Escrita - Lição 1, Parábola: Uma Lição Para a Vida, 4Tr18, Pr. Henrique, EBD NA TV

Lição 1, Parábola: Uma Lição Para a Vida
 
4º Trimestre de 2018 - As Parábolas de JESUS: As Verdades e Princípios Divinos para uma Vida Abundante
Comentarista: Wagner Tadeu Gaby, pastor presidente da Assembleia de DEUS em Curitiba (PR)
Complementos, Ilustrações e Vídeos: Pr. Luiz Henrique de Almeida Silva - 99-99152-0454.
AJUDA - Veja http://www.apazdosenhor.org.br/profhenrique/licao1-parabolasdejesus-asparabolasnoensinodejesus.htm
Slides https://www.slideshare.net/henriqueebdnatv/slides-da-lio-14-entre-a-pscoa-e-o-pentecostes-3tr18-pr-henrique-ebd-na-tv
Vídeo -  https://www.youtube.com/playlist?list=PL9TsOz8buX18YhaqEV03ARQ9oJbL1doZV
 
 
 
 
 
 
 
TEXTO ÁUREO
“E sem parábolas nunca lhes falava, porém tudo declarava em particular aos seus discípulos.” (Mc 4.34)
 
 
 
 
VERDADE PRÁTICA
As parábolas são uma forma instrutiva para se ensinar grandes lições, e delas podemos extrair as inspirações e os ensinamentos divinos para a vida cristã.
 
 

LEITURA DIÁRIA
Segunda – Mc 4.33 JESUS ensinava de forma clara
Terça – Mc 4.34 O Mestre ensinava por parábolas 
Quarta – Mt 13.10-12 As parábolas e o Reino de DEUS
Quinta – Mt 13.13-15 Fácil para uns, difícil para outros 
Sexta – Mt 15.15,16 Os discípulos não entendem
Sábado – Mc 4.1,2 JESUS ensina uma multidão
 
LEITURA BÍBLICA EM CLASSE - Mateus 13.10-17
10 – E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que lhes falas por parábolas? 11 – Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do Reino dos céus, mas a eles não lhes é dado; 12 – porque àquele que tem se dará, e terá em abundância; mas aquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. 13 – Por isso, lhes falo por parábolas, porque eles, vendo, não veem; e, ouvindo, não ouvem, nem compreendem. 14 – E neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis e, vendo, vereis, mas não percebereis. 15 – Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviu de mau grado com seus ouvidos e fechou os olhos, para que não veja com os olhos, e ouça com os ouvidos, e compreenda com o coração, e se converta, e eu o cure. 16 – Mas bem-aventurados os vossos olhos, porque veem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. 17 – Porque em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes e não o viram, e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram.
 
Resumo da Lição 1, Parábola: Uma Lição Para a Vida
I – O QUE É PARÁBOLA
1. Conceito.
2. Distinção entre a parábola e outras figuras de linguagem.
3. Aplicação de uma parábola.
II – CONTEXTO SOCIAL E LITERÁRIO
1. Galileia no tempo de JESUS.
2. Jerusalém no tempo de JESUS.
3. Contexto literário: os Evangelhos.
III – COMO LER UMA PARÁBOLA
1. Entendendo a narrativa como a síntese das experiências cotidianas.
2. Procurar as declarações explícitas e implícitas do agir de DEUS no contexto literário.
3. Identificar a aplicação prática da parábola.
 
 
 
 
 
Resumo Rápido do Pr. Henrique da Lição 1, Parábola: Uma Lição Para a Vida
 
INTRODUÇÃO
Nos relatos sobre o ministério de Jesus, não nos é possível demarcar uma separação nítida entre pregação e ensino, tão  entrelaçados que um não pode ser totalmente separado do outro.
Marcos, constantemente descreve Jesus ensinando: Mc.4:1-2; 6:2; 8:31; 9:31; 12:35. Para as multidões que se amontoavam ao redor de Jesus, Ele era mais um mestre do que um profeta. Ele era constantemente chamado "Mestre" ou "rabino" porque seu ensino tinha em si uma autoridade e um poder tal que o diferenciava claramente dos rabinos da época.
Depois da ressurreição, os discípulos e apóstolos foram igualmente pregadores e mestres ( Mt. 28: 19-20; Mc.16:15; At. 5:42 ). Isto evidentemente significa que para os homens que conheciam Jesus pessoalmente, o ensinar e o pregar não eram idênticos, mas interdependentes, ao ponto de um não ser superior ao outro.
Paulo, considerando Jesus a essência da mensagem, também utilizava todos os meios possíveis de comunicação para transmitir suas idéias. Ele pregava e ensinava em todas as igrejas por onde passava.
Assim, constatamos que pregação e ensino fazem parte essencial do ministério de Jesus, da Igreja primitiva e da Igreja dos nossos dias.
Jesus tem consciência de que sua prática é a culminância da história do povo de Israel. Essa consciência é precisamente sua consciência messiânica de ser o revelador pleno e último da vontade do Pai e a vitória definitiva de seu Reino. Esta perspectiva histórica permite que Jesus viva, na encruzilhada das contradições, o tempo do presente singular, tempo do companheirismo, da amizade e da solidariedade horizontal, onde se manifestam a fé, a esperança, o amor e a misericórdia. Jesus toma uma posição radical que lhe vale a morte de cruz, aceita com a coerência que sua prática determina.
Vamos focalizar nosso olhar sobre o cotidiano de Jesus, seus gestos e sua prática pedagógica em seus contatos criadores da vida e da esperança, utilizando para isto seu ensino através de Parábolas.
 
Vamos agora aprender na didática de JESUS, os mistérios de DEUS, revelados de maneira simples através das parábolas que o mestre dos mestres nos transmitiu. Nada de passar à frente de JESUS  e nada de tentar colocar significado em tudo, entreguemos-nos inteiramente ao ESPÍRITO SANTO para que o mesmo nos auxilie na compreensão de tão maravilhosos  ensinos.
As Parábolas possuem relacões, conceitos e valores, indicando as inter-relações de suas unidades constitutivas. 
 
 
Exemplo de Parábolas
 
 
PARÁBOLAS
TÍTULOS
TEXTOS ÁUREOS
ENSINOS
SINOPSES
O QUE FAZER E SER
1
AS PARÁBOLAS NO ENSINO DE JESUS
(Mt 13.34,35)
Introdução e definição teológica das parábolas no ensino de JESUS
Não procurar em cada elemento da parábola em significado espiritual
Receptivo aos ensinos de JESUS contidos nas parábolas
2
COMPREENDENDO A MENSAGEM DO REINO DE DEUS
(Mt 13.11)
 
A parábola do
SEMEADOR
 
É nosso dever prioritário, como seus servos, semear a Palavra de Deus utilizando todos os meios, “a tempo e fora de tempo”, como está dito em 2 Tm 4.2.
É urgente a evangelização mundial, por intermédio da pregação e do ensino da Palavra.
3
A DIFERENÇA ENTRE O JUSTO E O INJUSTO
(Mt 13.38)
A parábola do Trigo e do Joio
coexistência da igreja com o mal no tempo presente
“Vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente”
4
A EXPANSÃO DO REINO DOS CÉUS
(Mt 13.31)
A parábola da SEMENTE DE MOSTARDA
“Crescimento da igreja no mundo”
uma semente tão pequena é capaz de produzir um grande resultado
5
CRISTO, O TESOURO INCOMPARÁVEL
(Mt 6.21)
 
A Parábola do Tesouro Escondido
 
Ensinar sobre o supremo valor do Reino dos céus.
 
