tinha falado no versículo 3 a respeito da medida da fé repartida a cada homem. Que aquele que prega coloque toda a sua fé no trabalho, para gravar as verdades que prega sobre o seu próprio coração em primeiro lugar. Como as pessoas não conseguem ouvir bem, também os pregadores não conseguem pregar bem, sem fé. Primeiro creia, depois fale (Sl 116.10; 2 Co 4.13). E devemos nos lembrar da medida da fé – que, embora nenhum homem deixe de tê-la, porém muitos têm-na além de nós mesmos; e por isso devemos permitir que outros tenham uma porção de conhecimento e habilidade para instruir, assim como nós, até aqueles que diferem de nós em coisas menores. “Tu tens fé? Tenha-na para ti mesmo; e não faça dela uma regra para os outros, lembrando que a tens recebido apenas em tua medida”. [2] Quanto ao conteúdo de nosso profetizar, ele deve ser de acordo com a medida da doutrina da fé como está revelada nas Santas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento. Por essa regra de fé os bereanos testaram a pregação de Paulo (At 17.11; compare com Gl 1.9). Existem algumas “verdades-clipe”, como eu posso denominá-las, alguns prima axiomata – axiomas fundamentais, ensinadas clara e uniformemente nas Escrituras, que se constituem no critério da pregação, pelas quais (embora não devamos desprezar o dom de profetizar) devemos “...examinar tudo” (1 Ts 5.20,21). As verdades que são mais obscuras devem ser investigadas através daquelas que são mais claras; e devem então ser recebidas quando concordarem e convirem com a analogia da fé; pois é certo que uma verdade jamais pode contradizer outra. Veja aqui qual deve ser o grande cuidado dos pregadores – pregar a sã doutrina, de acordo com o modelo das sãs palavras (Tt 2.8; 2 Tm 1.13). Não é tão necessário que a profecia esteja de acordo com a medida da arte, as regras da lógica e da retórica; mas é necessário que esteja de acordo com a medida da fé, pois é a palavra da fé que pregamos. Então, há duas obras particulares que aquele que profetiza tem de ter em mente – ensinar e exortar, bastante apropriado para ser feito pela mesma pessoa ao mesmo tempo, e quando ele faz uma que se ocupe daquela, quando ele faz a outra, que se ocupe daquela também tanto quanto puder. Se, por acordo entre os ministros de uma congregação, esse trabalho for dividido, seja regularmente, seja de modo intercambiável, de maneira que um ensina e o outro exorta (isto é, em nossa linguagem moderna, um expõe e o outro prega), que cada um faça o seu trabalho de acordo com a medida da fé. Em primeiro lugar, que aquele que ensina sirva no ensino. O ensino é a simples explicação e prova das verdades do evangelho, sem aplicações práticas, como na exposição das Escrituras. Pastores e mestres são o mesmo ofício (Ef 4.11), mas a obra particular é um pouco diferente. Ora, que aquele que tem habilidade para ensinar e tem se encarregado desse campo apegue-se a ele. É um belo dom, que o use e ocupe-se dele. “...se é ensinar, haja dedicação ao ensino”; assim alguns o complementam, ho didaskon, en te didaskalia. Que ele seja regular, constante e diligente no ensino; que permaneça naquilo que é a sua própria função, e esteja nela como em seu ambiente natural (veja 1 Tm 4.15,16, onde isso é explicado por duas palavras: en toutois isthi e epimene autois, estar nessas coisas e continuar nelas). Em segundo lugar, que aquele que exorta sirva na exortação. Que ele se dedique a isso. Esse é o trabalho do pastor, como o anterior é o do mestre; aplicar as verdades e as regras do evangelho mais próximas à situação e à condição das pessoas e inculcar nelas aquilo que for mais prático. Muitos que são muito hábeis em ensinar podem, no entanto, ser muito frios e inábeis em exortar; e vice-versa. De um se requer uma cabeça esclarecida, de outro, um coração aquecido. Agora, onde esses dons estiverem claramente separados (de modo que um sobressaia em um e outro em outro) gera edificação dividir o trabalho adequadamente e, qualquer que seja a tarefa de que nos encarregamos, vamos nos dedicar a ela. Cuidar do nosso trabalho é entregar o melhor de nosso tempo e pensamentos a ele, aproveitar todas as oportunidades para ele e não apenas refletir em como fazê-lo, mas fazê-lo bem.

