Lição 11 - DEUS escolhe Arão e seus filhos para o sacerdócio 2 parte

 
 
II - A INDUMENTÁRIA DO SACERDOTE
1. A túnica de linho e o éfode (Êx 28.4-28).
A Indumentária do Sacerdote
Duas coisas chamam a atenção de início no texto bíblico que fala das vestes dos sacerdotes. Em primeiro lugar, quem confeccionou essas vestimentas não foram quaisquer alfaiates em Israel. O texto bíblico afirma que foram homens “sábios de coração”, a quem DEUS havia “enchido do ESPÍRITO de Sabedoria” (Ex 28.3). Como frisa o Comentário Bíblico Beacon, “DEUS, que criou a beleza, dá ao homem a apreciação divina pela beleza e a aptidão divina para criá-la. Certas produções que o mundo chama arte não passam de imoralidade, mas a verdadeira arte é de DEUS”.
Em segundo lugar, o propósito da indumentária sacerdotal era “santificar”, isto é, distinguir, destacar, honrar os sumos sacerdotes, dar-lhes ornamentação, beleza e glória diante do povo; enfim, enfatizar o significado e a importância do seu ofício perante todos. Suas vestes foram pensadas para refletir a dignidade do seu ofício.
Os materiais para fazer as vestes sacerdotais eram os mesmos das cortinas e do véu do Tabernáculo (Ex 26.1,31,32; 28.5,6). Ou seja, o sacerdote não poderia ministrar “com roupas simples e sem brilho” em um Tabernáculo que era “graciosamente colorido”. DEUS, “o Autor de tudo o que é bom e bonito, deseja que seu povo seja formoso e que haja beleza nos procedimentos de adoração”.
Como observa Matthew Henry,
Estas gloriosas vestes foram indicadas:
(1) para que os próprios sacerdotes pudessem ser lembrados da dignidade da sua função e pudessem comportar-se com o devido decoro;
(2) para que o povo pudesse ser imbuído de uma santa reverência com relação ao DEUS cujos ministros se apresentavam com tal grandeza;
(3) para que os sacerdotes pudessem ser um exemplo de CRISTO, que se ofereceu imaculado a DEUS, e de todos os cristãos, que têm a beleza da santidade conferida a si, na qual são consagrados a DEUS.
Henry lembra ainda que “o nosso adorno agora, sob o evangelho, tanto o dos ministros quanto o de todos os cristãos, não deve ser de ouro ou pérolas, nem custoso, mas deve ser composto das vestes da salvação e do manto da justiça (Is 61.10; SI 132.9,16)”.
Assim como as vestes sujas do sumo sacerdote Josué, na visão do profeta Zacarias, representavam a sua iniquidade (Zc 3.3,4), as vestes santas dos sumos sacerdotes representavam a pureza e a perfeição de CRISTO como o nosso Sumo Sacerdote definitivo e por excelência (Hb 7.26).
Havia quatro vestes que eram comuns aos sacerdotes e ao sumo sacerdote:
Os calções de linho, que serviam para cobrir as partes íntimas e as coxas do sacerdote (Êx 28.42);
O manto ou túnica de linho (Êx 28.39,40);
O cinturão de linho, com bordados e usado para prender as roupas (Êx 28.39,40);
As tiras para a cabeça, isto é, para o turbante (Êx 28.37,40).
O linho fino utilizado na confecção dessas peças era um símbolo de pureza. Mas, além dessas quatro peças básicas, havia outras quatro que eram usadas apenas pelo sumo sacerdote:
1. O éfode com um cinturão diferenciado (Êx 28.6-14). Ele consistia em um colete com as partes da frente e de trás unidas por tiras sobre cada ombro e por um cinturão à altura da cintura. Esse cinturão era colorido e habilmente tecido (“De obra esmerada”, Êx 28.6) conforme a criatividade que DEUS dera aos sábios que confeccionariam as vestes (Êx 28.3). Nas tiras sobre os ombros, havia duas pedras sardônicas, uma de cada lado, trazendo o nome das doze tribos de Israel — seis nomes em uma pedra e os outros seis nomes na outra (Êx 28.9,10). O texto bíblico diz que a ordem dos nomes era “segundo as suas gerações” (Êx 28.10), o que significa dizer que a disposição dos nomes nas pedras obedecia à ordem de nascimento dos doze filhos de Israel que davam nome às tribos. Esses nomes deveriam ser engastados — isto é, encravados — em ouro nas pedras e esses filigranas de ouro deveriam ser colocados, mais precisamente, ao redor das pedras, em seu entorno (Êx 28.11). Finalmente, havia ainda os engastes de ouro (fechos ou prendedores) e as correntes de ouro, que provavelmente serviam para firmar o peitoral ao éfode (Êx 28.13,14,22-26). O fato de o sumo sacerdote levar o nome das doze tribos nos ombros tinha um significado claro: o sumo sacerdote, como intercessor entre o povo e DEUS, levava em seus ombros o povo. Essa grande responsabilidade, que era a essência do seu ofício, ele não deveria nunca esquecer (Êx 28.12). O propósito divino era que, cada vez que o sumo sacerdote vestisse o éfode, se lembrasse disso.
2. O peitoral do juízo (Êx 28.15-30), que era feito do mesmo material do éfode. Também era “obra esmerada” (Êx 28.15). A designação “do juízo” dada ao peitoral era uma referência, sem dúvida, ao “Urim e Tumim”, uma peça muito importante dessa indumentária. Essas palavras significam “luz e perfeição” e, provavelmente, era o nome dado a dois objetos, talvez duas pedras, que eram trazidas pelo sumo sacerdote no peitoral de sua roupa cerimonial (Êx 28.30). Através da consulta ao “Urim e Tumim”, o sumo sacerdote tomava conhecimento da vontade divina em situações muito difíceis (Êx 29.10; Nm 16.40; 27.21; Ed 2.63).
Havia ainda no peitoral quatro fileiras de pedras preciosas contendo três pedras cada uma (doze pedras ao todo). O nome das doze tribos de Israel também era gravado nessas pedras, sendo uma pedra para cada nome (Êx 28.21). O significado aqui também é claro: o intercessor deveria ter em seu coração o povo por quem intercedia (Ex 28.29). Isso fala de compaixão e amor do intercessor pelos intercedidos. CRISTO, o nosso Sumo Sacerdote e perfeito intercessor entre DEUS e os homens, nos amou até o fim (1 Tm 2.5; Jo 13.1; 17.9,20-26).
O peitoral era unido ao éfode por peças de ouro (engastes e anéis) na parte de cima, conectadas às tiras dos ombros do éfode, e na parte de baixo, conectadas ao cinturão do éfode (Ex 28.13,14,22-28).
3. O manto do éfode, com suas campainhas e com romãs nas bordas (Ex 28.31-35). Esse manto, diferente do manto de linho, ia até os joelhos e tinha nas bordas um material que se supõe ser uma espécie de “cota de malha” para não se romper (Ex 28.32). Ele era uma peça única, sem emendas e com abertura para a cabeça. Não tinha mangas, era de cor azul (Ex 28.31) e usado debaixo do éfode e do peitoral. Nas bordas, alternavam-se romãs bordadas e com cores diferentes cada uma e campainhas de ouro — uma romã, depois uma campainha; outra romã, depois outra campainha, e assim sucessivamente (Êx 28.33,34).
As romãs significavam alimento, fertilidade e alegria, provavelmente alegria no serviço a DEUS. Já os sinos eram para que se ouvisse o sonido do sumo sacerdote quando andava. Elas chamavam a atenção das pessoas para a atividade do sumo sacerdote lá dentro, que deveria sempre estar movimentando as campainhas. O texto bíblico afirma que se o sumo sacerdote não movimentasse as campainhas enquanto estivesse lá dentro, perante o Senhor, ele morreria (Êx 28.35). Ou seja, quando o som parava, era porque o sumo sacerdote, achado em falta diante do Senhor, havia morrido lá dentro. O sonido constante dessas campainhas, chamando a atenção do povo para o que estava acontecendo, falam que a verdadeira adoração não deveria se tornar uma mera formalidade para o povo. Os israelitas deveriam estar atentos e voltados para tudo que estava acontecendo ali, no Santuário. Não poderiam estar, como dizemos hoje, “desligados” do culto, mas “sintonizados” e envolvidos com tudo o que está acontecendo. Ora, ainda hoje DEUS deseja o nosso envolvimento total no culto de adoração a Ele (SI 29.9; 51.16,17; 103.1; Jo 4.24; Rm 12.1; Hb 10.19-23; 13.15).
4. A lâmina de ouro à sua testa (Êx 28.36-38) era usada na frente da mitra sacerdotal, isto é, do turbante (Êx 28.37). Nessa lâmina, estava gravado: “Santidade ao Senhor” (Êx 28.36). O significado da lâmina com esses dizeres é explicitado no texto bíblico: DEUS queria que o povo se lembrasse dos seus pecados e da necessidade de serem santos, o que era evidenciado todas as vezes que o sacerdote adentrava o Santuário para levar “a iniquidade das coisas santas”, isto é, executar a expiação pela culpa do povo (Êx 28.38).
Quando entrarmos na presença de DEUS, devemos nos lembrar que somos pecadores e Ele é SANTO; que é pelo sacrifício de CRISTO, o nosso Sumo Sacerdote, que podemos entrar com confiança na presença do Senhor; e que devemos viver uma vida santa. Sede santos “em toda a vossa maneira de viver” (1 Pe 1.15; Lv 11.44).
COELHO, Alexandre; DANIEL, Silas. Uma Jornada de Fé. Moisés, o Êxodo e o Caminho a Terra Prometida. Editora CPAD. pag. 132-126.
O Éfode e as Pedras Preciosas
As vestes representam as diversas funções e atributos do cargo sacerdotal. O "éfode" era o manto sacerdotal, e estando inseparavelmente ligado às ombreiras e ao peitoral, ensina-nos, claramente, que a força dos ombros do sacerdote e o afeto do seu coração estavam inteiramente consagrados aos interesses daqueles que representava, e a favor dos quais levava o éfode.
Quão animador é para os filhos de DEUS, que são provados, tentados, zurzidos e humilhados, pensar que DEUS os vê sobre o coração de JESUS! Perante os Seus olhos, eles brilham sempre em todo o fulgor de CRISTO, revestidos de toda a graça divina. O mundo não pode vê-los assim; mas DEUS vê-os desta maneira, em isto está toda a diferença. Os homens, ao considerarem os filhos de DEUS, veem apenas as suas imperfeições e defeitos, porque são incapazes de ver qualquer coisa mais; de sorte que o seu juízo é sempre falso e parcial. Não podem ver as joias brilhantes com os nomes dos remidos gravados pela mão do amor imutável de DEUS.
Mas, graças a DEUS, não temos que ser julgados pelos homens, mas por Ele Próprio: e misericordiosamente mostra-nos o nosso sumo sacerdote levando o nosso juízo sobre o seu coração diante do Senhor continuamente (versículo 30). Nada tínhamos senão trevas, tristeza, e deformidades; mas DEUS deu-nos brilho, pureza e beleza. A Ele seja dado o louvor pelos séculos dos séculos!
Êx 28.6 A estola sacerdotal. No hebraico, ephod, palavra que significa “cobertura”. Há um artigo detalhado a esse respeito, no Dicionário, intitulado Estola. Os sacerdotes levíticos usavam estolas de linho, mas o sumo sacerdote dispunha de estolas bordadas em ouro, azul, púrpura e carmesim. Uma estola especial era usada quando dos pronunciamentos do sumo sacerdote, em seus oráculos. Essa estola ficava pendurada no interior do templo (I Sam. 21.9).
Alguns estudiosos supõem que o ephod foi a mais antiga das vestes sacerdotais. Naturalmente, havia um uso anterior ao tabernáculo.
Os Nomes por Ordem de Nascimento: Uma das duas pedras de ônix continha os nomes: Rúben, Simeão, Levi, Judá, Dã e Naftali. E a outra continha os nomes: Gade, Aser, Issacar, Zebulom, José e Benjamim.
No hebraico, a palavra para “peitoral” é hoshen, termo que significa objeto belo. Portanto, tanto na construção do tabernáculo quanto em tudo quanto dizia respeito ao mesmo, predominava o senso estético. O peitoral atuava como bolsinha para o Urim e o Tumim, sendo essa a sua principal finalidade. Por isso mesmo, há estudiosos que pensam que o peitoral era uma espécie de algibeira, embora também tivesse usos simbólicos, conforme já mencionei.
A função das pedras era a mesma: relembrar o sumo sacerdote do povo ao qual servia, ao entrar no Santo dos Santos. Cf. isso com Apo. 21.19,20 onde há uma lista similar de pedras preciosas, que faziam parte da amamentação dos alicerces da Nova Jerusalém. Cf. também a lista de pedras preciosas em Ezequiel 28.13.