Viver realmente felizes aqui na terra, tendo dEle a certeza da vida eterna.
6
LANÇAI A REDE
(Mt 13.47)
A Parábola da Rede
Convivência temporária nesta vida entre os bons e os maus, e a separação final entre eles.
Período em que a humanidade é convocada à salvação.
7
FIDELIDADE E DILIGÊNCIA NA OBRA DE DEUS
(1 Co 4.2)
 
A Parábola dos Talentos
Recebemos algum dom de Deus a fim de usá-lo no progresso do Reino;existem servos infiéis e injustos
Multipliquemos os talentos que recebemos do Senhor Nosso Deus.
8
O GRACIOSO PERDÃO DE DEUS
(Mt 18.21,22)
A Parábola do Credor Incompassivo
A abundância da misericórdia é que deve formar a base da moral cristã
O perdão no âmbito humano é o ato de anularmos a dívida de cometimento de faltas, ofensas, erros e pecados que nosso irmão contraiu de nós, sem jamais lançar isso em rosto, ou ficar lembrando
9
CRISTO, A ROCHA INABALÁVEL
(Sl 127.1)
Na Parábola dos Dois Alicerces
Dois tipos de homens: o sensato e o insensato
Portanto, a obediência é um aspecto fundamental da nossa fé (Tg 1.22-25; 2.14-20).
10
A JUSTIÇA E A GRAÇA DE DEUS
(Mt 20.16)
A Parábola dos Trabalhadores na Vinha
Jesus ensina que a justiça divina não é conforme a capacidade e mérito pessoal (Mt 20.10), mas segundo a sua misericórdia e graça.
Não se trabalha na vinha de Deus visando recompensas ou vantagens. É direito de todos. Pequenos e grandes, pobres e ricos, todos são tratados de igual modo na vinha do Senhor.
11
REALIZANDO A VONTADE DO PAI
(2 Co 7.10)
A Parábola dos dois filhos
Todos foram convidados para trabalhar na vinha de Deus. 1filho- Publicanos, às meretrizes, aos gentios em geral 2filho- Às autoridades religiosas judaicas
Nossas intenções para com Deus serão reveladas principalmente por meio de nosso comportamento.
12
VIGIAI, POIS NÃO SABEIS QUANDO VIRÁ O SENHOR
(Mt 25.13)
A parábola das dez virgens
Vigilância quanto ao iminente retorno de Cristo
Devemos estar sempre preparados e atentos ao grande momento da vinda de Jesus para a Igreja. Você está preparado para este grande dia?
13
AS BODAS DO FILHO DE DEUS
(Mt 22.14)
A parábola das Bodas do Cordeiro
Só participarão das Bodas do Cordeiro, preparadas pelo Pai celestial, os que estiverem com suas vestes adequadas, isto é, trajados com a “justiça dos santos” (Ap 19.8).Rejeição de Israel à obra de Cristo
Não podemos desprezar o convite para as bodas do Cordeiro. Como, porém, aceitar este convite? Recebendo a Cristo como o nosso único e suficiente Salvador.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
I – O QUE É PARÁBOLA
1. Conceito.
É uma narrativa, imaginada ou verdadeira, que se apresenta com o fim de ensinar uma verdade. Difere do provérbio neste ponto: não é a sua apresentação tão concentrada como a daquele, contém mais pormenores, exigindo menor esforço mental para se compreender. E difere da alegoria, porque esta personifica atributos e as próprias qualidades, ao passo que a parábola nos faz ver as pessoas na sua maneira de proceder e de viver. E também difere da fábula, visto como aquela se limita ao que é humano e possível. No A.T. a narração de Jotào (Jz 9.8 a 15) é mais uma fábula do que uma parábola, mas a de Natã (2 Sm 12.1 a 4), e a de Joabe (14.5 a 7) são verdadeiros exemplos. Em Is 5.1 a 6 temos a semi-parábola da vinha, e, em 28.24 a 28, a de várias operações da agricultura. o emprego contínuo que Jesus fez das parábolas está em perfeita concordância com o método de ensino ministrado ao povo no templo e na sinagoga. Os escribas e os doutores da Lei faziam grande uso das parábolas e da linguagem figurada, para ilustração das suas homílias. Tais eram os Hagadote dos livros rabínicos. A parábola tantas vezes aproveitada por Jesus, no Seu ministério (Mc 4.34), servia para esclarecer os Seus ensinamentos, referindo-se à vida comum e aos interesses humanos, para patentear a natureza do Seu reino, e para experimentar a disposição dos Seus ouvintes (Mt 21.45 - Lc 20.19). As parábolas do Salvador diferem muito umas das outras. Algumas são breves e mais difíceis de compreender. Algumas ensinam uma simples lição moral, outras uma profunda verdade espiritual. Neander classificou as parábolas do Evangelho, tendo em consideração as verdades nelas ensinadas e a sua conexão com o reino de Jesus Cristo. http://www.bibliaonline.net/scripts/dicionario.cgi
 
“Parábola, do grego parabolé, significa “colocar ao lado de”, o sentido básico é o de colocar uma coisa ao lado de outra com o objetivo de comparar. A parábola envolve uma contradição aparente apresentada em forma de narração, relatando fatos naturais ou acontecimentos possíveis, sempre com o objetivo de declarar ou ilustrar uma ou várias verdades importantes.
 
 
A- Definição etimológica.
As parábolas de Jesus: vislumbres do paraíso
"Parábola", a forma aportuguesada da palavra grega, parabole, vem de um verbo grego que significa "atirar para o lado". Uma parábola é uma história que coloca uma coisa ao lado de outra com o propósito de ensinar. É uma comparação, colocando o conhecido ao lado do desconhecido. Memoravelmente expressada, ela é "uma história terrestre com um significado celestial".

A palavra grega para parábola ocorre cerca de cinqüenta vezes no Novo Testamento, somente duas vezes fora dos evangelhos (Hebreus 9:9 e 11:19, onde é traduzida como "figuradamente"). Em Lucas 4:23 ela é traduzida "provérbio" (RA2,NVI).  É conhecida característicamente como uma narrativa "um pouco longa ... tirada da natureza ou das circunstâncias humanas, o objeto da qual é dar uma lição espiritual" mas também é "usada como um breve ditado ou provérbio" (W. E. Vine, Expository Dictionary of NT Words, p. 158).
 
B- Definição hermenêutica.
Por causa da incerteza do que exatamente constitui uma parábola, as listas das parábolas de Jesus que têm sido compiladas variam em extensão de acordo com o julgamento do compilador. As listas mais longas incluem tais ilustrações como "o bom pastor" (João 10) e "os dois construtores" (Mateus 7:24-27). As listas mais curtas excluem-nas.

Se não podemos determinar com exata certeza se algumas ilustrações de Jesus merecem ser chamadas parábolas, há algumas coisas sobre parábolas que estão fora de dúvida.
Parábolas não são fábulas ou mitos. Não há elementos irreais ou situações impossíveis nelas. De fato, sua força está em serem absolutamente concebíveis e na plausibilidade das circunstâncias que elas descrevem. Elas falam de situações familiares, da vida real.
As parábolas são mais do que provérbios, ainda que às vezes semelhantes em propósito. Nos evangelhos, os provérbios são referidos às vezes como "parábolas": "Médico, cura-te a ti mesmo" (Lucas 4:23); "Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco" (Mateus 15:14-15); "Ninguém tira um pedaço de veste nova e o põe em veste velha;" "E ninguém põe vinho novo em odres velhos..." (Lucas 5:36-37). Mas um provérbio é caracteristicamente um ditado curto e direto, cujo significado é evidente. Uma parábola tende a ser mais longa, mais envolvida, e o significado não tão facilmente visto.