(2) Ministério. Se um homem tem diakonian – o ofício de um diácono, ou assistente do pastor e do mestre, que cumpra bem o seu papel – um zelador ou administrador, um ancião ou alguém que cuida dos pobres; e talvez houvesse mais nesses ofícios e mais solenidade neles, e mais pressão e atividade associadas a eles nas igrejas primitivas, do que estamos hoje sabendo. Ele inclui todos aqueles ofícios que dizem respeito à ta ekso da igreja, à obra de fora da Casa de Deus (ver Ne 11.16). “Servir às mesas” (At 6.2). Ora, que aquele a quem foi entregue esse cuidado de ministrar cuide disso com fidelidade e diligência. Particularmente: [1] “...o que reparte, faça-o com liberalidade”. Aqueles oficiais da igreja que administravam os donativos, coletavam dinheiro e o distribuíam conforme as necessidades dos pobres. Que eles o façam en aploteti – liberalmente e fielmente; não utilizando o que receberem em proveito próprio, nem distribuindo-o com intenções desonestas ou fazendo acepção de pessoas: não indelicado ou rabugento com os pobres, nem procurando pretextos para rejeitá-los; mas com toda sinceridade e integridade, não tendo outra intenção nisso do que glorificar a Deus e praticar o bem. Alguns entendem que se trata de todo ato de caridade: que aquele que tem recursos dê, e o faça rica e liberalmente; assim a palavra é traduzida em 2 Coríntios 8.2; 9.13. Deus ama um doador alegre e generoso. [2] “...o que preside, com cuidado”. Parece que ele está falando daqueles que eram assistentes dos pastores no exercício da disciplina na igreja, como seus olhos, mãos e bocas no governo da igreja, ou aqueles ministros que, na congregação, principalmente se encarregavam e se dedicavam a essa obra da disciplina; pois nós encontramos aqueles que trabalhavam na palavra e na doutrina governando (1 Tm 5.17). Ora, esses tais devem fazê-lo com cuidado. A palavra denota tanto o cuidado quanto o esforço para descobrir o que é impróprio, fazer voltar aqueles que se desviam, reprovar e admoestar aqueles que caíram, manter a igreja pura. Aqueles que se mostrarem fiéis no desempenho dessa incumbência devem passar por muitas dores e não deixarão escapar nenhuma oportunidade que possa facilitá-la e promovê-la. [3] “...o que exercita misericórdia, com alegria”. Alguns pensam que em geral se trate aqui de todos aqueles que mostram misericórdia em alguma coisa; que eles o façam de boa vontade e sintam prazer nisso; Deus ama a quem dá com alegria. Mas parece relacionar-se particularmente a alguns oficiais da igreja, cujo trabalho era cuidar dos doentes e dos estrangeiros, os quais geralmente eram as viúvas, que nesse aspecto serviam à igreja – diaconisas (1 Tm 5.9,10), embora seja provável que outros pudessem ser empregados nessa tarefa. Ora, isso deve ser feito com alegria. Em atitudes de misericórdia, um rosto gentil é um grande alívio e conforto para os miseráveis; quando eles percebem que o trabalho não é feito com aversão e de má vontade, mas com expressão amável e palavras gentis, e todas as indicações possíveis de disposição e entusiasmo. Aqueles que têm de tratar dos doentes e dos feridos, e que geralmente são irritadiços e mal-humorados, não necessitam apenas de ter paciência, mas alegria, para fazer o trabalho mais fácil e agradável para eles e mais aceitável para Deus.

III

 Concernente àquela parte de nosso dever que diz respeito aos nossos irmãos, da qual temos muitos exemplos em breves exortações. Ora, todo o nosso dever de um para com o outro está resumido em uma palavra, e que é uma palavra cativante, amor. Nela está colocado o fundamento de todo o nosso dever mútuo; e por essa razão o apóstolo a menciona primeiro, pois é o sustento dos discípulos de Cristo, e a grande lei de nossa fé: “O amor seja não fingido”; não em elogio e fingimento, mas na verdade; “...não apenas de palavra, nem de língua” (1 Jo 3.18). O amor genuíno é o amor sincero; não é como os beijos do inimigo, que são enganosos. Devemos estar felizes quando temos uma oportunidade para provar a “...sinceridade da nossa caridade” (2 Co 8.8). Mais particularmente, há um amor que se deve aos nossos amigos e aos nossos inimigos. A ambos ele especifica:

1. Aos nossos amigos. Aquele que tem amigos deve mostrar-se amigável. Há um amor mútuo de que os cristãos são devedores e devem pagar.

(1) Amor cordial: “Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal” (v. 10), filostorgoi – não significa apenas amor, mas uma disposição e inclinação para amar, o sentimento mais livre e genuíno, bondade fluindo como de uma fonte. Denota propriamente o amor dos pais aos filhos, que, como é o mais tenro, é o mais natural, do que qualquer outro, espontâneo e sem limite; assim deve ser o nosso amor de um para com o outro; e assim será onde houver uma nova natureza e a lei do amor for escrita no coração. Esse sentimento gentil nos incita a nos expressarmos tanto em palavra quanto em ação com a maior cortesia e delicadeza possíveis. Uns aos outros. Isso pode recomendar a graça do amor para nós, que, como é nosso dever amar aos outros, assim também é dever deles nos amar. E o que pode ser mais agradável desse lado do céu do que amar e ser amado? Aquele que assim rega também será ele mesmo regado.

(2) Um amor respeitoso: “...preferindo-vos em honra uns aos outros”. Em vez de contendermos por superioridade, estejamos dispostos a conceder aos outros a preeminência. Isso é explicado em Filipenses 2.3: “Cada um considere os outros superiores a si mesmo”. E existe essa boa razão para isso, porque, se conhecemos nosso próprio coração, nós conhecemos mais o mal por nós mesmos do que podemos conhecer por qualquer outra pessoa do mundo. Devemos estar dispostos a dar atenção aos dons, graças e desempenhos de nossos irmãos, e valorizá-los adequadamente, estar mais dispostos a elogiar a outro, e mais satisfeitos ao ouvir outro ser elogiado, do que nós mesmos, te time allelous proegoumena – antecipar ou guiar um ao outro em honra; assim alguns lêem; não em receber honra, mas em honrar. “Lutai para ver qual de vós estará mais disposto a respeitar aqueles que merecem, e desempenhar todas as funções cristãs do amor (que estão todas incluídas na palavra honra) aos vossos irmãos, sempre que houver oportunidade. Que todas as vossas contendas sejam sobre quem será mais humilde, útil e condescendente”. Assim, o sentido é o mesmo de Tito 3.14: “...e os nossos aprendam também a proistasthai – aplicar-se às boas obras”. Pois embora devamos preferir outros (segundo a nossa tradução) e considerar os outros como mais capazes e merecedores do que nós mesmos, mesmo assim não devemos fazer disso uma desculpa para ficarmos parados e não fazermos nada, nem sob um pretexto de honrar aos outros, e à utilidade e desempenho deles, tolerar a nós mesmos em sossego e preguiça. Por essa razão ele acrescenta: “Não sejais vagarosos no cuidado” (v. 11).