Os antigos não dispunham de ferra- mentas capazes de trabalhar devidamente com as pedras preciosas de maior dureza, embora soubessem lapidar e gravar bem pedras de menor dureza. No entanto, a arqueologia tem achado jóias feitas até mesmo com as pedras preciosas de maior dureza. A despeito disso, permanece de pé o problema de identificação.
Êx 28.29 Arão levará os nomes dos filhos de Israel... sobre o seu coração. Estava em pauta um serviço eminentemente espiritual. Arão era o representante de Israel diante de DEUS, e nunca deveria olvidar-se do fato, em sua mente e em seu coração. As palavras “sobre o seu coração” aparecem por três vezes, não meramente para fornecer-nos uma localização, mas também um sentimento. Arão deveria fazer seu trabalho de todo o coração. Os sacerdotes operavam como intermediários, como intercessores e como mestres. Há informes de que Charles Spurgeon conhecia por nome cada membro de sua vasta congregação, e que tinha tal conhecimento porque sempre procurava manter contato com os mesmos. Ele era um pastor de ovelhas.
CHAMPLIN, Russell Norman, Antigo Testamento Interpretado versículo por versículo. Editora Hagnos. pag. 429-432.
15. O peitoral do juízo.
Peitoral é pura especulação para o termo hebraico fyõSen. Se a tradução for correta, Noth cita um paralelo impressionante em Biblos, na Idade do Bronze. Trata-se de uma placa de ouro, engastada com jóias, presa por uma corrente de ouro. Aparentemente servia de adorno para o tórax de um rei local. Excetuando-se o fato de que o peitoral israelita era feito de pano, não de metal, e era duplo (formando uma espécie de bolsa para as pedras com as quais se lançavam sortes), a semelhança é notável. Basicamente, a ideia é bem simples: o sacerdote levava os objetos preciosos (fossem eles o que fossem) numa pequena bolsa amarrada a seu pescoço: esta bolsa, por sua vez, é apropriadamente adornada com os símbolos das tribos de Israel.
30. O Urim e o Tumim. Isto explica porque esta peça do vestuário sacerdotal era chamada de “peitoral do juízo”, uma vez que continha as duas pedras oraculares, pelas quais o “juízo” de DEUS podia ser conhecido.
Seus nomes significam “luzes e perfeição”, que se tomados literalmente, podem ser uma referência à natureza do DEUS cuja vontade elas revelavam. Podem, entretanto, ter sido usadas no sentido de “alfa e ômega” , princípio e fim(Ap 1:8), já que os dois nomes começam respectivamente com a primeira e a última letras do alfabeto hebraico. Estas “sortes” sagradas eram usadas para discernir a orientação divina, normalmente com respostas do tipo “sim” e “não” : o exemplo mais claro é o caso da indagação de Saul (1 Sm 14:41). Sua natureza é bem incerta: a sugestão mais provável é a de duas pedras preciosas, mas a maneira em que eram usadas não é clara. A julgar de analogias mais recentes, uma das pedras era retirada (ou lançada fora) do peitoral, e a resposta “sim” ou “não” dependeria de qual pedra aparecesse. Não há evidência bíblica para o uso deste método de se obter orientação depois do tempo de Davi, mas presumivelmente os sacerdotes continuaram a usar o peitoral do juízo, devido ao conservadorismo inerente a todas as religiões. O sistema de “lançar sortes” depois de orar, como meio de obter orientação reaparece em Atos 1:26.
Talvez valha a pena observar que o oferecer sacrifícios não era, de maneira alguma, a única função do sacerdote israelita. Como observa Driver, a ele também cabia dar “torah” ou instrução (Dt 33:10), decidir por meio de Urim e Tumim (como aqui), e oferecer decisões judiciais “perante DEUS” no santuário (22:8,9). Além do mais, Urim e Tumim não eram a única maneira aceitável de se pedir a direção divina, mesmo no começo da história de Israel (1 Sm 28:15). Podemos presumir que, à medida que crescia a atividade profética em Israel, a necessidade de se recorrer a tais meios “mecânicos” de orientação diminuiu. Na Nova Aliança, não é por acaso que, depois da vinda do ESPÍRITO (Atos 2), o uso de “sortes” não mais acontece. DEUS guia Seu povo diretamente.
R. Alan Cole, Ph. D. ÊXODO Introdução e Comentário. Editora Vida Nova. pag. 193-195.
 
Êx 28.30 O Urim e o Tumim. Há um artigo detalhado sobre essas pedras (ou o que quer que elas tenham sido) no Dicionário. Há muitas opiniões quanto à natureza desses objetos e quanto à sua utilidade. Talvez a Oxford Annotated Bible (in Ioc.) esteja com a razão ao dizer apenas que eram sortes por meio das quais o sumo sacerdote (ao lançá-las) tomava decisões oraculares. Portanto, serviriam de meios de oráculo, mediante os quais o sumo sacerdote obtinha decisões ou informações, conforme vemos em Núm. 27.21; Deu. 33.8 e I Sam. 28.6.
Tipos. Visto que temos à nossa frente um modo de iluminação espiritual, o Urim e o Tumim simbolizavam a luz que nos é conferida pelo ESPÍRITO de DEUS, o Grande revelador.
CHAMPLIN, Russell Norman, Antigo Testamento Interpretado versículo por versículo. Editora Hagnos. pag. 432.
O Urim e o Tumim, por cujo intermédio à vontade de DEUS era conhecida em casos duvidosos, foram colocados neste peitoral, que é, por isto, chamado de peitoral do juízo, v. 30.
Urim e Tumim significam luz e perfeição. O governo era uma teocracia; DEUS era o seu Rei, o sumo sacerdote era, depois de DEUS, o seu governante, e o Urim e o Tumim eram o seu ministério ou gabinete. Provavelmente Moisés escreveu sobre o peitoral, ou teceu ali, as palavras Urim e Tumim, para indicar que o sumo sacerdote, ao vestir este peitoral, e ao pedir conselho a DEUS em qualquer emergência relacionada ao público, fosse instruído a tomar tais medidas e a dar o conselho que DEUS reconhecesse. Finéias, Juízes 20.27,28. Abiatar quando buscou ao Senhor, por Davi (1 Sm 23.6ss.). Josué o consultou (Nm 27.21). Eles foram perdidos no cativeiro, e nunca foram recuperados, embora, aparentemente, fossem esperados, Esdras 2.63. DEUS, nestes últimos dias, nos dá a conhecer, a si mesmo, e à sua vontade, Hebreus 1.2; João 1.18. A união do peitoral ao éfode indica que o trabalho profético de CRISTO se baseava no seu sacerdócio. E pelo mérito da sua morte Ele resgatou esta honra para si mesmo, e este favor, para nós. O Cordeiro que tinha sido morto é que era digno de tomar o livro e abrir os selos, Apocalipse 5.9.
HENRY. Matthew. Comentário Matthew Henry Antigo Testamento Gênesis a Deuteronômio. Editora CPAD. pag. 318.
 
 
III - MINISTROS DE CRISTO PARA A IGREJA
1. Chamados por DEUS.
O chamado de DEUS para o ministério vocacional é diferente do chamado à salvação e do chamado que atinge todos os crentes: o serviço. Trata-se de uma convocação de homens selecionados para servir como líderes da igreja. Os destinatários desse chamado precisam ter a certeza de que DEUS assim os escolhe para liderar. A concretização desse fato repousa sobre quatro critérios, o primeiro dos quais é uma confirmação deste chamado por outras pessoas e por DEUS, pelas circunstâncias através das quais Ele providencia um lugar para o ministério. O segundo critério é a posse das habilidades necessárias ao serviço em posições de liderança. O terceiro consiste em um profundo desejo de servir no ministério. A qualificação final é um estilo de vida caracterizado por integridade moral. Um homem que preencha esses quatro requisitos pode descansar na certeza de que DEUS o chamou para a liderança cristã vocacionada.
O chamado de DEUS para o ministério vocacional possui dimensões diferentes.
Em primeiro lugar, está o chamado à salvação. Esse precisa ser o ponto de partida de qualquer chamado ao serviço ou ministério. A pessoa que deseja identificar seu chamado ao ministério vocacional deve primeiro certificar-se de que é chamada por CRISTO (2 Co 13.5). Não se deve ter a ousadia de cogitar um ministério do Evangelho da graça ao povo de DEUS, sem antes experimentar esta graça por meio da fé salvadora em JESUS CRISTO.
O chamado à salvação também envolve um chamado ao serviço (Ef 2.10). DEUS não nos chamou apenas à salvação, mas a uma vida de serviço. Servir é privilégio e obrigação de todos os cristãos. Esse chamado ao serviço implica que nós, como cristãos, constituímos “o sacerdócio real” (1 Pe 2.9). Nosso privilégio é anunciar as virtudes daquEle que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pe 2.9). Kãsemann o vê como uma referência ao fato de que aquele que provou pessoalmente o poder gracioso de DEUS tem a responsabilidade de reconhecer esta experiência publicamente. Assim, todos os crentes devem se engajar no ministério do serviço como sacerdotes do Senhor. Para cumprir esse ministério, devem possuir o ESPÍRITO SANTO, o qual lhes concede habilidades espirituais (1 Co 12.11). Esses dons espirituais expressam o propósito de servir para o bem comum da igreja (1 Co 12.7). O apóstolo Paulo escreveu aos efésios: “Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de CRISTO” (Ef 4.7). Esses dons estão alistados em 1 Coríntios 12.8-10,28-30, e Romanos 12.6-8. Os cristãos são mordomos desses dons e vão prestar contas de sua mordomia (1 Pe 4.10).
Além de chamar os cristãos ao uso de seus dons espirituais, DEUS estende esse chamado ao ministério vocacional de liderança. Conscientes de que todo crente deve se envolver na obra do Senhor, vamos usar o termo ministério no presente contexto para nos referir a um tipo específico de serviço prestado à igreja por um grupo particular de líderes.
O chamado para a liderança implica homens dotados e concedidos à igreja pelo Senhor da Igreja (Ef 4.12). Essa responsabilidade é tanto geral – exercer liderança em adoração, pregação, ensino, pastorado e evangelização – como específica - disciplina e aconselhamento.
DEUS usou Charles Haddon Spurgeon de modo grandioso no final do século XIX. Ele pregou para milhares de pessoas semanalmente em Londres, no Metropolitan Tabernacle. Além de sua forte paixão pela pregação, ele possuía um grande desejo de desenvolver jovens para o ministério. Esse anseio fez com que instituísse a “Faculdade de Pastores”, como parte do ministério da igreja.
Seu livro Lições aos Meus Alunos, uma compilação de preleções realizadas nessa faculdade, fornece uma ideia precisa da seriedade do chamado para o ministério vocacional. Nas primeiras páginas de seu livro, ele pergunta:
Como pode o jovem saber se é vocacionado ou não. É uma indagação ponderável, logo desejo tratá-la aqui mui solenemente. Oh, a divina orientação para fazê-lo! O fato de que centenas perderam o rumo e tropeçaram em um púlpito está patenteado tristemente nos ministérios infrutíferos e nas igrejas decadentes que nos cercam. Errar na vocação é terrível calamidade para o homem e para a igreja sobre a qual ele se impõe, seu erro envolve aflição das mais dolorosas.
Spurgeon continua salientando a importância de reconhecer o chamado quando afirma: “É-lhe imperativo que não entre no ministério enquanto não fizer profunda sondagem e prova de si próprio quanto a esse ponto”.
William Gordon Blaikie também ministrou em Londres quase na mesma época que Spurgeon. Ele também viu a importância do chamado para o ministério e apresentou seis critérios para avaliá-lo: salvação desejo de servir, de viver uma vida que contribua para o serviço, capacidade intelectual, aptidão física e elementos sociais.
Calvino dividiu o chamado em duas partes ao declarar: “Para que alguém seja considerado verdadeiro ministro da igreja, é necessário que considere o ‘objetivo ou o exterior’ dela e o chamado secreto, interior, de que ‘só o próprio ministério tem consciência’”.
Oden conclui seu artigo “O Chamado para o Ministério com uma discussão acerca da correspondência entre os aspectos internos e externos do chamado: O chamado interno é uma consequência do contínuo poder de direção ou de evocação do ESPÍRITO SANTO que, a seu tempo, conduz o indivíduo para perto do chamado externo da igreja, ou seja, para o ministério. O chamado externo é um ato da comunidade cristã que, pelo devido processo, confirma aquele chamado interno. Ninguém pode cumprir o difícil papel de pastor adequadamente se não for chamado e comissionado por CRISTO e pela Igreja. Esse é o motivo pelo qual é tão crucial, tanto para o candidato como para a igreja, que a correspondência entre o chamado interno e o externo se estabeleça desde o início com clareza razoável.