Jesus, até onde sabemos, não começou a ensinar por parábolas antes do fim do segundo ano de seu ministério público (há uma única exceção, Lucas 7:41-42). Foi na presença de uma imensa multidão próximo do Mar da Galiléia, e suas comparações ilustrativas vieram com um ímpeto que surpreendeu seus discípulos (Mateus 13). Em histórias maravilhosamente concretas e simples, Jesus revelou aos seus seguidores os mistérios do reino do céu. Era apenas o começo. Este é um convite para estudar aquelas narrativas maravilhosas que nos convidam a olhar para o próprio coração de Deus. (por Paul Earnhart).
 
C- A bíblia é um livro rico em parábolas.
Parábolas sempre foram utilizadas como meio de fixar idéias, não era diferente com o povo de Israel, desde os primeiros profetas este povo aprendeu, por meio de parábolas, as advertências de DEUS a respeito de seu comportamento em meio a outros povos.
 
 
2. Distinção entre a parábola e outras figuras de linguagem.
 
Parábolas, Símiles, Enigmas e Alegorias.
A parábola possui diferenças e semelhanças com outras figuras de linguagem. Essas semelhanças, todavia, não devem ser confundidas, pois pode ocorrer o erro de fundir duas figuras distintas. As diferenças notam-se sutilmente. Essencialmente, a parábola é um símile ampliado, ainda que o símile não seja uma parábola.
Símile e Parábola
O símile pode apropriar-se de uma comparação de qualquer gênero ou classes de objetos, uns reais e outros imaginários. A parábola está limitada em seu raio de ação e reduzida às coisas reais. Suas imagens sempre incorporam uma narração que responde com verdade aos atos e experiências da vida humana.
Na parábola, também não se emprega artifício de prosopopéia como na fábula: aves e árvores falantes, feras e árvores reunidas em concílio etc.
Como o enigma, a parábola pode servir para ocultar alguma verdade dos que não possuem introspecção espiritual. Para perceber sua forma figurada, porém, seu estilo narrativo e a comparação formal sempre anunciam a suposta lição moral, ética ou espiritual pretendida.” (BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. RJ: CPAD, 2003, p. 321.) Leia mais Revista Ensinador Cristão CPAD, nº 22, pág. 36.
 
 
3. Aplicação de uma parábola.
 
A- Objetivo didático.
As parábolas de Jesus, veículo fundamental para seu ensino, se inspiram nas mais variadas práticas da vida cotidiana:
Mt. 13:4-8........A parábola do semeador.
Mt. 13:24-30........ A parábola do joio e do trigo.
Mt. 13:33........ A parábola do fermento.
Mt. 13:44....... A parábola do tesouro escondido.
Mt. 13:45........ A parábola da pérola.
Mt.18:10-14.......A parábola da ovelha perdida, etc....
Na verdade, todo o discurso de Jesus é, antes de tudo a explicitação de sua prática. Ele é coerente porque sua prática é o ponto de partida de seu discurso. Esta é uma das razões pelas quais Ele foi rejeitado. A liderança dominadora não conhecia a pedagogia da misericórdia, aquela que, diante dos abandonados e sofridos, começa com atos libertadores.
A prática pedagógica de Jesus exige que a sociedade humana seja colocado ao avesso. Ela só tem sentido na lógica do Reino. Não basta que uma pedagogia se concentre na prática para que venha a merecer o qualificativo de cristã. Para ser cristã é fundamental que esta pedagogia esteja comprometida com os valores do Reino.
 
B- Objetivo teológico.
Como formar em Teologia homens rudes e sem nenhum preparo teológico? Resposta simples: - Coloque-os na escola de JESUS, Ele dá ensino teórico e prático, Ele ensina o que vive e vive o que prega.
As parábolas utilizadas por JESUS infundiu um precioso ensino na m,ente de seus, primeiro discípulos,  e depois, e somente depois de serem discípulos, agora sim, apóstolos. ninguém pode ser primeiro apóstolo e depois discípulo, porém, só se alcança a posição honrada e humilde ao mesmo tempo, de apóstolo, aquele que passou pela escola teológica de JESUS.
 
Por Que JESUS Ensinava Por Parábolas.
Por que Jesus falou em parábolas? Resposta simples e automática: para explicar bem as coisas que ele queria dizer e para que o povo entendesse melhor. Certo? Lamento, mas segundo o que ele próprio disse, está errado. Leia você mesmo a explicação de Jesus para o seu gosto por parábolas:
"É por isso que eu uso parábolas para falar com eles. Porque eles olham e não enxergam; escutam e não ouvem, nem entendem. E assim acontece com eles o que disse o profeta Isaías: "Vocês ouvirão, mas não entenderão; olharão, mas não enxergarão nada. Pois a mente deste povo está fechada: Eles taparam os ouvidos e fecharam os olhos. Se eles não tivessem feito isso, os seus olhos poderiam ver, e os seus ouvidos poderiam ouvir; a sua mente poderia entender, e eles voltariam para mim, e eu os curaria! - disse Deus." (Mt 13:13-15 BLH)
 
A- Esclarecer os mistérios do reino de DEUS aos pequeninos.
A exceção foi os discípulos. Quando ele "manifestou a sua glória, seus discípulos creram nele" (João 2:11). E então Marcos, o evangelista, nos revela que
"usando muitas parábolas como estas, Jesus falava ao povo de um modo que eles podiam entender. E só falava com eles usando parábolas, mas explicava tudo em particular aos discípulos." (Mc 4:33-34 BLH)
Quer dizer, aqueles que creram podiam compreender, porque ele interpretava-lhes o sentido do seu ensinamento.
Assim, iniciamos com uma grande lição sobre essas preciosas parábolas: coisas espirituais são ao mesmo tempo tão simples que podem ser ilustrados com histórias quase infantis. Mas ao mesmo tempo, são tão profundas que só podem ser compreendidas pela fé sincera e pelo coração aberto a ouvir e praticar a voz de Deus.
 