(3) Um amor liberal: “...comunicai com os santos nas suas necessidades” (v. 13). É falso o amor que se limita à expressão verbal de bondade e respeito, enquanto as necessidades de nossos irmãos clamam para serem verdadeiramente supridas, e está em nossas mãos supri-las. [1] Não é novidade para os santos nesse mundo precisarem de coisas necessárias para a sua vida natural. Naqueles tempos primitivos, as perseguições correntes deviam reduzir muitos dos santos a grandes privações e, até os pobres, até os pobres santos, nós os teremos conosco. Com certeza que as coisas desse mundo não são as melhores; se elas fossem, os santos, que são os favoritos do céu, não teriam tão poucas delas. [2] É dever daqueles que têm recursos distribuir, ou (como é melhor que se leia) comunicar aos que estão em necessidade. Não é suficiente abrir a alma ao faminto, mas devemos abrir a carteira (ver Tg 2.15,16; 1 Jo 3.17). Comunicai – koinonountes. Isso insinua que os nossos irmãos pobres tenham um tipo de participação naquilo que Deus nos tem dado; e que o alívio que trouxermos a eles deva vir de uma compreensão e de um sentimento de solidariedade em relação às suas necessidades, como se sofrêssemos com eles. A benevolência caridosa dos filipenses em relação a Paulo é chamada de “...tomar parte na sua aflição” (Fp 4.14). Devemos estar prontos, quando tivermos habilidade e oportunidade, para socorrer a qualquer um que esteja em necessidade; porém, de maneira especial somos obrigados a comunicar com os santos. Existe um amor comum que é devido aos outros seres humanos, mas há um outro especial que devemos compartilhar com nossos irmãos na fé: “...principalmente aos domésticos da fé” (Gl 6.10). Comunicai, tais mneias – com as memórias dos santos (segundo liam alguns antigos, em vez de tais chreiais). Existe um débito com a memória daqueles que, pela fé e paciência, herdaram as promessas – de valorizá-la, defendê-la, conservá-la. A memória do justo é abençoada, alguns lêem em Provérbios 10.7. Ele menciona outro ramo desse amor generoso: a “...hospitalidade”. Aqueles que possuem suas próprias casas devem estar prontos para hospedar aqueles que andam para lá e para cá fazendo o bem, ou que, por temor da perseguição, são forçados a procurar abrigo. Eles não tinham naquela época tanto do conforto de hospedarias como temos hoje; ou os cristãos viajantes não ousavam freqüentá-las; ou não tinham recursos para pagar as despesas e, por essa razão, era uma generosidade especial acolhê-los sem cobrar nada. E nem é esse um dever anulado e antiquado; quando houver ocasião, devemos acolher estrangeiros, pois não conhecemos o coração de um estrangeiro. “Era estrangeiro, e hospedaste-me”, é mencionado como um exemplo da misericórdia daqueles que alcançarão misericórdia: ten filoxenian diokontes – seguindo ou perseguindo a hospitalidade. Isso não insinua apenas que devemos aproveitar a oportunidade, mas que devemos buscar a oportunidade, e desse modo mostrar misericórdia. Como Abraão, que se sentou à entrada da tenda (Gn 18.1), e Ló, que se sentou ao portão de Sodoma (Gn 19.1), aguardando viajantes, a quem eles pudessem encontrar e guiar com um gentil convite, e assim eles, sem saber, hospedaram anjos (Hb 13.2).

(4) Um amor solidário: “Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” (v. 15). Onde houver amor mútuo entre os membros do corpo místico, haverá esse sentimento de solidariedade (ver 1 Co 12.26). O verdadeiro amor nos fará solidários com os sofrimentos e as alegrias dos outros e nos ensinará a senti-los como se fossem nossos. Observe a mistura comum nesse mundo, onde alguns se alegram e outros choram (como o povo em Ed 3.12,13), por causa da prova, como de outras graças, assim também pelo amor fraternal e a solidariedade cristã. Não que devamos participar das alegrias pecaminosas ou dos prantos de qualquer um, mas apenas das alegrias e sofrimentos justos e razoáveis: não invejando aqueles que prosperam, mas regozijando com eles; verdadeiramente alegres porque outros têm sucesso e consolo que nós não temos; não desprezando aqueles que estão em tribulação, mas preocupados com eles, e prontos para ajudá-los, como se fôssemos nós. Isto é fazer o que Deus faz, o qual não apenas “...ama a prosperidade do seu servo” (Sl 35.27), mas igualmente “...em toda angústia deles foi Ele angustiado” (Is 63.9).

(5) Um amor unido: “Sede unânimes entre vós (v. 16), isto é, esforçai-vos, tanto quanto possível, concordai na compreensão; e, mesmo não conseguindo isso, ainda concordai no sentimento; esforçai-vos em ser um, não dados a discordar, contradizer e opor-se uns aos outros, mas a manter a unidade do Espírito no vínculo da paz (Fp 2.2; 3.15,16; 1 Co 1.10). To auto eis allelous fronountes – desejando o mesmo bem aos outros que desejais para vós mesmos;” assim alguns compreendem a expressão. Isso é amar a nossos irmãos como a nós mesmos, desejando o seu bem-estar como desejamos o nosso.