Por que é tão necessário que experimentemos uma compulsão interna e externa para o ministério? Em seu volume clássico sobre ministério, Bridges expõe os motivos pelos quais um chamado é tão importante:
A labuta no escuro, sem uma comissão segura, tolda em muito a garantia da fé nos compromissos divinos; e o ministro, incapaz de se valer do apoio celestial, sente em seu trabalho “as mãos caídas e os joelhos fracos”. Por outro lado, a confiança de que está agindo em obediência ao chamado de DEUS e de que Ele está em seu trabalho e em seu caminho, encoraja-o nas dificuldades, conscientizando-o das obrigações pelas quais deve responder com força onipotente.
Como Bridges declarou eloquentemente, o problema está no homem e em sua confiança em DEUS. O homem confia que DEUS o comissionou para uma tarefa que apenas o poder de DEUS pode manter. Criswell fala dessa confiança: ‘A primeira e a maior de todas as fortalezas do pastor é a convicção profunda, como a própria vida, de que DEUS o chamou para o ministério. Se essa persuasão for inabalável, todos os outros elementos de sua vida distribuir-se-ão em bela ordem e lugar”.
Respondendo à pergunta: “Qual a importância da certeza de um chamado especial?”, Sugden e Wiersbe afirmam: ‘A obra do ministério é muito desgastante, sendo difícil para um homem entrar nela sem uma consciência do chamado divino. Em geral, os homens entram e depois saem do ministério, pois lhes falta uma consciência da urgência divina. Apenas um chamado definido por DEUS pode dar a alguém sucesso no ministério”.
Como os profetas do Antigo Testamento, os ministros de hoje falam das coisas de DEUS sob constantes ataques e pressões. Lutzer, referindo-se às dificuldades do ministério, afirma:
Não vejo como alguém possa sobreviver no ministério, caso sinta que essa foi sua própria escolha. Alguns ministros não têm sequer dois dias agradáveis.
Eles são sustentados pelo conhecimento de que DEUS os colocou onde estão. Os ministros sem essa convicção carecem muitas vezes de coragem e carregam uma carta de demissão no bolso do paletó. Ao menor sinal de dificuldade, vão-se embora.
Crendo como esses homens, na importância do chamado ministerial, apresento quatro perguntas que podem ser utilizadas para avaliar esta convocação.
Quatro palavras resumem quatro passos específicos: confirmação, habilidades, anseios e vida.
HÁ Confirmação?
A confirmação pode ser divina e de outros.
Confirmação de Outros
Em Atos 16.1,2, compreende-se a importância do reconhecimento público na confirmação do chamado para o ministério e liderança. Timóteo foi, provavelmente, um convertido de Paulo em sua primeira viagem missionária (veja At 14.6). Paulo o chamou de “meu verdadeiro filho na fé” (1 Tm 1.2). Ao iniciar a segunda viagem missionária, Paulo passou pelas regiões que havia visitado em sua primeira viagem, “confirmando as igrejas” (At 15.41). Ele chegou à cidade de Timóteo e descobriu que este possuía bom testemunho dos irmãos que estavam em Listra e em Icônio (At 16.2). A conseqüência foi: “Paulo quis que Timóteo fosse com ele” (At 16.3). A confirmação pública de Timóteo transformou-o em uma aquisição desejável para a equipe missionária de Paulo. Mais tarde, quando Paulo escreveu a Timóteo, ele o lembrou de sua confirmação pública, referindo-se à “imposição das mãos do presbitério” (1 Tm 4.14). Tanto Paulo como os líderes da comunidade local haviam visto como DEUS abençoou e usou Timóteo no serviço local. Assim, ele foi reconhecido e comissionado para servir a DEUS no ministério internacional.
Spurgeon concorda que a confirmação pública é um passo necessário depois do sentimento interior, estando relacionada ao chamado para o ministério. Ele conclui: ‘A vontade do Senhor referente aos pastores é conhecida mediante o piedoso julgamento da igreja. É necessário, como prova de seu dom, que sua pregação seja aceitável ao povo de DEUS. Muitos homens que sentem a compulsão interior para entrar no ministério hesitam em submeter este sentimento à confirmação da igreja. Por alguma razão, não confiam na igreja quanto a essa área importante de sua vida. Spurgeon disse aos seus alunos:
Muitas igrejas julgam segundo a carne, nem todas as igrejas são sábias, nem todas julgam no poder do ESPÍRITO SANTO. Apesar disso, estaria mais pronto para aceitar a opinião de um grupo do povo do Senhor do que a minha própria opinião sobre um assunto tão pessoal como os meus dons e graças. De qualquer forma, quer valorizem o veredicto da igreja, quer não, uma coisa é certa: nenhum de vocês pode ser pastor sem o amoroso consentimento do rebanho. Portanto, este lhes servirá de indicador prático, senão correto.
Bridges também nos aconselha sabiamente quando comenta opiniões, especialmente de amigos e ministros experientes: “[Eles]... podem ser úteis para garantir se o desejo de trabalhar é ou não um impulso do sentimento e não um princípio, ou mesmo se a capacitação não é uma presunção enganosa”.
A Bíblia fala muito de buscar orientação e conselhos sábios. Os Provérbios são especialmente excelentes nesta área: “Não havendo sábia direção, o povo cai, mas, na multidão de conselheiros, há segurança” (11.14); “O caminho do tolo é reto aos seus olhos, mas o que dá ouvidos ao conselho é sábio” (12.15); “Da soberba só provém a contenda, mas com os que se aconselham se acha a sabedoria” (13.10); “Onde não há conselho os projetos saem vãos, mas, com a multidão de conselheiros, se confirmarão” (15.22).
Além disso, o conselho e a orientação dos outros constituem o procedimento para a ordenação, que é o processo de reconhecimento público da pessoa separada para o ministério (veja o capítulo 8, “A Ordenação para o Ministério Pastoral”). A Bíblia indica que a Igreja Primitiva tinha um processo específico pelo qual um grupo de crentes escolhia e separava os líderes para o serviço. A instrução de Paulo para que Tito destacasse presbíteros (Tt 1.5) exemplifica uma série de passagens que insinua a ideia de um processo de ordenação. A base para a indicação era o reconhecimento de homens qualificados em cada uma das cidades. Uma boa definição de ordenação é a confirmação pública de uma qualificação ou dotação interior, isto é, da formação e experiência no ministério.
Embora a pessoa ordenada não seja diferente dos outros membros da congregação, a ordenação pública proporciona uma confirmação visível de que DEUS chamou um indivíduo para usar suas habilidades e dons singulares em benefício de toda a igreja.
Confirmação de DEUS - Newton encontrou três indicações do chamado para o ministério: desejo, competência e providência de DEUS. Ele denominou a terceira indicação de “uma correspondente abertura na providência, mediante uma série gradativa de circunstâncias que apontam para os meios, o lugar e o momento de entrar de fato no trabalho”. Esse fator cobre tudo o que discutimos até aqui. A soberania de DEUS convoca certos homens à liderança na igreja local. DEUS lhes concede os dons para que desempenhem suas funções ministeriais, tornando-os desejosos deste serviço e preparando circunstâncias para prover-lhes o lugar no ministério.
Tudo isso refere-se a portas abertas e bênçãos de DEUS. Paulo disse em 1 Coríntios 16.8,9: “Ficarei, porém, em Éfeso até ao Pentecostes; porque uma porta grande e eficaz se me abriu”. Ele, então, contrapõe os obstáculos à oportunidade:
“E há muitos adversários”.
Esses adversários são um elemento constante no ministério e, às vezes, causam frustrações e limitam os resultados. Mas os resultados não são o indicador final das bênçãos de DEUS. Muitos têm labutado durante todo o ministério, alcançando pouco ou nenhum fruto visível. Jeremias profetizou por mais de 40 anos (Jr 1.2,3), obtendo pouca ou nenhuma reação do povo. Adoniram labutou sete anos na Birmânia antes de ter seu primeiro convertida porém ainda via a mão da providência de DEUS em seu ministério. A carreira ministerial nunca é fácil e os resultados nem sempre são positivos, mas uma consciência de que DEUS confirma o trabalho deve estar sempre presente.
Além de perguntar se há confirmação de DEUS, o homem que deseja saber se é chamado precisa fazer várias perguntas práticas:
Os outros confirmam meus dons e minha capacidade de liderança?
Eles me pedem que atue em uma função de líder?
Eles me pedem que comunique as verdades de DEUS por meio do ensino ou da pregação?
Essas são as pessoas que me sugerem pensar no ministério?
As respostas a essas perguntas só surgem em meio a um envolvimento ativo no ministério de uma igreja local. Para receber confirmação pública, é preciso que haja ministério público. Esse ministério implica o uso dos dons e das habilidades que as pessoas possam identificar, ajudar a desenvolver e incentivar.
Sem essas capacidades, faltará confirmação. Assim, as habilidades são uma parte importante no processo de determinação do chamado.
HÁ um Anseio?
Em 1 Timóteo 3.1, o apóstolo Paulo escreve: “Se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja”. A palavra traduzida por “deseja” (oregomai), que ocorre apenas três vezes no Novo Testamento. Este termo significa “distender-se para tocar ou pegar algo, buscar ou desejá-lo”. É o retrato de um atleta acelerando os passos para cruzar a linha de chegada. Esse vocábulo também aparece em 1 Timóteo 6.10, onde é traduzido por “cobiça” relacionada ao dinheiro, a este se devota tanto amor que passa a ser a própria raiz de “toda espécie de males”. O terceiro uso está em Hebreus 11.16, em que é traduzido por “desejar”, frase na qual o objeto do desejo é a “pátria celestial”.
Assim, cada contexto determina a legitimidade da distensão e da busca.
A segunda palavra que fala da compulsão interna em 1 Timóteo 3.1 é (epithumeõ), verbo que significa “colocar o coração, desejar, cobiçar, ambicionar”. A forma substantivada desse verbo tem em geral um sentido negativo, mas o sentido básico do verbo é bom ou neutro, significando um desejo particularmente forte. Essa aspiração pelo ministério é, portanto, um impulso interior que se expressa em desejo exterior.
Sanders observa que o objeto do desejo não é o ofício, mas o trabalho. Deve haver um desejo pelo serviço, não pela posição, fama ou fortuna. Assim, essa aspiração é boa, contanto que se tenha boas motivações.
Spurgeon oferece o seguinte conselho quanto ao desejo pelo ministério: Note bem, o desejo de que falei deve ser totalmente desinteressado. Se um homem perceber, depois do mais severo exame de si próprio, qualquer outro motivo que a glória de DEUS e o bem das almas em sua busca do episcopado, melhor será que se afaste dele de uma vez, pois o Senhor aborrece a entrada de compradores e vendedores em seu templo. A introdução de qualquer coisa que cheire a mercenário, mesmo no menor grau, será como um inseto no ungüento, estragando-o todo.
Esse desejo interior deve ser tão desinteressado a ponto de o líder aspirante não visualizar-se perseguindo outra coisa, exceto o ministério. “Não entre no ministério, se puder passar sem ele”, foi o sábio conselho de um velho pregador a um jovem quando indagado sobre sua opinião quanto a seguir o ministério.
Bicket disse: “Se você pode ser feliz fora do ministério, fique fora. Mas se veio o solene chamado, não fuja”. Bridges o considera “um desejo constrangedor... uma qualificação ministerial primária”
John MacArthur, Jr. Redescobrindo o Ministério Pastoral. Editora CPAD. pag. 125-132; 137-138.
A Chamada para o Ministério - SEU MÉTODO
DEUS chama homens para exercerem as mais distintas tarefas em sua obra, e, como Ele é soberano em seus desígnios, então não existe um método definido para a chamada divina. Existe, sim, o método divino, soberano e poderoso. A Bíblia registra a chamada de vários servos de DEUS, e, por uma questão didática apenas, queremos abordar este assunto sob dois aspectos:
a) Método direto - DEUS tem chamado homens de um modo direto. Entre esses, encontramos:
Noé. "Então disse DEUS a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens: eis que os farei perecer juntamente com a terra" (Gn 6.13). O tempo era terrível, pois a sociedade estava corrompida à vista de DEUS. A violência, a hostilidade e pecaminosidade eram o ambiente natural daquela época. Em meio a esse ambiente conturbado, DEUS chamou Noé e deu-lhe a ordem de construir uma arca. A chamada de Noé era para construir. Podemos imaginar as ironias, pressões, contestações e até mesmo hostilidades que Noé sofreu quando começou seu projeto de construir a arca. Certamente ele foi tido como louco, paranóico. Porém Noé tinha plena certeza de sua chamada e missão dadas diretamente por DEUS (Gn 6.8-12).