B- ocultar estes mesmos mistérios dos sábios e inteligentes.
Parece estranho que seja justamente pela razão oposta do que parece que Jesus falou por parábolas. Ao invés de ser para que as pessoas entendessem, na verdade era para que NÃO entendessem. Não é intrigante? Não lhe soa estranho? Mas você notou a citação de Isaías que Jesus usou para corroborar sua atitude? Eles não queriam saber. Não tinham ouvidos dispostos a ouvir nem corações inclinados a aprender. Era um povo enfatuado e orgulhoso que, na sua esmagadora maioria não somente descreu dele como finalmente o rejeitou abertamente, a começar dos líderes religiosos.
Para entender o ensino de Jesus, não são necessários anos de seminários ou de estudos acadêmicos. Os fariseus, escribas e sacerdotes eram versadíssimos nas Escrituras. Eram doutores em Bíblia. Podiam esfregar a Bíblia na sua cara e dizer orgulhosamente que conheciam de cor trechos inteiros dos quais talvez você nem tenha ouvido falar. Só que tudo isso não passava de conhecimento teórico. Quando Cristo chegou e revelou-se ao mundo, eles ficaram escandalizados. Todo o seu preparo acadêmico caiu por terra. Não raro é o que acontece com muitos que saem das escolas bíblicas e seminários hoje em dia. Sem generalizar, é claro. Mas tem mais descrente saindo dessas instituições do que entrando.
Outra tremenda lição é que nem sempre a noção correta de quem é Jesus e a compreensão correta do que ele ensina e quer de nós pertence aos mais antigos, aos mais famosos e aos mais poderosos. Isto se mostrou verdadeiro na época de Jesus, na Idade Média, nos avivamentos mundiais e ainda se mostra verdadeiro nas igrejas de hoje em dia. Disse o poeta: "a sabedoria mora com gente humilde". Pessoas simples e iletradas, como os pescadores galileus Pedro, Tiago e João, poderiam calar todo um ilustre Sinédrio quando falassem em nome de Jesus. A eles foi dado conhecer os mistérios do reino.
Qual é a sua atitude diante das Histórias Para a Vida que Jesus contou? Como você se aproxima delas? Isto equivale a perguntar: Por que você vai à igreja? Por que carrega uma Bíblia? Por que canta hinos de louvor a Deus? Por que se diz um cristão? É isto o resultado de uma fé sincera e fervente, de uma compreensão, ainda que turva e fraca, mas correta, de quem Jesus realmente é?
Você pode ser líder, grande, poderoso, famoso, influente, dentro e fora de uma igreja. Se não compreender, através da fé, quem Jesus É, jamais compreenderá o que ele DIZ. Você será sempre daquele time que ouve e não entende, que olha e não enxerga. Será sempre (estou usando o termo bíblico) um tapado. Pode até pregar muito bem, como faziam os fariseus e escribas. Pode escrever coisas bonitas sobre Jesus. Os escribas e saduceus o faziam. Mas vai seguir sendo apenas, com todo o respeito, apenas mais um religioso.
Creia. E permita que sua fé o leve a uma atitude correta em relação a Jesus e ao seu ensino. Isto tem o poder de transformar uma vida.
As parábolas de Jesus podem ter e freqüentemente  têm mesmo, a faculdade de endurecer o incrédulo.  Pois a verdade é que as parábolas de Jesus não encontram paralelo.  As parábolas de outros mestres e moralistas podem, até certo ponto, ser separadas de seus ensinadores.  Porém, Jesus e suas parábolas são inseparáveis. Não compreendê-lo é não compreender as suas parábolas.  Conseqüentemente, para aqueles que não entendem Quem é Ele realmente, ou que ignoram a natureza do dom que Ele veio trazer à humanidade, os mistérios do reino de Deus, por muitas parábolas que venham a ouvir, necessariamente permanece algo misterioso.
 
 
 
 
 