(6) Um amor condescendente: “...não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes” (v. 16). O verdadeiro amor não consegue subsistir sem humildade (Ef 4.1,2; Fp 2.3). Quando nosso Senhor Jesus lavou os pés de seus discípulos, para nos ensinar o amor fraternal (Jo 13.5; 14.34), a intenção era principalmente nos informar de que amar uns aos outros corretamente é estar disposto a realizar as ocupações mais baixas de bondade para o bem mútuo. O amor é uma graça condescendente: Non bene conveniunt – majestas et amor – A grandiosidade e o amor não combinam um com o outro. Observe como isso é inculcado aqui: [1] “...não ambicioneis coisas altas”. Nós não devemos ambicionar honra e promoção, nem olhar com respeito o fausto e a dignidade do mundo com qualquer valor ou desejo excessivos, mas antes com um santo desdém. Quando os progressos de Davi estavam altos, o seu espírito era humilde: “...não me exercito em grandes assuntos” (Sl 131.1). Os romanos, vivendo na cidade imperial, que reinava sobre todos os reis da terra (Ap 17.18), e estava naquela época no apogeu do seu esplendor, talvez aproveitassem, por isso, a ocasião para se considerarem bons demais. Até a descendência santa foi corrompida por esse fermento. Os cristãos romanos estavam prontos para olhar com desprezo outros cristãos, como alguns cidadãos desprezam o campo; e por essa razão o apóstolo os adverte freqüentemente contra a soberba (compare com Rm 11.20). Eles viviam próximos da corte e conviviam diariamente com o esplendor e a grandeza dela: “Bem”, diz ele, “não se ocupem com ela nem a amem”. [2] “...acomodai-vos às humildes” – tois tapeinois synapagomenoi. Em primeiro lugar, pode significar coisas humildes, com as quais devemos nos acomodar. Se a nossa condição no mundo for pobre e baixa, nossos prazeres, rudes e insuficientes, nossas ocupações, vis e desprezíveis, ainda assim devemos concentrar-nos nela e nos sujeitarmos a ela. Assim, pode-se traduzir: contentai-vos com as pequenas coisas. Estejam satisfeitos com o lugar no qual Deus, em sua providência, os tem colocado, seja ele qual for. Não devemos considerar nada abaixo de nós com exceção do pecado: aceitem moradias humildes, alimentação humilde, roupas humildes, acomodações humildes, quando for a nossa porção, e não fiquem ressentidos. Mais ainda, devemos ser movidos por um tipo de ímpeto, pela força da nova natureza (isso significa propriamente a palavra synapagomai, e isso é muito importante), em direção a coisas humildes, quando Deus nos designa para elas; como a velha natureza corrupta é levada em direção a coisas elevadas. Nós devemos nos acomodar a coisas humildes. Devemos fazer de uma baixa condição e de circunstâncias humildes mais o centro de nossos desejos do que uma alta condição. Em segundo lugar, pode significar pessoas humildes; assim nós lemos (penso que tanto um significado quanto o outro estejam aqui incluídos). Acomodai-vos às pessoas humildes. Devemos nos associar com, e nos acomodar àqueles que são pobres e desprezíveis no mundo, se eles também forem tementes a Deus. Davi, embora fosse um rei assentado no trono, era um companheiro de tais pessoas (Sl 119.63). Não devemos ter vergonha de conviver com os humildes, já que o grande Deus contempla do alto o céu e a terra procurando tais pessoas. O verdadeiro amor valoriza a graça tanto em trapos quanto em escarlate. Uma jóia é uma jóia, mesmo que esteja na sujeira. O contrário dessa condescendência é rejeitado (Tg 2.1-4). Acomodai-vos, isto é, ajustai-vos a eles, aceitai-os para o bem deles, como fez Paulo (1 Co 9.19ss.). Alguns pensam que a palavra original seja uma metáfora extraída de viajantes, quando aqueles que são mais fortes e rápidos esperam aqueles que são mais fracos e lentos, param e os levam consigo; assim, os cristãos devem ser gentis em relação aos seus companheiros de viagem. Como recurso para promover isso, ele acrescenta: “...não sejais sábios em vós mesmos”; com o mesmo significado do versículo 3. Jamais encontraremos em nossos corações disposição para nos acomodar aos outros enquanto tivermos uma opinião muito elevada a nosso próprio respeito; e, por essa razão, é necessário que isso seja refreado. Me ginesthe fronimoi par heautois – “Não sejais sábios por vós mesmos, não estejais confiantes de vossa própria sabedoria, de maneira a desprezar os outros, ou pensar que não precisais deles (Pv 3.7), nem sejais tímidos em comunicar o que tendes aos outros. Nós somos membros uns dos outros, dependemos uns dos outros e estamos obrigados uns com os outros; e por essa razão, não sejais sábios em vós mesmos, lembrando que isso é a mercadoria da sabedoria que professamos; ora, mercadoria consiste em comércio, recebendo e devolvendo”.

(7) Um amor que nos compromete, tanto quanto se aloja em nós, a ter “...paz com todos os homens” (v. 18). Até com aqueles com quem não conseguimos viver íntima e familiarmente, por causa da distância em condição ou confissão, nós devemos viver em paz; isto é, devemos ser inofensivos, não dando a outros ocasião para brigar conosco; e não devemos ser rancorosos nem vingativos, nem aproveitar a oportunidade para disputar com eles. Dessa maneira, devemos nos esforçar para preservar a paz, para que ela não seja quebrada, e para restaurá-la quando for quebrada. A sabedoria que vem do alto é pura e pacífica. Observe como a exortação é limitada. Não é expressa de maneira a nos obrigar a fazer o impossível: “Se for possível, quanto estiver em vós”. Assim está em Hebreus 12.14: “Segui a paz”; em Ef 4.3: “...procurando guardar”. Pensai nas coisas que promovem a paz. Se for possível. Não é possível preservar a paz quando não podemos fazê-lo sem ofender a Deus e ferir a consciência: Id possumus quod jure possumus – O que é possível sem incorrer em falta. A sabedoria que vem do alto é, primeiramente pura, depois, pacífica (Tg 3.17). A paz sem pureza é a paz do palácio do Diabo. “...quanto estiver em vós”. Duas palavras são necessárias para o acordo da paz. Só podemos falar por nós mesmos. Nós podemos inevitavelmente ser alvos de contendas, como Jeremias, que era um “...homem de contenda” (Jr 15.10), e não podemos evitar isso; nosso cuidado deve ser que, no que depender de nós, nada esteja faltando para preservar a paz (Sl 120.7). Eu sou pela paz, embora, quando eu falo, eles sejam pela guerra.