Abraão. "Ora disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei" (Gn 12.1). A chamada de Abraão era para deixar seu povo, sua cidade, seus parentes, amigos e até mesmo alguns bens, e ir para uma terra que ele não conhecia. Essa decisão exigiu fé e ousadia, e somente uma poderosa chamada de DEUS poderia arrancar Abraão de sua terra para ir em busca de uma nova terra. Os homens consideram isso uma aventura, um golpe no ar. Naquele tempo, certamente muitos amigos e parentes o aconselharam a abandonar essa ideia de ir para a terra prometida. Mas Abraão tinha certeza de sua chamada, e por isso, obedeceu (Gn 12.4).
Moisés. "Vem, agora, e Eu te enviarei a Faraó, para que tires o meu povo, os filhos de Israel, do Egito" (Êx 3.10). Moisés fracassou em sua primeira tentativa de ajudar seu povo (Êx 2.11-13), e, sem dúvida, esse revés marcou sua vida, e ele passou a se julgar incapaz para qualquer tipo de empreitada dessa ordem. A chamada de Moisés contém o antídoto para sua frustração interior. DEUS o chamou, primeiramente para si: "Vem, agora" e se identificou como o DEUS de seus pais, Abraão, Isaque e Jacó (Êx 3.1-22). Moisés precisava conhecê-lo. Ele não tinha nenhuma experiência com DEUS, a não ser os ensinamentos da infância, recebidos de sua mãe. Quem é chamado por DEUS deve conhecê-lo. Em segundo lugar, DEUS o enviou e o comissionou: Essa extraordinária chamada é que deu condição a Moisés de realizar tão notável empreendimento.
Samuel. "Todo o Israel, desde Dã até Berseba, conheceu que Samuel estava confirmado como profeta do Senhor" (1 Sm 3.20). Os filhos de Eli, que seriam seus sucessores, tinham se tornado execráveis diante de DEUS e do povo, em virtude dos abusos que praticavam, violando a Lei, que deviam cumprir e ensinar, e fazer o povo obedecer. Por esse motivo, a palavra do Senhor se tornou rara em todo o território de Israel, isto é, não havia profetas nem profecias. DEUS se revelou a Samuel e lhe fez ciente de seu juízo sobre os filhos de Eli (1 Sm 3.1-14). Essa experiência foi básica na qualificação de Samuel para o ministério profético. O resultado é visto quando Samuel, já velho, resigna seu cargo, e faz um balanço da sinceridade, austeridade e santidade de sua vida ministerial (1 Sm 12.1-4).
Isaías. "Vai, e dize a este povo..." (Is 6.9). A chamada de Isaías deu-se em meio a uma visão maravilhosa, onde se destaca a santidade do Senhor. Na visão, Isaías se conscientiza de três coisas: - DEUS é SANTO; ele (Isaías) é impuro e o povo está desviado dos retos caminhos do Senhor (Is 6.1-8). Essa visão marca todo o ministério profético de Isaías, o que é demonstrado ao longo de seu livro. Ele compreende a grandeza da glória, perfeição, justiça e santidade de DEUS, e, ao mesmo tempo, conhece a necessidade de seu povo - a redenção (Is 59). A chamada de Isaías é muito semelhante à chamada neotestamentária: O pregador precisa conhecer a justiça de DEUS e a necessidade do pecador, e a redenção em CRISTO.
Os apóstolos. "E JESUS disse: Vinde após mim, e Eu farei que sejais pescadores de homens" (Mc 1.17. Leia ainda Mateus 4.18-22; João 1.35-42). O Senhor chamou pessoalmente a cada um dos doze apóstolos. Houve o momento, inclusive, em que eles faziam parte de um número bem maior de discípulos, porém o Senhor JESUS fez questão de separá-los novamente e fazer uma designação específica - apóstolos (Lc 6.12-16). - Por que o Senhor JESUS fez tanta questão de chamá-los pessoalmente e ficar tanto tempo com eles? - Não temos dúvida de que a missão era por demais importante. Estes onze judeus iriam mudar o curso da história da humanidade. A maioria deles, e outros que seriam chamados posteriormente, haveriam de escrever com o próprio sangue algumas páginas da História. Por esse motivo, justifica-se o empenho do Mestre divino em chamá-los e prepará-los.
Paulo. "Pelo que, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial" (At 26.19). O arrogante Saulo se considerava justo diante de DEUS, pela justiça da Lei (Fp 3.6) e achava que, matando os cristãos, estava prestando grande serviço a DEUS (At 8.1,3; 9.1,2). Não seria qualquer chamada que iria mudar a vida e os propósitos deste homem. Por isso, o Senhor JESUS providenciou uma chamada inusitada. O impacto daquele encontro com o Senhor foi tão marcante que o transformou completamente (At 9.3-19). A conversão de Paulo tornou-se no acontecimento mais importante desde o Pentecoste até nossos dias. Está narrada três vezes (At 9.1-18; 22.1-11; 26.12-18). Logo após essa extraordinária conversão, Paulo já começou a testemunhar de CRISTO. Alguns dias depois de sua conversão, Paulo foi encaminhado para sua terra natal, a cidade de Tarso. Dez anos mais tarde, Barnabé foi buscá-lo, e é nessa época que Paulo inicia seu ministério apostólico (At 9.30; 11.25,26).
b) Método indireto - DEUS não somente chamou de forma direta, mas também vemos na Bíblia que Ele usou método indireto com grande objetividade.
José. Ainda moço, José teve alguns sonhos que indicavam sua proeminência ou liderança sobre seus irmãos, porém, não se tratava de uma chamada definida (Gn 37.5-10).
Analisemos as fases da vida de José: a) Odiado e vendido pelos seus irmãos, b) De filho, transformado em escravo, c) Acusado injustamente, tornou-se prisioneiro no calabouço do rei egípcio, d) De prisioneiro, é elevado a primeiro-ministro do Egito. O Egito na época de José era governado pelos hicsos e os Faraós eram considerados divinos, com poderes absolutos. Governar essa nação já era uma tarefa difícil, muito mais ainda em duas fases distintas: uma de fartura e outra de extrema fome. Quando examinamos as fases da vida de José, verificamos que não passam de um árduo e difícil treinamento, com o objetivo de moldar o caráter desse servo de DEUS. Entre outras coisas, José aprendeu: - o que os homens são capazes de fazer, quando são alimentados pelo ódio, interesses, cobiça e inveja; - o que DEUS é capaz de realizar em favor e através de seus servos. Nesse período de provação, José teve oportunidade de demonstrar fidelidade em momentos e lugares difíceis (Gn 39.1-6, 20-23); e de não ceder à tentação (Gn 39.7-13). Por causa dessa chamada divina, José foi um líder sábio e justo, glorificando a DEUS em sua proeminente missão no Egito. Aleluia!
Josué. "Então disse o Senhor a Moisés: toma para ti a Josué, filho de Num, homem em quem há o ESPÍRITO, e põe a tua mão sobre ele" (Nm 27.18; Nm 27.15-23; Dt 1.38; 3.21; 31.7,8). Josué é fruto de discipulado. Ele esteve ao lado de Moisés desde o início da jornada no deserto. A primeira missão que lhe coube foi selecionar homens para guerrear contra Amaleque (Êx 17.9). Em seguida, ele aparece como servidor de Moisés (Êx 24.13; 32.17; 33.11; Nm 11.28). Esteve presente em todos os momentos críticos da jornada pelo deserto. Com isso, no serviço e na obediência prática, ele se transformou em um grande líder: "E Josué, filho de Num, estava cheio de espírito de sabedoria, porquanto Moisés tinha posto sobre ele as suas mãos; assim os filhos de Israel lhe deram ouvidos e fizeram como o Senhor ordenara a Moisés" (Dt 34.9).
Grandes homens de DEUS aprenderam o discipulado com seus líderes espirituais. Durante anos, tiveram a oportunidade de demonstrar obediência, fidelidade e submissão. Quando foram chamados a ocupar a liderança, estavam preparados, e DEUS lhes falou, e confirmou a chamada para sua obra. O grande empecilho hoje é que muitos não querem esperar, obedecer, e submeter-se. Por isso são rejeitados.
Timóteo: "Saúda-vos Timóteo, meu cooperador..." (Rm 16.21). Timóteo é o exemplo típico do ministro do Novo Testamento, fruto do discipulado contínuo. Desde jovem tornou-se companheiro e cooperador do apóstolo Paulo (At 16.1; 17.14; 18.5; 19.22; 20.4). Mirou-se no exemplo, firmeza e fidelidade do grande apóstolo. A palavra enxertada por sua piedosa mãe, na infância, teve terreno e ambiente fértil para desenvolver-se. Paulo o chama de: "Meu filho amado e fiel no Senhor" (1 Co 4.17); "ministro de DEUS... no evangelho de CRISTO" (1 Ts 3.2) e, ainda, de "verdadeiro filho na fé" (1 Tm 1.2). Estas expressões demonstram o apreço que o apóstolo tinha por Timóteo, e também o seu caráter. Com o passar dos anos, não foi difícil a Timóteo compreender sua chamada ministerial.
SUA RAZÃO - Por que é importante a chamada divina para o ministério? Qual a razão da chamada? Ao descrevermos as chamadas de alguns servos de DEUS, tivemos o propósito de, pelo menos parcialmente, responder a essas perguntas. Resumindo, podemos dizer que a chamada divina tem alguns propósitos importantes: 1 - Esclarecer que o ministério, seja qual for, nunca foi uma profissão na Antiga Aliança, muito menos na atual dispensação. Na Antiga Aliança o sacerdócio era privativo dos filhos de Arão, e os profetas eram chamados pelo Senhor. O ministério neotestamentário é um dom e uma vocação de DEUS. "E Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres" (Ef 4.11).
A partir desta premissa básica, o homem chamado pelo Senhor deve estar consciente de que:
a) Do Senhor vem a recompensa (1 Pe 5.2-4).
b) Pelo Senhor ele será julgado (1 Co 4.3-5).
2 - A certeza da chamada de DEUS faz o servo do Senhor superar obstáculos considerados, pelo homem comum, insuperáveis ou além de qualquer possibilidade humana, senão vejamos:
a) Como compreender a posição de Moisés diante das rebeliões e tumultos que ele enfrentou no deserto? (Nm 12.1-16; 14.1-9; 16.1-19.) Como entender sua fervorosa oração intercessória quando DEUS quis destruir o povo israelita e fazer dele um novo e grande povo? (Nm 14.10-19.) Só um homem vocacionado por DEUS poderia ter capacidade, calma e equilíbrio para vencer nesses momentos críticos. Moisés não era um super-homem, mas era um homem chamado pelo Senhor.
b) Como entender a perseverança de Paulo, que foi dado por morto, depois de ser apedrejado pelos judeus opositores do evangelho da graça, em continuar na sua missão de pregar essas boas-novas? (At 14.19-22.) Inúmeros outros exemplos poderiam ser citados. Homens, que, no dizer do escritor da carta aos Hebreus, "por meio da fé, subjugaram reinos, praticaram a justiça, obtiveram promessas, fecharam bocas de leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada; da fraqueza tiraram força; fizeram-se poderosos em guerra..." (Hb 11.33,34.)
3 - A chamada é acompanhada da missão. Ninguém que é chamado pelo Senhor vive de um lado para outro, de um trabalho para outro, sem nunca ter certeza da vontade de DEUS. DEUS, quando chama, comissiona seu servo para uma missão específica.
SUA OCASIÃO - Se DEUS chama como quer, isto é, de modo soberano, é lógico que Ele também chama quando quer. Não há faixa etária privilegiada, como vemos a seguir:
a) Desde o ventre, o Senhor chamou Jeremias (Jr 1.5) e Paulo (Gl 1.15,16).
b) O Senhor chamou Samuel, sendo este bem jovem (1 Sm 3.3,4,20); também Davi (1 Sm 16.11-13) e, possivelmente, Timóteo (At 16.1-3). Em qualquer época de nossa existência, o Senhor pode nos chamar para o ministério ou para o cumprimento de uma missão em particular. É evidente que, na maioria das vezes, o Senhor desperta seus servos, em plena juventude para a obra do ministério, o que lhes proporciona tempo para a preparação em escolas teológicas, no discipulado, nas atividades auxiliares da igreja. Quanto às circunstâncias das chamadas registradas no texto sagrado, são as mais variadas possíveis. O Senhor chamou Davi quando cuidava do rebanho de seu pai (1 Sm 16.11); Eliseu quando andava lavrando com doze juntas de bois (1 Rs 19.19-21); Paulo a caminho de Damasco, com o objetivo de prender cristãos (At 26.12-16).