 
II – CONTEXTO SOCIAL E LITERÁRIO

1. Galileia no tempo de JESUS.
JESUS ENTRE SEU POVO E EM SEU TEMPO
Jesus de Nazaré, um judeu entre judeus — "Cristo superou a Lei" — O povo judeu e Jesus
JESUS DE NAZARÉ, UM JUDEU ENTRE JUDEUS
Que tipo de homem era Ele, cuja vinda deveria marcar a maior data na história da humanidade, cujo advento renovou, de uma vez para sempre, a revelação feita a Israel? De que forma se enquadrou Ele, como homem, no padrão dessa nação cujas características procuramos descrever? Quais as razões, derivadas tanto de sua natureza como da de seu povo, que iriam forçar a separação entre eles e provocar o amargo drama em que a mensagem trazida por Ele seria transmitida em toda a sua plenitude? Nenhum livro sobre a vida na Palestina na época de Cristo poderia terminar sem ter considerado essas questões.
Uma única frase fornece a resposta, a frase que Péguy dirigiu ao "povo dos judeus": "Ele era um judeu, um simples judeu, um judeu como você, um judeu entre vocês . .Este é o fato inegável, um fato que um número excessivo de cristãos tem tentado esquecer por muito tempo, mas que uma das obras históricas e exegéticas mais recentes vem tornando cada vez mais evidente. "Jesus Cristo, a quem os cristãos adoram como Deus mas (quem eles também dizem ser) também verdadeiramente homem" era um judeu, um judeu palestino da época de Augusto e Herodes. Ele não era apenas judeu por descendência, pelo seu estilo de vida e hábitos intelectuais, mas sua mensagem espiritual achava-se profundamente enraizada no solo judeu de Israel. "Cujo fato," escreve o padre Lagrange,"de forma alguma diminui a sua origem divina".
Os textos do Novo Testamento não poderiam ser mais categóricos. 0 apóstolo Paulo, ao declarar com orgulho que os israelitas eram seus "compatriotas, segundo a carne", também recorda, como uma verdade evidente por si mesma, que "deles descende o Cristo” "Pois é evidente que nosso Senhor procedeu de Judá,"4 acrescenta a Epístola aos Hebreus. E à sua própria maneira simbólica o apóstolo João repete esta afirmativa no Apocalipse. Os evangelistas escrevem continuamente sobre nosso Senhor como o "filho de Davi"; e dois deles, Mateus e Lucas, dão até mesmo a genealogia deste descendente remoto dos reis que haviam sido a glória do Povo Escolhido.
Jesus, "nascido sob a lei", foi imediatamente integrado na comunidade judaica de acordo com as regras de que já falamos. Ele foi circuncidado no oitavo dia. Seus pais obedeceram a todos os requisitos da Lei, tanto com relação às suas pessoas como à dele. Sua mãe observou os regulamentos estabelecidos na Torá para as mulheres depois de terem dado à luz,e Ele foi apresentado ao Templo, consagrado ao Senhor e remido pela oferta de duas pombas, como qualquer outro primogênito de uma família judia.
O nome recebido por Ele, Yeshua, ou Jesus, do qual Josué é uma outra forma, era um nome judeu bastante antigo, relacionado com Deus, significando "Javé é salvação" ou "Javé nos salva", muito encontrado na Bíblia, não só como o nome daquele famoso juiz de Israel que fez parar o sol em seu curso, mas também como o do autor do livro de "Eclesiástico", que assinou sua obra, quase no final — Jesus, filho de Siraque. Quatro sumo sacerdotes, entre os anos 37 A.C. e 70 A.D.; tiveram esse nome; e, segundo Lucas, um dos ancestrais do Senhor também o tivera. Os nomes dos pais deles eram outrossim tipicamente judeus: aquele famoso patriarca, o administrador do Faraó que estabelecera Israel no Egito, chamava-se José; e Maria era um nome dos mais comuns entre as mulheres judias da época. Os nomes de todos os parentes de Jesus eram judeus: João (Yohanan) seu primo, que seria o Batista; os pais de João, Zacarias e Isabel; e aqueles não mencionados no evangelho mas que se encontram nos escritos apócrifos assim como fazem parte da tradição da Igreja — Ana e Joaquim, seus avós.
Em sua infância, Jesus deve ter sido certamente educado como qualquer outra criança judia; isto é, recebeu uma educação religiosa, aprendendo a ler as Escrituras na Beth ha-Sefer, a escola de sua cidadezinha. Seus pais o ensinaram a ser um israelita piedoso, fazendo com que os acompanhasse desde cedo em suas peregrinações a Jerusalém. O episódio do Menino entre os doutores da Lei, debatendo com eles no Templo, nos diz muito sobre a instrução bíblica por Ele recebida. Por mais sobrenaturais que tenham sido os seus dotes nas ciências teológicas, é razoável supor que um menino de doze anos devesse ter bastante cultura para "surpreender" os rabinos com seus conhecimentos.
Ele com certeza aprendeu o ofício do pai, a carpintaria, e quando adulto, como a maioria dos judeus daquela época, Jesus trabalhou com as mãos, fazendo arados e jugos para os bois. Existe uma tradição, registrada por Justino Mártir no segundo século, que preserva a memória de seus trabalhos. Os seus contemporâneos o viram então usar uma apara de madeira por trás da orelha, que era a identificação especial dos que trabalhavam com madeira; e 0 viram alisando a madeira com um plaina e batendo nela com um malho. A casa em que viveu na cidade de Nazaré, antes de iniciar sua missão e não ter "onde reclinar a cabeça",era sem dúvida uma daquelas habitações humildes, em forma de cubo, como os camponeses da Palestina continuam construindo até hoje. Pode ter também sido em parte uma caverna. Quando a noite caía e chagava a hora de dormir, Ele estendia o tapete que servia de leito para o povo comum, e se enrolava numa coberta ou na sua capa.
A sua aparência física, sobre a qual milhares de pintores exercitariam a imaginação nos séculos futuros, era a de um judeu praticante daqueles dias. Cabelo longo, a barba não era uma exigência necessária, mas certamente usava os cachos laterais (costeletas) que são uma continuação do cabelo nas têmporas e que a lei tornou obrigatórios. Suas roupas eram aquelas usadas por todos: o evangelho fala de sua "túnica sem costura", e pelo episódio da mulher com um fluxo de sangue fica claro que não deixou de usar as quatro borlas de lã nos cantos da capa — aqueles tzitzith que lembram simbolicamente o usuário dos mandamentos do Senhor. Levava nos pés sandálias, como a maioria de seus companheiros.
Sua alimentação, como vemos nos textos, era a mais comum do país. Deve ter comido pouca carne. No evangelho o novilho cevado só é morto em uma ocasião extraordinária, e o cordeiro escassamente é visto na mesa, exceto na Páscoa. O peixe, por outro lado, que, como sabemos, tinha lugar importante na dieta judia,é mencionado com freqüência. Afim de provar aos discípulos que não era um espírito, o Cristo ressurreto comeu um pedaço de peixe na frente deles, nas praias do Mar da Galiléia. O evangelho também menciona com freqüência um outro dos principais alimentos dos judeus — o pão, aquele pão que o Senhor elevaria ao nível de um símbolo sagrado. As bodas de Caná já bastam para mostrar que Cristo bebia sem dúvida aquele vinho pesado e escuro que deve ser misturado com água antes de servir,cujo vinho viria também a partilhar da revelação da Ceia do Senhor. Os hábitos alimentares citados nos evangelhos são sempre muito frugais. Como vimos, a cozinha judia, pelo menos entre os pobres, nada tinha dos elaborados pratos romanos; mas, mesmo assim, a família era regalada com ricas iguarias nos dias festivos; e vemos no evangelho nosso Senhor participando freqüentemente desses banquetes em companhia de seus amigos.
Todos esses costumes, como aparecem nos quatro evangelhos, nos apresentam Jesus como um judeu idêntico em todos os sentidos a qualquer outro homem de sua raça. A linguagem por Ele falada não diferia de modo algum da de seus conterrâneos — o aramaico, que Marcos não hesita em citar, injetando a mesma em seu texto grego, com alguns termos ditos pelo próprio Senhor.19 Quanto ao hebraico, a Íngua litúrgica, a linguagem bíblica, não há dúvida de que também o conhecia, pois fez a leitura de uma passagem das escrituras em voz alta na sinagoga e depois a comentou.    -