2. Aos nossos inimigos. Desde que os homens tornaram-se inimigos de Deus, eles têm sido muito aptos em serem inimigos uns dos outros. Abandonemos uma vez o amor e as formações em linha se chocarão e colidirão, ou estarão numa distância inquietante. E, de todos os homens, aqueles que abraçam a religião têm motivo para esperar encontrar-se com inimigos em um mundo cujos sorrisos raramente coincidem com o de Cristo. Ora, o cristianismo nos ensina como nos comportar em relação aos inimigos; e nessa instrução, ele difere completamente de todas as regras e métodos que geralmente visam vitória e domínio; mas isso na paz e na satisfação interiores. Quem quer que sejam os nossos inimigos, que nos desejam o mal e o buscam, nossa regra é para não lhes fazer o mal, mas todo bem que pudermos.

(1) Não lhes fazer mal: “A ninguém torneis mal por mal” (v. 17), pois isso é uma reação irracional e que apenas ocorre àqueles animais que não têm consciência, seja de qualquer ser acima ou de qualquer estado antes deles. Ou, se a humanidade foi criada (como sonham alguns) em um estado de guerra, reações como essas seriam suficientemente apropriadas; mas não temos aprendido assim de Deus, que faz tanto por seus inimigos (Mt 5.45), muito menos temos aprendido assim de Cristo, que morreu por nós quando éramos inimigos (Rm 5.8,10), e tanto amou o mundo que o odiou sem motivo. “A ninguém, nem a judeu nem a grego; não a alguém que tem sido seu amigo, pois recompensando mal por mal provavelmente você o perderá; não a alguém que tem sido seu inimigo, pois não o recompensando mal por mal, você poderá ganhá-lo”. O mesmo significado está no versículo 19: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados”. E por que isso deve ser apresentado com uma interpelação tão afetuosa, em vez de em qualquer outra exortação desse capítulo? Com certeza porque visa apaziguar espíritos irados, que se ressentem facilmente numa provocação. Ele se dirige a tais nessa linguagem afetuosa, para apaziguá-los e abrandá-los. Qualquer coisa que respire amor esfria o sangue, acalma a tempestade e refrigera do calor excessivo. Você quer pacificar um irmão ofendido? Chame-o de amado. Tal palavra meiga, dita adequadamente, pode ser eficaz para afastar a ira. Não vos vingueis a vós mesmos, isto é, quando alguém fizer a você algum mal, não deseje nem se esforce para pagar na mesma moeda. Não é proibido ao magistrado fazer justiça aos criminosos, punindo-os de seus crimes, nem fazer e executar leis justas e salutares contra os malfeitores; mas a vingança particular é proibida, a que flui da raiva e da má vontade. E isso é adequadamente proibido, pois se supõe que somos juízes incompetentes quando se trata de nosso próprio caso. Mais ainda, se pessoas erraram ao procurarem a defesa da lei e os magistrados em aplicá-la, agiram a partir de qualquer provocação ou disputa pessoal particular, e não de uma preocupação para que aquela paz e ordem públicas fossem mantidas e o direito realizado, mesmo que tais procedimentos, embora aparentemente regulares, caiam sob o proibido ato de “fazer justiça com as próprias mãos”. Veja como é rígida a lei de Cristo a esse respeito (Mt 5.38-40). Não é apenas proibida a vingança por nossas próprias mãos, mas também desejar e ansiar pelo julgamento, em nosso caso sustentado pela lei, para a satisfação de um sentimento de vingança. Essa é uma lição difícil para a natureza corrompida; e por essa razão, ele acrescenta: [1] Um remédio contra ela: “...mas dai lugar à ira”. Não à nossa própria ira, pois dar lugar a ela é dar lugar ao Diabo (Ef 4.26,27). Devemos resistir, abafar, reter e suprimir essa ira; mas, em primeiro lugar, à ira de nosso inimigo. “Dê lugar a ela, isto é, seja de um temperamento submisso; não responda ira com ira, mas com amor. ‘O acordo é um remédio que aquieta grandes pecados’ (Ec 10.4). Receba afrontas e injúrias como um monte de lã recebe uma pedra, dando lugar para ela e assim ela não bate e volta, nem vai adiante”. Dessa maneira, isso explica o que disse o nosso Salvador: “Se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” (Mt 5.39). Em vez de pensar em como retaliar uma ofensa, prepare-se para receber outra. Quando as paixões dos homens vêm à tona, e a correnteza está forte, deixe que elas sigam seu curso para que, por causa de uma oposição inoportuna, não aumentem ainda mais. Quando outros estiverem enfurecidos, vamos manter a calma; esse é um remédio contra a vingança e parece ser o sentido genuíno. Mas, em segundo lugar, muitos aplicam essas palavras à ira de Deus: “Dê lugar a essa, dê lugar para Ele assumir o trono do julgamento, e deixe-o lidar sozinho com o teu adversário”. [2] Um argumento contra ela: “...porque está escrito: Minha é a vingança”. Nós encontramos esse texto em Deuteronômio 32.35. Deus é o rei soberano, o justo juiz, e a Ele pertence a administração da justiça; pois, sendo um Deus de conhecimento infinito, as ações são pesadas por Ele em balanças infalíveis; e, sendo um Deus de infinita pureza, Ele odeia o pecado e não tolera contemplar a iniqüidade. Ele confiou parte desse poder às mãos dos magistrados civis (Gn 9.6; Rm 13.4); as punições legais que eles aplicam devem ser vistas como um braço das vinganças de Deus. Esse é um bom argumento para não fazermos vingança com as próprias mãos; pois, se a vingança pertence a Deus, então, em primeiro lugar, não devemos praticá-la. Nós subimos no trono de Deus se o fazemos, e assumimos o seu trabalho. Em segundo lugar, não precisamos fazer isso. Pois Deus o fará, se deixarmos humildemente o assunto com Ele; Ele nos vingará até onde houver razão ou justiça no caso, e mais do que isso não podemos desejar. Veja Salmos 38.14,15: “...eu sou como homem que não ouve [...], tu, Senhor, meu Deus, me ouvirás”; e se Deus ouve, que necessidade tenho de ouvir?