SUA NATUREZA - Quanto à natureza intrínseca, a chamada para o ministério neotestamentário apresenta as seguintes características:
a) Divina. A responsabilidade da chamada ministerial é do Senhor; "e Ele mesmo concedeu uns para..." (Ef 4.11). Não se trata de uma incumbência dada por convenção, concílio ou igreja. Embora que estes possam ser instrumentos de DEUS na chamada de alguém.
b) Pessoal. A chamada para a salvação é universal. É para todos. A chamada para o ministério é pessoal; DEUS tem o ministério ou missão certa para a pessoa certa. Ele é onisciente, conhecendo a capacidade de cada um, por isso, na distribuição dos talentos, estes são distribuídos segundo a capacidade de cada um (Mt 25.14,15). As responsabilidades diferem, por isso o Senhor chama o seu servo para o ministério e designa-lhe o lugar ou a missão, respeitando a sua capacidade, as suas características pessoais. A Paulo foi dado o ministério entre os gentios (At 9.15); a Pedro o ministério entre os judeus.
c) Soberana. A soberania de DEUS é ainda pouco entendida por muitos, e, para se começar a entendê-la, é necessário que levemos em conta alguns aspectos acerca da personalidade do Senhor: - Ele é a origem de todas as coisas. "Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro lhe deu a Ele para que lhe venha a ser restituído? (Rm 11.34,35. Ler ainda Isaías 40.13; segunda Coríntios 2.16.) - Ele é soberano porque a sabedoria e o poder são atributos de sua pessoa (Jo 9.4; Dn 2.20). - O servo do Senhor, ao ser chamado, deve aceitar com humildade, submissão, e como ato de soberania divina. Certamente não conseguirá respostas para muitas indagações imediatas. Só com o correr do tempo entenderá os desígnios do Senhor (Is 55.8,9; 1 Co 2.16).
d) Definitiva. A chamada para o ministério é também uma chamada para o discipulado. Logo, esta chamada envolve algumas condições indispensáveis, tais como: - Que o ministro exerça seu ministério sem interesse de recompensa material (Lc 9.57,58). - Que a prioridade maior entre as suas atividades seja o próprio Senhor JESUS. (Veja como Ele recusou o segundo lugar na vida de duas pessoas que queriam segui-lo. Lc 9.59-62). - Que haja no ministro abnegação e renúncia. Em primeiro lugar estará a vontade do Senhor (Mt 16.24; Lc 14.26,33). A chamada para o ministério é definitiva. Aquele que é chamado não pode impor condições. Pelo contrário, deve agradecer a DEUS o privilégio de ser chamado, como o fez Paulo (1 Tm 1.12,13).
Mendes, José Deneval, Teologia Pastoral. Editora CPAD. pag. 11-19.
2. Qualificações.
I Tm 3.7 Mas ele também precisa ter um bom testemunho dos de fora, a fim de não cair na difamação e no laço do diabo.
Já em sua carta mais antiga o apóstolo exorta a congregação para que tenha uma “conduta decente (honrada)” aos olhos dos de fora. Não ser tropeço nem causar escândalo! Essa exortação vale para a conduta diante de todos: judeus, gregos, cristãos. Isso não tem nada a ver com uma falsa adaptação aos padrões e costumes do mundo, porque a igreja deve ser irrepreensível e pura em meio a esta geração pervertida e corrupta. Suas boas obras devem poder ser vistas à luz do dia e se diferenciar das inúteis obras das trevas. Porque “enquanto os cristãos se preocupam sacerdotalmente pelo mundo, o mundo lança o afiado olhar da hostilidade sobre a igreja, a fim de encontrar pontos vulneráveis. Por isso não será recomendável colocar na liderança da igreja homens que eram notórios na cidade por seus pecados ou fraquezas passadas, ainda que se tenham emendado sinceramente”.
Os de fora na realidade estão fora da igreja, mas nem por isso fora do alcance do juízo e da graça de DEUS. Os que estão fora da igreja possuem uma percepção implacável e um juízo insubornável para os pecados daqueles que se dizem cristãos. Com essa atitude na verdade condenam a si mesmos, porque confessam que sabem muito bem o que é certo e como deveriam viver. Contudo, isso não desculpa a igreja. Ela mesma deve manter um juízo vigilante acerca das próprias transgressões e por isso ir com humildade e mansidão ao encontro dos “de fora”.
Quando se pondera como os meios de comunicação de massa vasculham a vida passada e atual de líderes políticos, econômicos e religiosos com a criatividade de um detetive, desnudando-a em público (em geral por motivos ignóbeis de luta pelo poder), torna-se ainda mais atual a exigência do bom testemunho de fora. Pois quando a difamação circula em lugar do bom testemunho, ela pode influir de modo tão terrível sobre o envolvido que lhe rouba a fé no perdão de DEUS, lançando-o no desespero. Como uma mosca na teia da aranha, ele ficará então emaranhado nos laços do diabo, do acusador originário.
A lista das 16 “virtudes” começa de forma aparentemente inofensiva com a irrepreensibilidade como premissa fundamental para o serviço de presidente. O catálogo termina com a condição quase idêntica do bom testemunho dado pelos de fora da igreja, anunciando surpreendentemente a verdadeira razão e a grave conotação de toda a listagem: laço e juízo do diabo, esses são a ameaça e o risco reais daquele que visa servir a outros sendo seu presidente. Enquanto assim se abre a visão para o pano de fundo da sedução demoníaca, o catálogo de virtudes perde sua limitação helenista e o sabor pequeno-burguês resultante da apreciação meramente superficial.
Hans Bürki. Comentário Esperança Cartas aos I Timóteo. Editora Evangélica Esperança.
Esta determinação lembra uma situação nos procedimentos de nosso Senhor com seus seguidores, relatada em Lucas 10.17-20. Os setenta haviam acabado de voltar de sua missão designada e estavam exultantes com o fato de que “até os demônios se nos sujeitam”. JESUS não reprovou imediatamente o orgulho espiritual principiante, mas observou um tanto enigmaticamente: “Eu via Satanás, como raio, cair do céu”. E completou: “Eis que vos dou poder [...] [sobre] toda a força do Inimigo. [...] Mas não vos alegreis porque se vos sujeitem os espíritos”. Foi o orgulho que custou a Lúcifer o seu lugar nas hostes celestes, e esta foi a condenação do diabo. O ministro cristão tem de estar atento para que o orgulho não o compila a participar desta condenação.
Resta ainda uma especificação final para aquele que deseja servir na posição de bispo ou líder: Convém, também, que tenha bom testemunho dos que estão de fora, para que não caia em afronta e no laço (“armadilha”, NTLH) do diabo (7). O ministro cristão tem de inspirar o respeito e a confiança da comunidade fora da igreja, caso deseje ganhar as pessoas dessa comunidade para a igreja. E fácil dizer: “Não me importo com o que as pessoas pensem de mim”; e contanto que essa atitude seja devidamente planejada e corretamente compreendida, justifica-se. Mas ninguém deve ser indiferente à sua reputação na comunidade em que vive. Ele deve desejar veementemente que as pessoas o considerem inteiramente acima de repreensão. Ver a questão de outro modo, diz Paulo, é expor-se à mesma armadilha que aguarda o indivíduo cujo espírito está arruinado pelo orgulho espiritual.
J. Glenn Gould. Comentário Bíblico Beacon. Editora CPAD. Vol. 9. pag. 472.
I Tm 3.7. Como líder e representante do seu rebanho, o superintendente deve ter bom testemunho dos de fora, i. é, entre os não-cristãos, judeus e pagãos, na localidade. É sempre importante para os cristãos, conforme Paulo frequentemente impressionava sobre seus correspondentes (1 Co 10:32; Fp 2:15; Cl 4:5; 1 Ts 4:12; também 6:1; Tt 2:5) ter este alvo, e isto se aplica especialmente aos clérigos, por cujo caráter e conduta o mundo tende a julgar a igreja. O pastor que fracassa com respeito a isto está propenso a cair no opróbrio, visto que os de fora que têm antipatia pela igreja aplicarão a interpretação mais desfavorável à sua mínima palavra ou ação. Neste caso, é bem possível que ele caia no laço do diabo. Esta última frase poderia sei traduzida “aimadilha armada pelo caluniador”, e esta tradução às vezes tem sido aceita. Deve ser objetado, no entanto, que isto não somente dá a diabolos (no singular) um sentido muito improvável, como também acrescenta pouco ou nada a cair no opróbrio. Do outro lado, o quadro do diabo armando laços para desacreditar o superintendente, e através dele a igreja, está em harmonia com 2 Tm 2:26, e também com o conceito geral das suas atividades exposto nas Pastorais.
John Norman Davidson Kelly. Introdução e Comentário. I, II Timóteo e Tito. Editora Vida Nova. pag. 81.
I Tm 6.11 Ó homem de DEUS: antes de recorrer a paralelos helenistas é preciso considerar que a locução é conhecida na tradução grega do AT: para Moisés, para um profeta desconhecido, para Davi, o rei ungido. O homem de DEUS é o pneumatikós, que está pleno do ESPÍRITO de DEUS. Uma comparação com 2Tm 3.17 sugere ver no “homem de DEUS” o exemplo de todos que, dotados do ESPÍRITO, igualmente são “pessoas de DEUS”. Pessoa de DEUS (QI 31a) contrasta com pessoas do “deus Mamom”, com pessoas do deus estômago. Compare-se também “homem da iniqüidade”, “filho da perdição”.
Foge dessas coisas: talvez se tenha em vista todos os vícios listados em 1Tm 6.4s ou em especial o amor ao dinheiro. Fugir, escapar, buscar a salvação na fuga parece ser covarde e não-heroico. Foi assim que agiram os discípulos, quando abandonaram a JESUS: fugiram. O mau pastor foge diante dos lobos vorazes. Entretanto, diferente é a questão na esfera moral. Aqui a fuga pressupõe uma determinação máxima. JESUS escapa daqueles que queriam transformá-lo em rei. Fugir contém o sentido: tomar distância, evitar, abster-se, retirar-se, recear. Idolatria, avidez, dissolução, são poderes a cuja atração demoníaca somente se pode resistir através da decidida fuga sem olhar para trás. Somente fugindo para DEUS e submetendo a impotência pessoal e todos os poderes à potente mão de DEUS é possível resistir ao diabo pela fé. Fugir de uma casa em chamas não é covardia, mas ação imediata e corajosa. Foge – corre atrás! Não é assim que escreve alguém que pensa em acomodar-se. A sagrada premência impele para a decisão.
Corre atrás!
Parágrafo após parágrafo da carta refuta a insustentável alegação de que nas pastorais é possível notar uma “conotação de acomodação”, um “afrouxamento da energia da fé”. Muito pelo contrário: a carta nos diz que é necessária a fuga decidida da voragem destruidora e do fascínio de poderes demoniacamente intensificados, bem como a corrida igualmente decidida atrás do bem. Ficam excluídas a vida e a acomodação neutras entre as duas alternativas. O discipulado não se transformou em um aprazível passeio, mas em uma corrida que requer empenho máximo (QI 15d).
Atrás da justiça: na acepção mais ampla, o que é reto perante DEUS e os humanos, porém não a virtude produzida pelo próprio ser humano, mas o fruto educativo da graça naqueles que foram redimidos para formar o povo da propriedade dele. Posicionada no começo, a palavra justiça com certeza possui o sentido absoluto, usual em Paulo, da justiça concedida e efetuada por DEUS mediante a fé.
Atrás de beatitude: A devoção não representa uma posse sólida, adquirida de uma vez por todas. Somente quem se exercita constantemente nela (1Tm 4.7), que corre atrás dela, é inserido por meio dela no mistério de DEUS que abarca o tempo e a eternidade (1Tm 3.16), na verdadeira autarquia (1Tm 6.6), ou seja, na transbordante vida do amor (QI 15).
Fé, amor, paciência: uma comparação com 1Ts 1.3 mostra que a “paciência”, mencionada junto com fé e amor, traz dentro de si a perspectiva e expectativa da esperança (QI 14).
Mansidão: JESUS declara bem-aventurados os mansos e designa a si mesmo de manso. Aquele que escapa de todas as escravizações consegue perseguir, com autêntica liberdade, alvos humanamente dignos. O manso é capaz de lutar corretamente. A “lista de virtudes” não foi acolhida ou compilada aleatoriamente, pois justiça e beatitude, fé, amor, esperança (paciência) e a mansidão que vive da esperança no poder e na intervenção de DEUS visa integralmente a Timóteo. Quando correr atrás dessa realidade de vida determinada por DEUS, ele poderá enfrentar os vícios dos hereges e atuar em sentido construtivo para a igreja. Ao invés de especulações inúteis, de uma devoção extravagante e mentirosa, devem concretizar-se em Timóteo as palavras elementares do Senhor, que levam à convalescença, e por intermédio dele, na igreja que lhe foi confiada.