Quando iniciou seu ministério, qual o contexto em que o exerceu, e quem foram seus ajudantes, seus colaboradores? O contexto físico foi o da terra judaica, a Palestina que praticamente não deixou apesar de suas muitas viagens. Seus discípulos, os doze apóstolos, eram todos judeus, a maioria deles camponeses e pescadores da Galiléia. Os próprios nomes deles mostram isso: Simão, João, Judas, Levi, que viria a ser Mateus, e os demais. Quando falava, seu estilo mostrava-se de tal forma impregnado com a forma judia de expressão que os ritmos, as repetições harmoniosas e as aliterações da poesia judaica se fazem sentir mesmo, no grego dos evangelhos. Percebemos também em suas parábolas o mesmo tipo de pensamento que produziu o midrash de Israel. Dizer que Ele possuía excelente conhecimento da Bíblia é obviamente inadequado: o texto sagrado formava parte de sua própria mente; Ele o citava a toda hora, e mesmo quando não usava as palavras exatas da Bíblia, com que freqüência se referia a ela e quantas vezes fez harmonizarem-se as suas passagens Alguns de seus ditos mais originais não passam de citações bíblicas brilhando com uma nova luz. Fica claro que este era um hábito mental que devia â sua educação israelita. Basta lembrar como sua mãe, Maria, ao improvisar o "Magnificat" o recitou do começo ao fim baseada em suas memórias do Livro, a tal ponto que este hino esplêndido parece ser um resumo de todos os grandes temas da esperança dos judeus.
Mas não foi somente pelo nascimento, roupas, estilo de vida, amizades e modo de falar que Jesus, como um homem, foi judeu; e tão inteiramente judeu, que tudo que tem sido dito sobre a vida diária de seu povo aplica-se a Ele e permite que formemos uma imagem concreta dEle, em sua época e entre o seu povo. Era também judeu ao reconhecer que seu povo possuía uma missão particular e um destino inteiramente seu. Da mesma forma que seus conterrâneos, Ele era um filho da aliança. E aqui novamente não há dúvida de que podemos sentir a influência da educação materna: todo o conjunto final do Magnificat glorifica "a promessa que ele fizera a nossos pais, Abraão e sua descendência, para sempre". A salvação, afinal de contas, deve vir dos judeus, disse Jesus á mulher samaritana, como se isto fosse uma coisa ordenada. Parece mesmo que pelo menos no início de seu ministério ele desejou limitar a revelação da sua mensagem, "às ovelhas perdidas da casa de Israel", e "não tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos" como se pretendesse enraizar seus ensinamentos firmemente na terra judaica antes da dar-lhes aquele caráter universal que deveria ter num período posterior, quando ordenou aos discípulos que fossem pregar em "todo o mundo, a fim de que todas as nações ouvissem a verdade".
Jesus, um filho da aliança, comportou-se como um judeu praticante, fervorosamente religioso. O evangelho menciona repetidamente sua presença nas sinagogas a fim de ensinar e orar — sente-se que ali ele estava em casa — e quando foi a Jerusalém subiu ao Templo a fim de orar ao Pai. Seu respeito pelo prédio sagrado, o centro da vida religiosa judia, fica evidenciado pela sua indignação contra os que "compravam e vendiam no Templo",que transformaram sua "casa de oração" em um "covil de salteadores". Ele não deixou de celebrar as grandes festas que se salientavam como marcos durante o ano, santificando-o: Ele celebrou a Festa dos Tabernáculos e a da Dedicação;28 e apenas alguns dias antes de sua morte mandou que dois de seus discípulos providenciassem os arranjos para a Páscoa, a fim de poder celebrá-la com eles. Supõe-se erradamente, e muitos fazem isso, que ele rejeitou e condenou todas as observâncias da Lei -Mosaica. Mas não foi assim. Uma conhecida passagem em Mateus declara formalmente: "Em verdade vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um i ou til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus”. Ele referiu-se com grande respeito ao sábado, aquela pedra de toque da observância judia: por exemplo, quando falou do fim do mundo, Ele disse: "Orai para que a vossa fuga não se dê no sábado", por ser proibido viajar nesse dia mais do que a jornada de um sábado ou levar quaisquer pertences. Um dos "ditados não-registrados" encontrado num papiro atribui ao Senhor estas palavras: "Se não guardares o sábado, não vereis o Pai". E se de fato Ele tomou posição contra as observâncias e contra o sábado foi por causa da excessiva importância dada pelos doutores a essas práticas ritualistas, e não por estar em desacordo com o princípio subjacente. Sua atitude é definida na famosa frase: "Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim para revogar, vim para cumprir".
Todos os temas essenciais da fé judia podem ser encontrados nos ensinos de Cristo. Em primeiro lugar, vemos aquele monoteísmo absoluto e imperativo, aquele avanço em direção ao Deus Único que era o orgulho de Israel. Para Jesus, Deus sempre foi "o primeiro a ser servido", como diria Joana D'Arc. Para Ele, como afirmamos antes, o "primeiro de todos os mandamentos" era amar a Deus; e não foi por simples acaso que na resposta ao escriba Ele replicou recitando a Shema: "0 Senhor nosso Deus é o único Deus". Vimos, no entanto, que o grande princípio evangélico, "Ama teu próximo como a ti mesmo", o "segundo mandamento", também tinha suas raízes na tradição israelita. 0 ensino moral de Cristo originava-se também da doutrina fundada por Moisés e desenvolvida pelos profetas, por Jó, o Salmista e Jesus, o filho de Siraque, com o mesmo propósito de tornar a vida espiritual mais interior e impedir que se transformasse numa obediência mecânica a determinados mandamentos. Quantos profetas, desde Isaías até Joel, já haviam dito que o jejum e a penitência ostentosos não bastavam I 0 próprio universalismo cristão está ligado a uma corrente de pensamento judeu que, embora não tenha talvez sido a mais largamente aceita, mesmo assim possuía uma força muito real.34
Embora seja verdade que o Senhor não possa ser tido como membro de qualquer das seitas religiosas que dividiam a comunidade judia, não existe dúvida que Ele concordava com os ensinos às vezes de um às vezes de outro grupo — até mesmo com a doutrina dos fariseus que, por uma leitura superficial do evangelho, parecem ter sido seus inimigos, homens rejeitados imediatamente por ele. Renan exagera quando diz que "o rabino Hillel foi o verdadeiro mestre de Jesus"; mas em muitos assuntos fundamentais, como a parte desempenhada pela Providência no mundo e pela Graça no homem, os conceitos do Senhor estão em conformidade com os dos fariseus. Vimos também quantas semelhanças podem ser apontadas entre a sua doutrina e seu modo de expressá-la, com a dos essênios, como revelado pelos rolos do Mar Morto. Existem até alguns ritos tipicamente cristãos que podem ser associados, embora apenas até um ponto limitado, com os costumes dos monges de Cunrã:por exemplo, aquelas purificações que nos fazem lembrar do batismo de Cristo por João, e aquelas refeições de toda a comunidade que prefiguram a Última Ceia, em relação à qual os textos essênios falam de pão e vinho. Tudo isto situa Jesus e sua mensagem numa estrutura que é tão claramente judia que qualquer consideração de seu pensamento e sua personalidade que não dê crédito às raízes judias de ambos está fadada a cair em erro.
Quando o Filho de Maria veio ao mundo, ele assumiu a função daquele Messias sobre quem as esperanças de Israel se haviam concentrado por centenas de anos; e foi no contexto da "redenção de Israel" que ele tornou conhecida a salvação que trouxe à humanidade. Esse sublime conceito do Redentor jamais teria sido acessível a não ser que uma longa tradição o fizesse surgir e desenvolver-se na consciência da nação a quem fora confiada a vontade expressa de Deus; É preciso perceber perfeitamente os múltiplos elos que ligavam Jesus a seu povo, e reconhecer por completo sua associação racial, intelectual, moral e espiritual com a nação da aliança, a fim de medir até que ponto Ele superou suas idéias fundamentais, e compreender por que não era o Messias esperado por Israel.
CRISTO SUPEROU A LEI
Pois ele não era. Falando de maneira geral, Israel não reconheceu Jesus como o Messias longamente esperado. Apenas um pequeno grupo seguiu-O. Desta recusa resultou o amargo drama em que o breve ministério terreno do jovem Galileu, que havia ensinado a seus discípulos um modo mais perfeito de conhecer e servir a Deus, chegou ao fim.
As razões que podemos atribuir a esta recusa e seus resultados estão também ligadas às suposições básicas do povo judeu, tanto quanto da originalidade fundamental de sua mensagem. Na condição em que Israel se achava por ocasião da vinda de Jesus, seria possível para os judeus aceitarem um ensinamento que, embora profundamente arraigado em sua tradição, ultrapassava de muito sua expressão comum, e até mesmo contrariava suas crenças em alguns assuntos que poderiam ser perfeitamente consideradas como de importância vital?