(2) Não devemos apenas não fazer o mal aos nossos inimigos, mas a nossa fé cristã vai além disso e nos ensina a fazer-lhes todo bem que pudermos. É uma ordem característica do cristianismo, a qual muito o recomenda: “Amai a vossos inimigos” (Mt 5.44). Somos ensinados aqui a mostrar aquele amor por eles, tanto em palavras como em ações.

[1] Em palavras: “...abençoai aos que vos perseguem” (v. 14). Tem sido a sorte geral do povo de Deus ser perseguido, seja por mão poderosa ou por língua maliciosa. Ora, somos ensinados aqui a abençoar aqueles que assim nos perseguem. Abençoai-os, isto é, em primeiro lugar: “Falai bem deles. Se houver qualquer coisa neles de elogiável e digno de louvor, observai isso, e o mencionai para a honra deles”. Em segundo lugar: “Falai respeitosamente a eles, de acordo com o seu posto, não retribuindo insulto por insulto e amargura por amargura”. E, em terceiro lugar, devemos lhes querer bem e desejar-lhes o bem, em vez de buscar qualquer vingança. Mais ainda, em quarto lugar, devemos mostrar aquele desejo a Deus orando por eles. Se não estiver em nosso poder fazer qualquer coisa mais por eles, podemos testemunhar de nossa boa vontade orando por eles, para o que o nosso Senhor não deu apenas uma regra, mas um exemplo para apoiá-la (Lc 23.34). “...abençoai e não amaldiçoeis”. Isso denota uma completa boa vontade em todos os seus exemplos e expressões; não: “Abençoai quando estiverdes em oração, e amaldiçoai em outros momentos”, mas: “Abençoai-os sempre, e jamais os amaldiçoeis”. Amaldiçoar convém mal à boca daqueles cujo trabalho é bendizer a Deus e cuja felicidade é ser abençoado por Ele.

[2] Em ações: “...se o teu inimigo tiver fome (v. 20), quando tiveres capacidade e oportunidade, estejas pronto e disposto a mostrar-lhe qualquer gentileza e fazer-lhe qualquer ato de amor para o seu bem; e nunca seja menos disposto por ele ter sido teu inimigo, porém mais ainda, que tu possas nisso testificar a sinceridade do teu perdão a ele”. Conta-se do arcebispo Cranmer que o modo de alguém fazê-lo seu amigo era fazer-lhe mal. O preceito é citado de Provérbios 25.21,22, de maneira que, elevado quanto isso possa parecer, o Antigo Testamento não lhe é estranho. Observe aqui, em primeiro lugar, o que devemos fazer. Devemos fazer o bem aos nossos inimigos. “Se o teu inimigo tiver fome, não o insultes e não digas: Agora Deus está me vingando dele, assumindo a minha causa; não faças tal juízo de suas necessidades. Mas dá-lhe de comer. Então, quando ele precisar de tua ajuda, e tiveres uma oportunidade de deixá-lo com fome e de pisar nele, dá-lhe de comer (psomize auton, uma palavra importante) – alimenta-o fartamente, mais ainda, alimenta-o cuidadosa e indulgentemente: frustulatim pasce – alimenta-o com pequenos pedaços, alimenta-o como fazemos com crianças e pessoas doentes, com muita ternura. Tenta fazê-lo de maneira a expressar o teu amor. Se tiver sede, dá-lhe de beber: potize auton – dá-lhe de beber, como sinal de reconciliação e amizade. Assim, confirma o teu amor a ele”. Em segundo lugar, por que devemos fazer isso? Porque, ao fazê-lo, “...amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça”. Existem dois significados para essa expressão, os quais penso que devam ser considerados separadamente. Amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça, isto é: “Ou tu”: 1. “O levarás ao arrependimento e à amizade, e abrandarás seu espírito em relação a ti” (aludindo àqueles que fundem metais; não apenas colocavam fogo sob eles, mas amontoavam fogo sobre eles; dessa forma Saul foi “derretido” e conquistado pela bondade de Davi – 1 Sm 25.16; 25.21) – “tu ganharás um amigo com isso e se a tua bondade não tiver esse efeito, então”: 2. “Ela agravará a condenação dele e fará a maldade que tiver feito contra ti mais indesculpável. Com isso, tu apressarás sobre ele os sinais da ira e da vingança de Deus”. Não que essa deva ser a nossa intenção em mostrar-lhe bondade, mas, para o nosso encorajamento, esse será o efeito. Tem esse propósito a exortação do último versículo, que sugere um paradoxo que não é facilmente compreensível pelo mundo, que em qualquer questão de discórdia e contenda aqueles que se vingam são os vencidos e os que perdoam são os vencedores. (1) “Não te deixes vencer do mal. Não permita que o mal de qualquer provocação que lhe for feita tenha poder sobre ti ou deixe tal marca sobre ti, a ponto de te despojar de ti mesmo, perturbar a tua paz, destruir o teu amor, irritar e transtornar o teu espírito, conduzir-te a qualquer indecência, ou fazer-te planejar qualquer vingança”. Aquele que não consegue suportar calmamente uma injúria é perfeitamente vencido por ela. (2) “...mas vence o mal com o bem, com o bem da paciência e da indulgência, mais ainda, com o bem da bondade e da beneficência para aqueles que te prejudicam. Aprende a derrotar os planos maus que fazem contra ti e ainda a mudá-los, ou pelo menos a preservar tua própria paz.” Aquele que tiver essa regra em seu espírito será melhor do que o poderoso.

3. Para concluir, restam duas exortações ainda intocadas, que são gerais e que recomendam todo o resto como bom em si mesmo e de boa reputação.