12 Combate a boa luta da fé: somente com base na profecia oriunda do ESPÍRITO e mediante uma transmissão de poder constantemente ativada a luta pode ser uma luta boa, porque não se trata de uma luta absurda, que leva à derrota temporal ou eterna. O lutador luta a partir da fé e não em busca da fé. Seja na disputa esportiva, seja na guerra: só o lutador que vive na disciplina participa da vitória.
Toma posse da vida eterna: agarrar como troféu da vocação, tomar nas mãos para apropriar-se. Deve agarrá-lo lutando na fé como alguém dotado do ESPÍRITO e chamado para a vida eterna. Agarra a vida eterna! Um imperativo de intensidade máxima, uma convocação para a ação varonil. Agarra agora a vida verdadeira e plena, para a qual DEUS te chamou! Quando, se não hoje? Não corras atrás de uma vida de ilusão.
Sê sóbrio: agarra a vida verdadeira; DEUS ta doou; está aí. Torna-te o que és – um homem de DEUS!
Para a qual foste chamado: forma passiva, um linguajar semita, para evitar o nome de DEUS, ou seja, para não escrevê-lo: para a qual DEUS te chamou. Nem lutar nem correr atrás torna uma pessoa digna da vida eterna.
Quando fizeste a boa confissão perante muitas testemunhas: a confissão não é um ato do passado, mas deve ser proferida de novo agora e até a última hora. A luta da fé é boa, porque a confissão é boa, inclusive quando o mundo a considera com desprezo. Os cristãos tinham de prestar contas de sua fé diante dos juízes seculares. Nessa situação não cabiam especulações nem sutilezas teóricas, estavam em jogo vida e morte. Quem confessava JESUS como seu Senhor colocava em cheque os senhores deste mundo, que demandavam autoridade divina. Por isso não se fala aqui de uma confissão tradicional e corriqueira sem maiores conseqüências. O olhar para JESUS, que se deparava com Pilatos, proíbe qualquer leviandade.
Hans Bürki. Comentário Esperança Cartas aos I Timóteo. Editora Evangélica Esperança.
Fuja e Siga (6.11)
Depois de pintar em cores tão sombrias os males do desejo de lucro, o apóstolo volta a lidar com o bem-estar espiritual de Timóteo: Mas tu, ó homem de DEUS, foge destas coisas e segue a justiça, a piedade, a fé, a caridade (“o amor”, ACF, AEC, BJ, CH, NTLH, RA), a paciência, a mansidão. Paulo não poderia ter feito apelo mais eloqüente que este no qual ele distingue Timóteo como homem de DEUS. Esta era a descrição habitual dos servos de DEUS no Antigo Testamento. Ao usar esse título, o apóstolo fala da dignidade, da responsabilidade sublime e solene do cargo que Timóteo mantinha e que é mantido igualmente por todo líder cristão. A determinação de Paulo é: Foge destas coisas. O significado não é fugir somente da sedução das riquezas, mas de todas as atitudes más que foram expressas desde o capítulo 4. Há uma antítese interessante na ordem de fugir destas coisas e, de outro lado, seguir as virtudes particularmente designadas. É uma lista notável de virtudes que Paulo quer infundir. A lista começa com justiça, a mais inclusiva das virtudes; significa dar a DEUS e aos homens o que lhes é devido. As três virtudes seguintes formam um grupo dirigido a DEUS. Piedade é a consciência reverente que tudo na vida é vivido na presença e sob os olhos de DEUS. Fé é a fidelidade que nos mantêm firmes, mostrando lealdade a DEUS em todas as situações. Amor (ágape) é a expressão de gratidão e louvor de nossa alma pela maravilha da graça redentora. Por fim, Paulo infunde paciência e mansidão, que podem ser traduzidas por “firmeza” (CH; “constância”, BAB, RA; “perseverança”, NVI); e “bondade” (RSY). Estas são as características da vida cristã conforme é vivida em contato e companheirismo com as pessoas. O contraste entre estas virtudes e os males que Paulo denuncia não podia ser mais impressionante.
Milite a Boa Milícia (6.12)
Este versículo nos traz a imagem mental de um treinador instilando coragem e espírito de luta em seu time pouco antes do início de um jogo decisivo: Milita a boa milícia da fé, toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado, tendo já feito boa confissão diante de muitas testemunhas (12). Afigura de linguagem que o apóstolo usa é derivada mais das competições esportivas do século I do que da vida militar. Devemos entender que o verbo milita é a luta agonizante requerida caso a pessoa quisesse vencer uma partida de luta romana. Paulo se servia de analogias visuais, tanto da vida do soldado quanto da do atleta. Todo cristão é chamado a batalhar a luta pessoal contra o mal em todas as suas formas. E, como destaca Kelly, “é de propósito que o imperativo está no presente, indicando que a luta é um processo contínuo. Por outro lado”, continua Kelly, “o imperativo aoristo ‘toma posse’ sugere que Timóteo pode tomar posse da vida eterna (aqui concebida como o prêmio para o evento esportivo) imediatamente e em um único ato”. Assim, o atleta cristão desfruta do prêmio ao mesmo tempo em que ainda se engaja na competição.
Paulo diz que Timóteo foi chamado para esta campanha vitalícia. Na verdade, ele possuía um chamado duplo: o chamado para seguir a CRISTO, que foi selado na confissão pública de fé no batismo; e o chamado para pregar o evangelho, a cuja tarefa ele fora ordenado pelo próprio apóstolo e colegas que o ajudavam. Muitos intérpretes acham difícil determinar a qual destes chamados se refere a frase final do versículo. Esta tradução interpreta que o chamado ocorreu “quando você deu o seu belo testemunho de fé na presença de muitas testemunhas” (12, NTLH). Contudo, seria mais adequado considerar que essa frase final é outra alusão que o apóstolo faz à ordenação que ele freqüentemente menciona (e.g., 4.14).
J. Glenn Gould. Comentário Bíblico Beacon. Editora CPAD. Vol. 9. pag. 497-498.
À medida em que sua carta vem chegando ao fim, Paulo dirige um apelo direto ao próprio Timóteo. A nota fortemente pessoal nele é inconfundível; é forçar demasiadamente a passagem interpretá-la como uma exortação ao pastor típico, e a sobrecarga na passagem fica sendo ainda maior se considerarmos que “Timóteo” representa o discípulo cristão em geral.
11. As palavras iniciais, Tu, porém, são enfáticas; formam uma nítida antítese com alguns no versículo anterior, e talvez também com se alguém em 3. A conduta de Timóteo, e os princípios sobre os quais ele a baseia, devem ser exatamente os opostos daqueles dos bancarrotas morais que acabam de ser descritos. O título homem de DEUS é aplicado a ele deliberadamente. Tem a conotação de que está no serviço de DEUS, que representa a DEUS e que fala em Seu nome, e é admiravelmente apropriado a alguém que é um pastor (cf. 2 Tm 3:17). Uma tentativa tem sido feita, com a ajuda de paralelos de Filo, da literatura hermética, e da Epístola de Aristéias, de dar à expressão um significado semimístico, como se o “homem de DEUS” significasse o cristão batizado em geral. Tais subtilezas, no entanto, são desnecessárias e artificiais, pois “homem de DEUS” é regularmente usado no A.T. para designar os servos e agentes de DEUS; cf. Dt 33:1 e Js 14:6 (Moisés); 1 Sm 9:6 (Samuel); 1 Rs 17:18 (Elias); 2 Rs 4:7 (Eliseu); Ne 12:24 (Davi).
Timóteo, por ser consagrado ao serviço de DEUS, deve fugir destas coisas, i.é, primeiramente o amor ao dinheiro e os males dos quais ele é a causa radical, mas também, sem dúvida, os caminhos falsos e desastrosos que os sectários encorajam. Ao invés disto, deve seguir (“ter como alvo”, um uso bem paulino; cf. Rm 9:30; 12:13; 14:19; 1 Co 14:1; Fp 3:12, 14) a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão. A lista de qualidade é escolhida tendo em vista a necessidade de Timóteo no seu cargo pastoral. Achamos a justiça e a piedade formando um par, na forma de advérbios, em Tt 2:12. A palavra grega para a primeira (dikaiosunè) não significa a justiça no sentido caracteristicamente paulino nem, mais estreitamente, a justiça rigorosa em contraste com a gula e a concupiscência dos sectários. É uma palavra geral para a conduta que é totalmente reta e imparcial com relação a todos os membros da comunidade: cf. 2 Tm 2:22; 3:16. Com piedade (mais uma vez sua palavra predileta eusebeia) Paulo denota uma atitude religiosa devota e inteiramente correta: ver sobre 2:2.
A tríade fé, amor, constância volta a ocorrer em Tt 2:2; também é achada em 1 Ts 1:3. As duas primeiras palavras representam, é lógico, as graças cristãs supremas; tendo em conta a posição especial de Timóteo, como defensor da fé contra o erro e também como delegado apostólico, é muito apropriado que a constância e a mansidão sejam acrescentadas. Aquela palavra é freqüentemente usada por Paulo no sentido de um esforço perseverante; esta (Gr. praüpathia) é um hapax do N.T., mas o Apóstolo estava familiarizado com seu cognato praütès (e.g. 2 Co 10:1;G1 5:22).
Às vezes é argumentado (ver a Introdução, págs. 25,27) que o tratamento aqui de fé e amor, que para Paulo abrangiam a tudo, como sendo virtudes específicas que podem ser catalogadas juntamente com outras, é um traço espalhafatosamente não-paulino. Devemos, no entanto, observar que as duas, sem qualquer indicação de precedência, figuram na lista miscelânea do “fruto do ESPÍRITO” em G1 5:22. A objeção de que “para Paulo, estas são as dádivas de DEUS, não as realizações humanas” (F. D. Gealy) é igualmente superficial. Se for necessário sermos literais, o próprio Paulo aconselhou os coríntios, com linguagem idêntica, “Segui o amor” (1 Co 14:1). De modo mais geral, a doutrina da primazia da graça não exclui todo o conselho e a exortação.
12. As palavras de desafio que se seguem, Combate o bom combate da fé, trazem à mente o quadro de uma competição de luta-livre ou dalgum outro evento de atletismo; conforme procura ressaltar nossa tradução: “Desempenha tua parte na nobre competição da fé”, a metáfora é tirada do esporte, e não da guerra. Para o uso das analogias do esporte, da parte de Paulo, ver sobre 4:7;cf. também 1 Co 9:24ss.; Fp 2: 16; 3:12-14; 2 Tm 4:7. Paulo o chama o combate da fé, ou porque é a luta que a fé verdadeira empreende contra o erro, ou, mais provavelmente, porque tem em mente “a guerra pessoal contra o mal à qual todo cristão é conclamado” (J. H. Bernard). O imperativo está deliberadamente no tempo presente, o que indica que a luta será um processo contínuo.
Do outro lado, o imperativo no aoristo Toma posse sugere que Timóteo pode apoderar-se da vida eterna (aqui concebida como sendo o prêmio para o evento atlético) imediatamente, num único ato. Destarte, é alguma coisa que o cristão que leva a sério as exigências da sua fé pode desfrutar em certa medida aqui e agora. Não há contradição entre isto e o ensino de Paulo noutros lugares. Se em Rm 6:22 e G1 6:8 fala da vida eterna como sendo uma bênção que o crente fiel ceifa no fim, há outras passagens (e.g. Rm 6:4; 2 Co 4:10-12; Cl 3:3-4) em que concebe da nova vida em CRISTO como sendo uma realidade presente.
Duas razões obrigatórias porque Timóteo deve empreender-se nesta luta vitalícia são (a) que DEUS e (b) que publicamente reconheceu e aceitou aquela chamada. Quanto, à chamada de DEUS, cf. 1 Co 1:9; 2 Ts 2:14. A ocasião em que Timóteo a aceitou foi quando fez a boa confissão, perante muitas testemunhas. Esta expressão às vezes tem sido explicada como sendo uma referência ou à sua ordenação ou à sua corajosa confissão de CRISTO ao ser perseguido e arrastado diante dos magistrados civis (cf. Hb. 13:23 para uma menção da sua prisão). A primeira não é especialmente apropriada para o contexto, que diz respeito à chamada de Timóteo para ser cristão (este é, por certo, o significado de ser chamado para a vida eterna), não para ser ministro de DEUS. De qualquer maneira, não temos razão para supor que uma solene confissão de fé em CRISTO fosse exigida na ocasião da ordenação de um ministro: nenhum indício disto aparece nos relatos antigos do rito. A segunda explicação parece ainda menos apropriada, pois um comparecimento diante de um magistrado dificilmente pode ser chamada uma convocação à vida eterna. Além disto, se Timóteo tivesse sofrido desta maneira, e se mostrasse corajoso, teríamos esperado alguma alusão mais direta ao assunto nas cartas, especialmente tendo em vista que elas tendem a ressaltar a sua timidez. Talvez o único pormenor a favor desta exegese seja o paralelismo com o v. 13, que possivelmente (mas ver abaixo) relembre o julgamento de CRISTO diante do governador romano. Embora isto sugira, no entanto, que as duas confissões sejam paralelas, é desnecessário procurar um paralelismo rigoroso nas situações também.