Acabamos de ver Jesus, em muitas partes de seu ministério, como o herdeiro do pensamento judeu. 0 herdeiro da soma total desse pensamento? Não. Mas de tudo que era mais puro nele, de tudo que era mais elevado e respondia melhor às exigências espirituais. No grande conjunto dos ensinamentos rabínicos, na maneira de pensar do povo, qual o peso desses elementos mais elevados? Alguns doutores da Lei sustentavam o exaltado conceito de Deus como um Pai, contrariando a idéia de um Deus todo-poderoso perdido em mistério, um Juiz medonho e aterrador, como nosso Senhor o fez plena mente; mas quantos deles haveria? Alguns rabinos entre os fariseus e alguns teólogos entre os essênios mantinham a doutrina dos dons da Graça, tão"repugnante à mente judia'', que foi um dos temas centrais dos ensinos de Cristo e de seu intérprete, o apóstolo Paulo. 0 Talmude, como sabemos, reuniu textos admiráveis sobre a caridade, o amor ao próximo e o perdão fraternal das ofensas; mas teriam eles prevalecido contra a dureza de coração daquele povo obstinado e do famoso "olho por olho, dente por dente"? E embora seja certo que tanto os textos bíblicos como os preceitos rabínicos ensinavam uma conduta moral mais sincera em que não bastava "limpar o exterior do copo" — ensinamento este conforme o de Cristo — existem muitos sinais que mostram terem tido menor influência entre os fiéis do que os que insistiam em uma obediência mecânica aos mandamentos formais. Jesus pode muito bem colocar-se na linha direta dos grandes mestres espirituais de seu povo, mas fica perfeitamente claro que ele pertencia àquela pequena minoria que compunha sua aristocracia espiritual, os precursores, que raramente estão conformes com o corpo principal.
Mesmo neste grupo limitado Ele se destaca como um não-conformista. Jesus levou as implicações de algumas das tradições rabínicas ao seu limite máximo e, agindo assim, Ele ultrapassou-as infinitamente. Qual o rabino que, falando do Templo, esse ponto central da vida religiosa, jamais teria ousado dizer que havia "alguém maior que o Templo" ou que "vem a hora, e já chegou, quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade"? Que líder espiritual judeu, estabelecendo a lei do amor pelo próximo, teria ousado pronunciar o sublime paradoxo sobre o qual a doutrina cristã está alicerçada: "amai os vossos inimigos", mesmo alguém tão magnânimo quanto Hillel? Essas palavras não contêm apenas um cumprimento, mas também um passar além, uma transcendência. Cuja transcendência, além do mais, pode ser também vista em muitos outros campos, no dos ritos, por exemplo. Os dois principais ritos cristãos, o batismo e a ceia, parecem estar associados a certas cerimônias judias; mas a semelhança é de fato somente superficial, Os sacerdotes do Templo e os monges de Cunrã se banhavam ritualmente muitas vezes, e João Batista lavava os penitentes que o procuravam nas águas do rio; mas o batismo cristão devia ser muito diferente de uma purificação, mesmo tendo esta o propósito de uma purificação simbólica; e, como nos é dito em Atos,, ele não era só um "batismo de arrependimento” como o de João. Os essênios também tinham uma refeição comunal em que o pão e o vinho eram abençoados, mas não existe texto que nos leve a supor ter havido qualquer intenção além daquela de estabelecer a fraternidade.
Qual será então o significado das palavras do Senhor que acabamos de citar: "Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir (aperfeiçoar)". As palavras "cumprir ou aperfeiçoar" têm sido muito discutidas. O Senhor usou certamente uma expressão aramaica, mas como não sabemos qual era somos obrigados a pesquisar o grego de Mateus, plerosai, que pode significar "cumprir" ou "terminar". Os historiadores e comentaristas divergiram em sua escolha da tradução; alguns interpretaram as palavras como significando que a mensagem de Cristo apenas prosseguia com a tradição de Israel, outros como indicando que ela pôs um término â mesma. Mas, a idéia de Cristo não pode ter de fato abrangido ambos os significados, de modo que ambos sejam verdadeiros? Ele "aperfeiçoou a lei", isto é, realizou todas as suas potencialidades; mas, nesse ponto, a função da Lei chegou ao fim — foi cumprida. Paulo usa também uma frase ambígua praticamente com o mesmo sentido quando escreve: "Cristo superou a lei."
Não pode ser negado que em certos assuntos — os quais eram, como sabemos, da máxima importância aos olhos dos judeus — Jesus deixou as tradições de sua raça e tomou posições que não podiam senão chocar o seu povo. Entramos aqui, portanto, em contato com as causas subjacentes do drama.
Esta era uma nação que estivera lutando em defesa de sua religião, a própria razão de sua existência, durante séculos; uma nação que se achava na época sob o governo e ocupação de pagãos idólatras, e devido â sua longa experiência, os judeus sabiam muito bem que o pagão poderia transformar-se num acirrado inimigo. A defesa da fé era assim uma questão de vida ou morte, sendo este o motivo por que a nação expulsava os hereges e cismáticos com tanto horror e desprezava igualmente aqueles que se mostravam infiéis aos preceitos religiosos. Qual foi, porém, a atitude de Cristo? Ele adiantou-se muito ao mais universalista dos rabinos, vendo um irmão no pagão incircunciso, no pecador declarado e no incrédulo. Não partilhou de modo algum dos sentimentos anti-romanos de seus compatriotas mais violentos; em sua conhecida resposta: "Dai a César o que é de César", tornou perfeitamente claro que não se preocupava absolutamente com as questões políticas; e chegou ao ponto de apontar a fé manifestada pelo centurião de Cafarnaum, um gentio, como exemplo. Ele teve esse mesmo comportamento em relação aos samaritanos, aqueles heréticos cujo "pão era pior do que carne de porco”; pois falava deliberadamente com eles, e também os usou como exemplos de gratidão e caridade. Sua bondade estendeu-se igualmente a pecadores notórios, os desprezados publicanos, mulheres de vida fácil e aos am-ha-arez tidos como desconhecedores da Lei. Houve aqui uma inversão tão completa de tudo que era tão costumeiro, não havendo portanto outro modo de considerar seu comportamento senão como escandaloso.
Tratava-se de uma nação que para melhor defender a sua fé, durante centenas de anos a protegera incessantemente com preceitos formais que deveriam assegurar a observância invariável dos grandes princípios religiosos. A tendência do conjunto global dos ensinamentos rabínicos era providenciar para que em todas as circunstâncias de sua vida o indivíduo tivesse um mandamento aplicável às mesmas, sabendo que agindo assim conformava-se â sua religião. Para eles, a verdadeira proteção do sistema, o "resguardo" dos fariseus, era sem dúvida a letra da Lei: mas Jesus se opunha a esta severidade. Duas questões preocupavam a mente dos rabinos: a observância do sábado e a impureza ritual. Jesus tomou, em relação a ambas, posições que desafiaram a opinião pública. Ele poderia dizer que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado sem que isso constituísse um insulto muito grande, pois havia doutores da mesma opinião. Mas ao mesmo tempo em que afirmava a obrigação de respeitar o dia, Ele referiu-se è sua pessoa como "Senhor do sábado"; aprovou a desobediência dos discípulos às proibições rabínicas; e se dermos atenção ao Codex Bezae, chegou a dizer a um homem que trabalhava no dia santo: "Se sabes o que fazes, és abençoado". Sua atitude com relação à impureza ritual era a mesma. Ao declarar que "Não é o que entra pela boca o que contamina o homem", Jesus reduziu às suas devidas proporções aquilo a que os rabinos atribuíam uma importância capital. Adiantou-se ainda mais, pois seu ensinamento que Paulo expressa nas palavras: "A lei escrita inflinge a morte, enquanto a espiritual traz vida", proclamava a vaidade de toda simples observância. Isto implicava em opor-se diretamente ao ensino oficial e â opinião pública: cujo resultado foi provocar uma cisão declarada.