(1) Como bom em si mesmo: “Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem” (v. 9). Deus nos tem mostrado o que é bom: esses deveres cristãos são ordenados; e é mal o que se opuser a eles. Então observe: [1] Não devemos apenas não fazer o mal, mas aborrecê-lo. Devemos odiar o pecado com um ódio total e irreconciliável, sentir por ele uma antipatia como ao pior dos males, contrário à nossa nova natureza, e ao nosso verdadeiro interesse – odiando toda a aparência do pecado, até a roupa manchada da carne. [2] Não apenas devemos fazer o que for bom, mas insistir nele. Isso denota uma escolha deliberada, uma afeição sincera e uma constante perseverança no que é bom. “Dessa forma, insista nisso, como não sendo nem seduzido nem assustado por ele, apega-te àquele que é bom, o próprio Senhor (At 11.23), com dependência e aquiescência”. Essa exortação é acrescentada ao preceito do amor fraternal, como diretriz dela; devemos amar nossos irmãos, mas não amá-los a ponto de cometer por causa deles algum pecado, ou omitir algum dever; não mudar de idéia em relação a algum pecado por causa da pessoa que o comete, mas abandonar a todos os amigos do mundo para entregar-se a Deus e ao dever.

(2) Como de boa reputação: “...procurai as coisas honestas perante todos os homens (v. 17), isto é, não apenas fazeres, mas refletires, projetares e cuidares de fazer aquilo que for amável e honroso, e recomendar a fé cristã a todos aqueles com quem tu conviveres” (veja Fp 4.8). Essas atitudes de caridade e beneficência são de uma maneira especial de boa reputação entre os homens, e por essa razão, devem ser diligentemente consideradas por todos os que levam em conta a glória de Deus e o mérito da confissão deles.

 

 

Lição 08, Betel, Capacitados para servir uns aos outros

 

TEXTO ÁUREO

“Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação." Romanos 12.4

 

VERDADE APLICADA

Devemos ser dedicados e zelosos no uso dos dons distribuídos segundo a graça de DEUS  para o bom desenvolvimento espiritual de cada membro do Corpo de Cristo.

 

OBJETIVOS DA LIÇÃO

Apresentar a importância de exercitar os dons.

Ensinar que os dons estão a serviço do Reino de DEUS.

Mostrar como servira Cristo através dos dons.

 

TEXTOS DE REFERÊNCIA - ROMANOS 12.4-8

4. Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação,

5. Assim nós, que somos muitos, somos um só  corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros.

6. De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé;

7. Se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar, haja dedicação ao ensino.

8. Ou o que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com liberalidade; o que preside, com cuidado; o que exercita misericórdia, com alegria.

 

 

LEITURAS COMPLEMENTARES

SEGUNDA Sl 103.8 Deus é misericordioso

TERÇA 1Co 12.12-31 A unidade dos membros do Corpo de Cristo.

QUARTA 1TS 5.11 Exortai-vos uns aos outros.

QUINTA Tt 2.1-10 Exortações a Tito.

SEXTA Tg 3.1 A responsabilidade daquele que ensina.

SÁBADO Tg 4.17 Devemos fazer o bem.

 

MOTIVO DE ORAÇÃO

Ore para que possamos estar sempre a serviço do Reino de Deus.

 

HINOS SUGERIDOS - 131, 147, 165

 

ESBOÇO DA LIÇÃO

1- Exercitando os dons

1-1- Graça para o exercício de diferentes ministérios.

1-2- Os dons de serviço devem ser usados para a edificação da igreja.

1-3- Dom de profecia a serviço da igreja.

2- Dons de edificação, exortação e ensino a serviço do reino de DEUS.

2-1- Dom de ministério a serviço da igreja.

2-2- Dom de ensinar a serviço da Igreja.

2-3- Dom de exortar a serviço da Igreja.

3- Dons de cuidados e administração no serviço do Reino de DEUS.

3-1- Dom de repartir a serviço da igreja.

3-2- Dom de presidir a serviço da igreja.

3.3.Dom de exercer misericórdia a serviço da igreja.

 

INTRODUÇÃO

Nesta lição estudaremos os dons distribuídos segundo a graça de Deus aos que foram transformados pela renovação do entendimento [Rm 12.2], visando atender às diversas demandas do Corpo de Cristo enquanto está neste mundo.

 

1- Exercitando os dons

Os dons dados por Deus são para que a Igreja cumpra sua missão aqui na terra até que o Noivo venha buscá-la. Por isso o apóstolo Paulo destaca a importância de cada um dos dons no serviço da obra de Deus, de acordo com a graça que nos foi dada.  Vemos em Romanos 12.3-7 o resultado da mente renovada [Rm 12.2] na maneira como os discípulos de Cristo estão comprometidos no servir ao Corpo de Cristo com as capacitações concedidas pelo Senhor, como: profecia, ministério, ensinar, exortar, repartir, presidir e exercitar misericórdia.

 

1-1- Graça para o exercício de diferentes ministérios.

Deus tem derramado do Seu Espírito sobre a Igreja, capacitando os Seus servos com diferentes dons visando a edificação da Igreja. Importante que cada discípulo de CRISTO  esteja atento às recomendações presentes em Romanos 12.3, no exercício dos dons: humildade, moderação e a consciência de que cada membro do Corpo de Cristo tem responsabilidade no bem-estar da Igreja. As dádivas de Deus ao Seu povo são demonstrações de Sua generosidade, não por causa de nossos méritos.

 

1-2- Os dons de serviço devem ser usados para a edificação da igreja.

DEUS nos chamou e nos vocacionou com o Espírito Santo para realizarmos a  Sua obra. Diante disso não podemos permanecer com um comportamento apático, improdutivo ou até mesmo egoísta com as pessoas ao nosso redor. Devemos ter o entendimento de que Deus tem um propósito para as nossas vidas. Ele tem um plano específico para realizar na vida de cada um de nós. O apóstolo Paulo nos convida a compreender essa vontade de DEUS para que possamos servir a igreja conforme a capacitação recebida do Senhor [Ef 5.17]. Cabe lembrar que fomos vocacionados para vivenciar o amor de Deus em todo o tempo e em todo lugar, amando e servindo a todos à nossa volta, para a glória de Deus Pai [Mt 5.16].