Muitos mais plausível do que qualquer destas interpretações é aquela que identifica a boa confissão de Timóteo com a profissão de fé que fez no seu batismo. Esta, acima de todas, era a ocasião em que se podia dizer que o cristão aceitou a chamada à vida eterna, e na igreja primitiva este sacramento era administrado publicamente diante da congregação reunida, i. é, perante muitas testemunhas. Desde os tempos mais antigos, seu clímax era uma solene afirmação de fé por parte do candidato, e Paulo quase certamente está citando semelhante afirmação, ou uma seleção de uma delas, quando escreve (Rm 10:9): “Se com a tua boca confessares (o verbo que emprega, Gr. homologein, é o cognato do subs. homologia traduzida confissão aqui) a JESUS como Senhor, e em teu coração creres que DEUS o ressuscitou dentro os mortos, serás salvo.” Nenhum argumento pode ser trazido de 2 Tm 3:15 contra esta exegese, porque, embora este trecho revele que Timóteo tinha sido instruído nas Escrituras desde a infância, não dá a entender de modo algum que tivesse sido batizado na infância, o que, em quaisquer circunstâncias, é extremamente improvável. O fato de que Paulo coloca o artigo definido antes de a boa confissão confirma que está falando de uma fórmula que tem um caráter reconhecido e oficial.
John Norman Davidson Kelly. Introdução e Comentário. I, II Timóteo e Tito. Editora Vida Nova. pag. 131-134.
3. Comprometidos com a Palavra.
I Tm 3.2 O presidente, pois, deve ser irrepreensível. Essas palavras não instituem o presidente nem seu ministério, mas o pressupõem, e isso sem qualquer ênfase, como em Fp 1.1. Em primeiro lugar se falou do “sacerdócio de todos os fiéis” (cap. 2) e agora de seus servos, em plena concordância com 1Co 3.5. Podemos chamar a lista subseqüente de “catálogo de virtudes”, em contraposição ao chamado “catálogo de vícios”. Chama atenção que não se fazem exigências especiais, exceto, talvez, de “apto para ensinar”. Pelo contrário, enumeram-se atitudes práticas e cotidianas que precisam ser consideradas “elementares” para todos os cristãos. Por que, no entanto, escrever acerca delas mesmo assim? Essa lista ou outras similares nas past só podem ser descartadas depreciativamente como “moral burguesa” ou “ética cristã mediana” se ignorarmos como tudo está fundamentado e como as coisas elementares são e continuam sendo necessárias para a fé.
Quando as coisas elementares não são constantemente renovadas e redirecionadas em direção ao que é fundamental (a base) e final (o alvo, a consumação, em grego, o eschaton), rapidamente surgem enredamentos e descaminhos igualmente elementares, arrastando consigo o indivíduo e a sociedade. É preciso ver as orientações das past diante do pano de fundo de uma indomável correnteza de “anomia” na sociedade e igreja.
Irrepreensível não significa simplesmente gozar de boa fama, mas ter um testemunho justificadamente bom. A crítica e as acusações não devem encontrar pontos vulneráveis para seu ataque. Aparentemente a palavra designa o comportamento abrangente, fundamental para tudo o que segue. JESUS frisa a importância do bom testemunho, como também ocorre em geral no NT. Nessa questão é decisivo que o bom testemunho seja reconhecido e fornecido pelos que não fazem parte da igreja. “Vossa conduta seja decorosa aos olhos dos estranhos.” Essa exortação da carta mais antiga de Paulo coincide integralmente com a exigência de ser irrepreensível, o que não pode ser questionado nem mesmo por observadores críticos e hostis. Um modo de vida desses só é viável a partir do “mistério da fé, preservado em uma consciência pura”. Essa é a origem e a renovação de toda a autêntica irrepreensibilidade. Representa o oposto tanto do comportamento anti-social como da exagerada adaptação pacata a todos e a tudo.
Marido de uma só mulher. O presidente deve ser exemplarmente casado. Não se espera o celibato dos servidores da igreja, mas que tenham plena capacidade matrimonial e sejam modelos no casamento. A melhor “escola matrimonial” acontece por “exemplos matrimoniais”. Presidentes e diáconos devem ser casados uma única vez; isso aponta em 3 direções:
1) Acerca da profetiza Ana lemos que era virgem até se casar. Quando o marido morreu após 7 anos de casamento, ela passou a viver sozinha até idade avançada (84 anos), servindo a DEUS. De acordo com a palavra profética permaneceu fiel ao “noivo de sua mocidade”.
2) Conforme as palavras do Senhor a monogamia é o alvo original, estabelecido por DEUS, do relacionamento entre homem e mulher. Se os próprios gentios chamam atenção para isso e os cristãos aspiram ao amor e à fidelidade no matrimônio, quanto mais isso deveria valer, então, para aqueles que se “apresentam em todas as coisas” (logo também no casamento) como “exemplo de boas obras”.
3) A interpretação aqui fornecida possui relevância justamente com vistas à prática do divórcio, que naquela época se alastrava com força, e do correlato recasamento de pessoas divorciadas, seja entre gregos, seja entre judeus.
A expressão única pode ser mantida em forma tão genérica pelo fato de que deve caracterizar de forma abrangente a atitude básica fundamental da castidade em todas as situações. O casto não reprimiu sua sexualidade, mas a tornou íntegra, porque castidade é alegrar-se com a sexualidade respeitando os limites do respeito.
Sóbrio (nephalios) vale tanto para mulheres como para homens idosos. O verbo correspondente já é utilizado por Paulo em sua carta mais antiga: “Não durmamos como os demais, mas vigiemos e sejamos sóbrios.” Ser sóbrio faz parte da oração e da vigilância e diz respeito a uma contenção de orientação escatológica diante de todo tipo de fanatismo, embriaguez, dissoluções no pensar, sentir e agir.
Quem reconhece a verdade em DEUS torna-se sóbrio diante do delírio do pecado, para viver uma vida reta.
Sensato (sophron): assim como o adjetivo “sóbrio”, também ocorre somente nas past, mas o termo é usado como verbo na carta aos Romanos: cada qual deve pensar com moderação, ser sensato, segundo a medida da fé que DEUS repartiu a cada um. Quem é temperante possui uma medida correta de auto avaliação, um sentido para o que é real. É compreensivo. Depois de ser curado, o homem antes possesso está tranquilamente assentado, está vestido e em perfeito juízo. O temperante é espiritualmente saudável. “O fim de todas as coisas está próximo, sede, portanto, criteriosos e sóbrios a bem das vossas orações!” Ambas as palavras – sóbrio e temperante – possuem um viés escatológico, e o fato de aparecerem juntas serve para enfatizar isto. Quem está embriagado e alimenta sonhos devotos a respeito de si mesmo e do mundo não consegue orar de fato, porque orar é justamente o contrário de fugir da chamada “realidade” para um mundo onírico. Vale o contrário: quem ora acorda para a verdadeira situação, e quem está alerta ora de olhos abertos. É disso que resultam as boas obras.
Digno (kosmios): sensato e digno (como em 1Tm 2.9 para as mulheres!) pode ter aqui o sentido de cortês, solícito, o que no entanto não deve ser entendido como cortesia artificial, que visa as aparências, porque isso representaria uma contradição com sóbrio e sensato. Realmente cortês é aquele que ao avaliar a si mesmo e a todas as coisas de forma sensata e de acordo com a perspectiva de DEUS, acordou para as necessidades daqueles aos quais serve.
Hospitaleiro: em outras ocasiões Paulo também exorta as igrejas para que cuidem das necessidades dos santos e pratiquem a hospitalidade. Nos escritos do NT lemos a respeito de cristãos que são viajantes e também comerciantes; outros são perseguidos e precisam fugir para outras cidades. Os apóstolos e seus colaboradores viajavam de localidade em localidade, dependendo para isso da acolhida solícita nas casas dos crentes. Para as reuniões da igreja e para os que estavam em trânsito as casas das famílias dos fiéis representavam o alojamento propício. Tudo isso torna necessária a exortação de que não se esqueçam da hospitalidade. Mais tarde é preciso proteger a hospitalidade contra os abusos de andarilhos itinerantes e “irmãos estranhos”.
Hoje quem viaja por países em que os cristãos são perseguidos ou representam uma minoria sabe o que significa e custa a hospitalidade. Mas também onde os cristãos são maioria na sociedade, mas as formas eclesiásticas não são (mais) marcantes e formadoras de comunhão, a cordial liberalidade das famílias que creem em CRISTO em relação a visitantes, conhecidos e desconhecidos, constitui o nervo vital para uma igreja que irradia para dentro do mundo. A abertura hospitaleira não é uma palavra em favor, mas contra o aburguesamento, porque o burguês se isola e se fecha em seu castelo, ainda que seja apenas uma pequena moradia alugada no mesmo edifício com outros 10 ou 100 inquilinos. O burguês não gosta de se colocar a caminho, nem gosta de ser incomodado por inconstantes. A vida de gueto de muitas comunidades eclesiais tem por correlação a vida na reclusão caseira e na privacidade de seus membros. Os servidores da igreja, porém, devem ser exemplos no matrimônio e na família pelo fato de serem abertos e livres para o hóspede.
Apto para ensinar (didaktikos): em todo o NT o termo ocorre somente aqui e em 1Tm 3.2. O seu sentido é descrito exaustivamente em Tt 1.9: o presidente deve “apegar-se à palavra confiável e conforme a doutrina, para que seja capaz de, pelo reto ensino, exortar bem como convencer os que o contradizem”. Deve estar aberto para questões doutrinárias, capaz de formar sua própria opinião e instruir a outros. Precisa discernir entre o que é importante e o que leva a descaminhos, entre doutrina verdadeira e falsa, saudável e doentia e ser capaz de ensinar e transmitir corretamente o que é apropriado em cada caso.
Do presidente espera-se capacidade de ensinar, do diácono não. Não se pode concluir disso que ensinar seja atribuição exclusiva do presidente, nem é possível obter aqui uma base para o posterior “magistério” católico-romano. Porque conforme 2Tm 2.2 Timóteo deve transmitir o evangelho a “pessoas fiéis”, não especificamente apenas presidentes, que serão capazes de novamente ensinar a outras. O ensino ministrado por mestres específicos somente tem sentido sob a premissa de que todos são capazes de se instruir e exortar mutuamente. No entanto, só se pode esperar isso deles quando e porque eles próprios são “ensinados por DEUS”. Ademais, 1Tm 5.17 deixa explícito que a presidência não era exercida por uma pessoa sozinha, e que nem todos que presidiam ou eram presbíteros também ensinavam.
Os presidentes tinham de ser exemplos no ensinar, não para aliviar outros desta tarefa, mas capacitando-os para isso. Na escola o professor de matemática deve instruir os alunos para que saibam solucionar pessoalmente tarefas de matemática. Não deve resolver a tarefa por eles, e nem todos os alunos devem tornar-se matemáticos ou professores de matemática.
Hans Bürki. Comentário Esperança Cartas aos I Timóteo. Editora Evangélica Esperança.
I Tm 3.2. Tendo ressaltado que o cargo vale a pena, Paulo logicamente pode insistir que É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, etc. A tradução tradicional de bispo para o Gr. episkopos deve ser rejeitada como enganadora. O episcopado posterior, baseado no conceito de um só bispo presidindo em cada área e tendo completa autoridade sobre ela em todos os departamentos, desenvolveu-se dos “superintendentes” do século I, mas há diferenças tão importantes entre os dois cargos que parece desejável empregar termos distintos para eles. No N.T. fora das Pastorais, episkopos é achado somente em Fp 1:1; At. 20:28; e 1 Pe 2:25 (com referência a nosso Senhor). No mundo contemporâneo grego, o termo era empregado para denotar uma grande variedade de funções, e.g., inspetores, administradores cívicos e religiosos, oficiais financeiros. Antigamente, muitas pessoas pensavam que a igreja apostólica devia ter tomado o título emprestado deste último uso, visto que o episkopos cristão tinha as finanças da congregação (assistência aos pobres, etc.) sob seus cuidados. Do outro lado, se pudermos confiar nas Pastorais, e se tivermos razão em identificar os “líderes” e “pastores” das demais Paulinas como sendo episkopoi, fica claro que suas responsabilidade abrangiam um campo muito mais largo do que o financeiro somente. Estavam encarregados, por exemplo, das relações externas da igreja, e como representantes dela, hospedavam cristãos visitantes.