 

1-3- Dom de profecia a serviço da igreja.

Interessante notarmos que, da lista de Romanos 12.6-8, este é o único dom que também está presente em 1Coríntios 12 e o seu exercício é o mais comentado pelo apóstolo Paulo nos capítulos 12 a 14. Pontuamos aqui que, conforme visto no tópico 1.1, o membro do Corpo de Cristo, capacitado com este dom, deve estar totalmente sob o controle do Espírito Santo, bem como consciente de que a mensagem não se opõe ao padrão estabelecido pela Palavra de Deus.

 

2- Dons de edificação, exortação e ensino a serviço do reino de DEUS.

O Senhor confere o poder espiritual necessário e apropriado a cada crente para desempenhar suas funções na Igreja. Afinal, o Senhor outorga os dons para a Sua Igreja, conforme a Sua vontade, não por merecimento da pessoa [Rm 12.3, 6]. É nosso dever procurar formas para servir a Igreja e ao próximo com os dons que  Cristo nos tem ofertado.

 

2-1- Dom de ministério a serviço da igreja.

O termo "ministério") no grego, 'diakonia', indica, segundo Strong, atenção, assistência, serviço. Conforme alguns comentaristas, como Strong e Keener, talvez tenha sentido mais amplo – como por exemplo em Romanos 15.25. Porém, o fato de em Romanos 12.7 estar relacionado entre os de profecia e ensino, é possível que se refira a um ofício específico da igreja, como diácono. Algumas versões da Bíblia (NVI, NAA, RA) registram: "dediquemo-nos ao ministério". Seja como for, a expressão "dediquemo-nos", nos remete a estarmos focados no serviço, a procurarmos fazer com excelência, visando o bom desenvolvimento da Igreja.

 

2-2- Dom de ensinar a serviço da Igreja.

Os dons são recebidos pelos crentes para prestarem serviços, utilizando seus dons e talentos ao reino de Deus. Verifica-se assim entre estes dons o dom de ensinar: "De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada:(...) se é ensinar, haja dedicação ao ensino" [Rm 12.6-7]. O dom de ensinar é a competência sobrenatural produzida pelo Senhor para ensinaras verdades sagradas da Palavra de Deus. Desta forma somos levados a ver o apóstolo Paulo orientando aos capacitados por Deus para o ministério do ensino de que devem se empenhar para cumprir tão nobre serviço [1Tm 4.13].

 

2-3- Dom de exortar a serviço da Igreja.

A palavra grega para este dom é paraklesis" que constitui "chamado ao lado", "consolar", "advogar", animar", "confortar , incentivar. Na Bíblia fica visível que existe um diferencial entre exortar e ensinar. Neste sentido podemos exemplificar que o ensino é a capacidade dada por Deus para auxiliar o crente a entender a Palavra de Deus [At 11.23]. Já a exortação é poder oferecido por Deus para que o crente pregue a Palavra de Deus a ponto de alcançar abertamente o coração, fazendo com que este, ao ser exortado, passe a ter um maior compromisso com o Reino de Deus.

 

3- Dons de cuidados e administração no serviço do Reino de DEUS.

O apóstolo Paulo, no capítulo 12 do livro de Romanos, discorre tão bem a respeito dos dons, anunciando de maneira tão perfeita e harmônica os dons do Espírito. Ele demonstra o cuidado de mencionar as distintas categorias de dons e exorta os crentes para que possam exercer de maneira correta a função que cada um deles desempenha na igreja [Rm 12.6].

 

3-1- Dom de repartir a serviço da igreja.

Este dom é a capacidade ofertada por Deus aos crentes através de recursos financeiros, para que possam contribuir na igreja local, na obra missionária. Não podemos nos abster de mencionar que este dom deve ser exercitado com liberalidade. A Bíblia de Estudo Holman fala com maestria sobre a relevância deste dom no seio da Igreja de Cristo: "O repartir deve ser praticado com generosidade. Todos podem dar, mas as capacidades diferem. Alguns se alegram em dar recursos bem pequenos [Mc 12.41-44]; outros dão um "dízimo invertido" dão 90 por cento e vivem com 10 por certo". Cumpre ressaltar que o suporte financeiro, quando desempenhado de coração, efetua a lei do amor e da harmonia.

 

3-2- Dom de presidir a serviço da igreja.

Entre os dons de serviço para que a igreja se desenvolva e sirva o Corpo de Cristo temos o dom de presidir. O próprio Espírito Santo habilita o crente para a liderança através deste dom [Rm12.8]. A palavra presidir, no original grego, exposta neste texto apresenta aquele que está proeminente sobre os outros ou que preside, governa ou cuida com empenho de uma determinada coisa. F.F. Bruce (Romanos - Introdução e comentário, 1979, p. 185): "O exercício da administração na igreja é um dom tão verdadeiramente espiritual como qualquer  dos outros mencionados".

 

3-3- Dom de exercer misericórdia a serviço da igreja.

Os dons que apresentamos devem ser empregados no afeto e no emprego, sempre com o intuito de socorrer o outro. Entre estes dons acha-se o dom de exercer misericórdia, que consiste em perdoar e compadecer das necessidades alheias [Rm 12.8]. O possuidor deste dom espera socorrer as misérias dos outros de modo a aliviar a dor, solidão e amargura. Craig Keener (Comentário Histórico-Cultural da Bíblia - Novo Testamento, 2017, p.535): "Usa[r] de misericórdia" talvez seja uma referência à caridade -cuidar dos enfermos e dos pobres, e assim por diante. Ainda que todos os cristãos fizessem esse trabalho em certo grau, alguns tinham um dom especial para isso”.

 

CONCLUSÃO

Vimos em toda a lição que a verdadeira grandeza do crente está em servir. Por isso o Senhor nos capacitou com dons para que possamos servir ao Corpo de Cristo e aos nossos semelhantes.