Na própria congregação exerciam um ministério magisterial e pastoral, e tinham autoridade para disciplinar membros. De modo geral, presidiam sobre seus negócios como um pai cuida da sua família e do seu lar. É, portanto, interessante que acham seu paralelo mais próximo no “superintendente” (em Hebraico mebaqqer) da comunidade de Cunrã.
Segundo o Manual da Disciplina (esp. 6:10ss. e 19ss.) e o Documento de Damasco (esp. 13:7-16; 14:8-12), estes tinham o dever de ordenar, examinar, instruir, receber esmolas ou acusações, tratar com os pecados do povo, e pastoreá-lo de modo geral. Parece, portanto, mais provável que o termo, bem como o sistema administrativo que representava, tenha entrado na igreja a partir do judaísmo heterodoxo.
A despeito do seu uso no singular tanto aqui quanto em Tt 1:7, é extremamente provável que “o superintendente” deve ser entendido genericamente, e que uma pluralidade de tais oficiais é pressuposta. Esta ideia é apoiada não somente pelos paralelos em Fp 1:1 e At 20:28, como também pela posição intercambiável, ou pelo menos parcialmente coincidente, dos superintendentes com os presbíteros (cf. 5:17; Tt 1:5-7). De qualquer maneira, não há sugestão do episcopado “monárquico” posterior nestas cartas. O singular pode ter sido sugerido pelo singular alguém no v. 1 supra. Quanto à predileção de Paulo pelo singular genérico, cf. sua discussão das viúvas em 5:4-10, onde fala de “a viúva,” etc., a despeito de ter o plural em 5:3.
A lista de qualidades que se segue às vezes tem surpreendido os leitores pela sua generalidade; até mesmo tem sido dito, de modo algo injusto, que não contém nada de especificamente cristão, e muito menos adaptado a um ministro cristão. Dois comentários podem ser feitos.
Primeiramente, paradigmas análogos de virtudes e vícios, preparados para vocações diferentes (e.g., governantes, generais, médicos) eram populares no mundo contemporâneo helenístico e judaico-helenístico, e estes, também, eram colocados em termos surpreendentemente gerais.
A influência de tais paradigmas pode ser discernida noutros lugares do N.T., inclusive nas cartas de Paulo (e.g. 3:18 - 4:1; Ef 5:22 — 6:9). O , fato de que está modelando seu conselho sobre eles, aqui, e noutros lugares nas Pastorais, explica suficientemente seu estilo aparentemente chão e sem colorido. Mas, em segundo lugar, este aspecto tem sido grandemente exagerado. Cada uma das qualidades exigidas era apropriada num superintendente, e algumas delas tinham relevância direta às suas funções. Se o leitor moderno às vezes é tentado a pensar que Paulo colocou suas exigências em nível surpreendentemente baixo, deve lembrar-se que os padrões de conduta não eram altos na Ásia Menor no século I, que as pessoas para as quais as cartas foram escritas tinham saído recentemente de um ambiente pagão e provavelmente ainda tinham estreitos contatos com ele, e que o Apóstolo era um realista.
O catálogo começa com um requisito que a tudo abrange; o superintendente deve ser irrepreensível. Ou seja: não deve apresentar nenhum defeito óbvio de caráter ou de conduta, na sua vida passada ou presente, que os maliciosos, seja dentro, seja fora da igreja, possam explorar para desacreditá-lo. Em especial, sua vida sexual deve ser exemplar, e os mais altos padrões devem ser esperados dele: deve ser casada uma só vez. O novo casamento seja depois do divórcio no caso de um pagão convertido, ou depois do falecimento da sua primeira esposa, é censurado como sendo impróprio num ministro de CRISTO. £ igualmente proibido aos diáconos (3:12) e aos presbíteros (Tt 1:6), e conta como uma desqualificação nas aspirantes à ordem das viúvas (5:9).
Este é o significando claro de esposo de uma só mulher. Alternativas propostas como interpretações são (a) que as palavras são dirigidas contra manter concubinas ou contra a poligamia, i.é, ter mais de uma só esposa de uma vez - sugestões estas que são extremamente improváveis, visto que nenhuma destas práticas pode ter sido uma opção real para qualquer cristão comum, é muito menos para um ministro; (b) que meramente estipulam que o superintendente seja um homem casado — isto está em harmonia com o alto valor que a carta atribui ao casamento (4:3), mas é muito improvável em si mesmo, e de qualquer maneira torna sem sentido a palavra uma só enfática em Grego; (c) que o objeto é meramente preceituar a fidelidade dentro do casamento, tratando-se de “não cobiçar outras mulheres senão sua esposa” — mas isto é extrair do Grego mais do que o texto pode suportar. Quanto a esta questão, bem como em tantos outros assuntos, a atitude da antiguidade era marcantemente diferente daquilo que prevalece na maioria dos círculos hoje, e há evidências abundantes, tanto da literatura quanto das inscrições funerárias, pagãs e judaicas, que permanecer solteiro depois da morte da cônjuge ou do divórcio era considerado meritório, ao passo que casar-se de novo era considerado um sinal de autoindulgência.
Paulo certamente compartilhava deste ponto de vista, e embora permitisse a uma viúva que se casasse de novo, estimava-a mais bem-aventurada se se abstivesse de um segundo casamento (1 Co 7:40). De modo geral, embora se opusesse ao ultra ascetismo que desconsiderava o casamento e que aplaudia façanhas de abnegação (cf. e.g., sua crítica das “uniões espirituais” em 1 Co 7:36-38), tinha grande respeito pela abstinência sexual completa, considerando-a um dom de DEUS, e também sustentava que o controle-próprio periódico dentro do casamento era de valor espiritual (1 Co 7:1-7). No contexto de táis pressuposições era natural esperar que os ministros da igreja fossem exemplos a outras pessoas e que se satisfizessem com um único casamento. Nos primeiros séculos cristãos, devemos notar, o segundo casamento não era totalmente proibido, mas era considerado com nítida desaprovação. O superintendente deveria, além disto, ser temperante, palavra esta (Gr. néphatíos; no N.T. somente aqui e em 3:11; Tt 2:2) que originalmente denota a abstinência do álcool, mas que aqui, visto que a bebedice é expressamente estigmatizada no versículo seguinte, provavelmente tem o significado mais amplo e metafórico. Este sentido está em harmonia com o uso de Paulo do verbo relacionado néphõ em 1 Ts 5:6 e 8;cf. 1 Pe4:7.
Os dois adjetivos seguintes, sóbrio (Gr. sõphrón; talvez tenha a mesma nuança que o subs correlato em 2:9) e modesto, ressaltam traços essenciais no caráter e no comportamento do superintendente respectivamente, ao passo que o terceiro, hospitaleiro, sublinha que na sua capacidade oficial, tem o dever de manter sua casa franqueada tanto para os delegados que viajavam de igreja em igreja quanto para os membros comuns da congregação que estavam necessitados. Cf. as instruções de Paulo aos seus correspondentes (Rm 12:13): “compartilhai as necessidades dos santos; praticai a hospitalidade.” Este serviço mútuo, ao mesmo tempo caridoso e diplomático, desempenhava um papel importante na vida diária da igreja primitiva, conforme fica abundantemente atestado (5:10; Hb 13:2 1 Pe 4:9; 3 Jo 5ss.; 1 Gem. 1:2; Hermes, Mand. 8:10), e cabia primariamente ao superintendente (Tt 1:8).
Outro aspecto importante nas funções de um superintendente é indicado no pedido de que seja apto para ensinar. Os superintendentes provavelmente devam ser identificados com aquele grupo dentro do corpo dos presbíteros “que se afadigam na palavra e no ensino” (5:17, onde ver a nota). Estes deveres estão mais plenamente especificados em Tt 1:9, sendo que consistem em: (a) lealdade à tradição apostólica, (b) disposição para instruir nela a congregação, e (cj vigilância em confundir os que a pervertem.
John Norman Davidson Kelly. Introdução e Comentário. I, II Timóteo e Tito. Editora Vida Nova. pag. 75-78.
Qualificações do Bispo (3.2)
Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar. No total, há 15 qualificações estipuladas pelo apóstolo, sete das quais ocorrem no versículo 2. E importante que a primeiríssima destas seja a irrepreensibilidade. O significado da palavra é “acima de repreensão”, “de reputação irrepreensível” (cf. CH), “de caráter impecável”, “que ninguém possa culpar de nada” (NTLH). Por qualquer método que avaliemos, esta é a virtude mais inclusiva que aparece na lista. Significa que o líder na igreja de CRISTO não pode ter defeito óbvio de caráter e deve ser pessoa de reputação imaculada. Dificilmente se esperaria que não tivesse defeito, mas que fosse sem culpa. E apropriado que o ministro seja julgado por um padrão mais rígido que os membros leigos da igreja. Os leigos podem ser perdoados por defeitos e falhas que seriam totalmente fatais a um ministro. Há certas coisas que um DEUS misericordioso perdoa em um homem, mas que a igreja não perdoa no ministério deste. A irrepreensibilidade do candidato é requisito no qual devemos ser insistentes hoje em dia, como o foi Paulo no século I.
O líder da igreja deve ser exemplar especialmente em assuntos relativos a sexo. Este é o destaque da segunda estipulação do apóstolo: Marido de uma mulher (2). Trata-se de precaução contra a poligamia, que gerava um problema sério para a igreja cujos membros eram ganhos para CRISTO vindos de um paganismo que tolerava abertamente casamentos plurais. Em todo quesito que a igreja com seus altos padrões éticos relativos a casamento confrontar o paganismo de nossos dias, em regiões incivilizadas ou não, a insistência cristã na pureza deve ser enunciada de forma clara e seguida com todo o rigor.
Mas temos de perguntar: A intenção de Paulo era desaprovar o segundo casamento? Alguns dos manuscritos antigos requerem a tradução “casado apenas uma vez” (conforme nota de rodapé na NEB). “Sobre este assunto, como em muitos outros”, comenta Kelly, “a atitude que vigorava na antiguidade difere notadamente da que prevalece em grande parte dos círculos de hoje. Existem evidências abundantes provenientes da literatura e inscrições funerárias, tanto gentias quanto judaicas, que permanecer solteiro depois da morte do cônjuge ou depois do divórcio era considerado meritório, ao passo que casar-se outra vez era visto como sinal de satisfação excessiva dos próprios desejos”.1 E óbvio que em alguns segmentos da igreja primitiva esta era a opinião prevalente, chegando ao extremo último da ordem de um ministério celibatário.
Mas esta não é a interpretação do ensino de Paulo que prevalece hoje. E bem conhecida sua própria preferência da vida solteira em comparação ao estado casado; e há passagens nos seus escritos em que ele recomenda este estado aos outros (e.g., 1 Co 7.39,40). Talvez o melhor resumo da intenção do apóstolo para os nossos dias seja a declaração de E. F. Scott: “O bispo tem de dar exemplo de moralidade rígida”.
As próximas três especificações — vigilante, sóbrio, honesto (2) — têm relação próxima entre si e descrevem a vida cristã ordeira. Moffatt traduz estas qualidades pelas palavras: “temperado [NVI; cf. RA], mestre de si, calmo”. A temperança neste contexto transmite a ideia de autocontrole (cf. CH) ou autodisciplina.
O próximo quesito qualificador é apresentado pelo apóstolo na palavra descritiva hospitaleiro (2). Esta mesma característica é mais detalhada em Tito 1.8: “Dado à hospitalidade, amigo do bem”. Nesses primeiros dias da igreja, esta era uma virtude muito importante. Havia poucos albergues no mundo do século I, e os apóstolos e evangelistas cristãos que eram enviados de lugar em lugar ficavam dependentes da hospitalidade de cristãos que tivessem um “quarto de profeta”, mantido com a finalidade de atender essas necessidades. Em nossos dias de hotéis, expressamos nossa hospitalidade cristã de modo diferente. Mas quando a igreja era jovem, essa hospitalidade era extremamente primordial. O dever e privilégio de ministrá-la recaíam naturalmente sobre o bispo ou pastor. O espírito essencial do ato é tão importante hoje como era outrora.
Igualmente essencial e até mais importante é a sétima qualidade que Paulo menciona: Apto para ensinar (2). Pelo visto, nem todos os pastores eram empregados no ministério de ensino. E o que mostra 5.17: “Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina”. Mas a aptidão para ensinar era rendimento certo para o ministro cristão. Era importante então como é hoje. Sempre haverá indivíduos que possuem maior capacidade nesta ou naquela área que outros, mas certa habilidade para ensinar é de extrema necessidade ao ministério completo e frutífero.
J. Glenn Gould. Comentário Bíblico Beacon. Editora CPAD. Vol. 9. pag. 469-470.

 
ELABORADO: Pb Alessandro Silva.