Mesmo que não tivessem surgido essas duas causas sérias de discórdia, Jesus, como Ele era, tinha poucas possibilidades de ser reconhecido como o Messias. As razões são claras: de modo natural numa nação humilhada, a grande maioria dos judeus esperava que o homem enviado pela Providência viesse vingá-los, e disto surgira a imagem largamente difundida do Messias como um líder guerreiro, um rei glorioso, o terror de seus inimigos, o vingador de Israel. O filho do carpinteiro de Nazaré correspondia realmente a esta descrição? O fato do Senhor ter contado a seus discípulos as tentações que sofrera e rejeitara durante seu retiro no deserto é significativo. E ele deve ter feito isso, pois não poderiam ficar sabendo dessas coisas por qualquer outra fonte. É como se desejasse que compreendessem claramente, desde o início, que o seu reino não seria deste mundo. Porém a idéia de um Messias absolutamente terreno estava de tal forma arraigada que até seus próprios discípulos ingenuamente se referiram a ela, e na sua simplicidade perguntaram-Lhe se iria naquela ocasião estabelecer o reino em Israel, e que estavam espantados com o fim que Ele teria. Quanto à imagem de um Messias sofredor, sacrificado pela salvação do mundo, que poderia ter-se formado com base em algumas poucas e breves passagens da Bíblia, devemos dizer de novo que era "completamente estranha ao judaísmo do período próximo â era cristã". Mais do que isso, a opinião pública daquela orgulhosa nação teria julgado escandaloso tal conceito, pois a derrota jamais lhes parecera um sinal divino. Esse o motivo pelo qual na multidão de observadores não surgiu piedade à vista daquele homem açoitado, sangrando, em quem haviam cuspido com desprezo. Aquele Messias ridículo bem tinha direito â cruz.
Não há sombra de dúvida que o próprio Jesus tinha plena consciência de que Ele e sua mensagem eram contrários aos sentimentos do povo. Expressões tais como, "não confiavam nele", "pedra de tropeço" e "vocês não me receberam" mostram perfeitamente seu modo de pensar. Segundo Ele, falando da plenitude de seu conhecimento, o "vinho novo" que trouxera não podia ser colocado em "odres velhos". O seu ensino era realmente novo, e ele o transmitia embora corresse o risco de cortar relações com aqueles que defendiam a antiga doutrina.
A recusa de Israel em aceitar o Messias surgiu de um processo lógico que a história tende a reconhecer. Seria ultrapassar o escopo deste livro dizer que do ponto de vista cristão esta recusa só pode ser plenamente reconhecida â luz de seu significado divino, desde que uma espécie de necessidade faz com que ela se associe ao ministério do sacrifício redentor da Cruz. Deve ser porém destacado que esta recusa colocou o selo sobre outro mistério, o do destino maravilhosamente estranho e único do povo a quem a revelação divina fora confiada, o povo que tivera Deus em seu meio.
O POVO JUDEU E JESUS
Resta ainda uma pergunta: a recusa de Israel englobou toda a nação? Todos os compatriotas de Cristo tinham conhecimento de sua missão e mensagem? Todos eles sabiam que
Ele se proclamara Messias e tinham eles capacidade para distinguir aquilo que fazia dEle um "sinal de contradição"?
Afim de responder a isto, seria preciso conhecer exatamente a importância do progresso terreno do Senhor na vida do seu povo, a extensão em que seus ensinos e milagres eram conhecidos e quantos criam nele. Isto é bastante difícil. Não existem outros documentos além dos registros cristãos — Josefo não fala absolutamente do Senhor — e os quatro escritores dos evangelhos são nossa única fonte de informação. Mas, como todos sabem, os escritores inspirados não se preocupam com a documentação histórica, e aquelas questões que pareceriam da máxima importância a um historiador, nem sequer entraram-lhes em cogitação. A informação que fornecem é, pois, pouco clara.
Todavia, quando lemos essa informação concluímos que a repercussão imediata do ministério do Senhor não foi extensa. Os três evangelhos sinóticos concordam que a Galiléia foi a cena da parte principal de seus ensinos, especialmente a região do lago e a vizinhança de Cafarnaum. A Galiléia era uma província remota, longe do centro, pouco considerada pelos judeus da Judéia, os verdadeiros defensores das tradições de Israel. Na Galiléia propriamente dita, no momento em que as forças policiais de Herodes Antipas passaram a agir, as atividades de Jesus se tornaram mais discretas, e quando viajava "não queria que alguém o soubesse". Havia sem dúvida pessoas vindas de outras partes reunidas com os galileus, que O rodeavam. Isto significa que o número de ouvintes era muito grande? Por ocasião dos dois milagres dos pães e dos peixes, cinco mil e quatro mil pessoas foram alimentadas; isto é com certeza uma multidão, mas está longe de englobar a nação inteira, e uma simples assembléia local poderia computar tais números. Apesar do período que passou na Judéia, um ou dois períodos curtos em três anos, segundo os evangelhos sinóticos, fica claro em Mateus que Jesus não era conhecido naquela parte do país quando visitou a região na segunda fase de seu ministério, pois no Domingo de Ramos, o dia da entrada do Messias em Jerusalém, os espectadores perguntaram: "Quem é este?" E mesmo tendo durado seu ministério na Judéia tanto quanto afirma João, Ele ainda não teria sido muito conhecido, pois o próprio evangelista nos conta que Jesus freqüentemente se mantinha oculto.
Parece, portanto, que a mensagem de Cristo teve uma certa influência e foi geralmente conhecida na Galiléia, embora no restante da Palestina suas repercussões devam ter sido bastante limitadas. Os judeus da Diáspora só podem ter ouvido falar dele casualmente, através dos peregrinos que voltavam de Jerusalém; mas, em separado deles, a grande massa do povo judeu ignorava provavelmente as palavras do profeta nazareno na mesma proporção em que os franceses da Idade Média desconheceriam as atividades de um agitador obscuro na Bretanha ou Auvergne que finalmente chegasse a Paris, apenas para ser enforcado ao fim de cinco dias. A opinião pública com toda certeza não se entusiasmou demasiado; e mesmo os que estavam a par dos acontecimentos podem não ter levado muito a sério aquela história de um suposto Messias. Os Messias por conta própria eram muito comuns: houve pelo menos meia dúzia deles no período entre o nascimento de Cristo e a queda de Jerusalém. Além disso, ninguém havia esquecido do Mestre da Justiça dos essênios que entrara em conflito com o clero de Jerusalém, e muito menos de Judas de Gamala, que fora executado em 6 A.D. Essas crises não perturbaram por muito tempo a ordem pública. Os cidadãos melhor informados teriam sem dúvida considerado a carreira humana de Jesus como algo mais do que uma notícia comum, a fait divers, mas muito inferior a um acontecimento de importância nacional.
Sua mensagem provou uma reação hostil imediata? Ao que parece, houve por bastante tempo um sentimento de simpatia por Ele entre o povo comum, e até um certo entusiasmo. Quando Lucas diz que "ao ouvi-lo, todo o povo ficava dominado por ele", certamente se referia à multidão, à populaça, e não à classe governante. Existe bastante evidência no sentido de provar que até o domingo de sua entrada triunfal em Jerusalém, e incluindo esse dia, o sentimento popular estava a favor de Jesus. Além disso, teriam aquelas partes de seus ensi-nos que nos parecem contrariar as tradições judias mais estabelecidas, ofendido seriamente os ouvintes? Os camponeses e pescadores galileus dificilmente ficariam indignados quando o jovem profeta tratou os enfadonhos e cansativos regulamentos rabínicos sem o devido respeito, e se ele zombou da meticulosidade excessiva do dízimo, com o que eles eram os primeiros prejudicados, será que isso os vexaria muito?
Sua personalidade messiânica, tão diferente da esperada, poderia ter dado causa a uma dissensão crescente; mas parece que Ele procurou manter a mesma oculta na medida do possível. Foi apenas à mulher samaritana, uma estrangeira insignificante, que proclamou ser o Messias. Toda vez que sua divindade revelou-se aos apóstolos, como na transfiguração, por exemplo, ou mediante os seus milagres, ele sempre exigiu silêncio. A única exceção a esta regra foi aceitar a entrada "triunfal" em Jerusalém no Domingo de Ramos; e mesmo assim este triunfo não parece ter sido grande, mas modesto. Quanto aos seus milagres, Lagrange observou perfeitamente que, por mais extraordinários que fossem, não constituiriam de forma alguma uma prova, aos olhos do povo, de que Ele era o Messias — menos ainda que tivesse feito qualquer alegação nesse sentido. Não haviam certos profetas, como Elias e Eliseu, ressuscitado mortos?
As raízes do conflito que chegou ao seu término terrível no mês de abril do ano 30, não serão encontradas na hostilidade espontânea do povo. Quem, então, fez surgir esta hostilidade? Tiago, o apóstolo que na sua Epístola mostra-se tão profundamente judeu, não hesitou em replicar que foram os ricos e poderosos — em suma, a classe governante de Israel. Desde os primeiros dias do ministério de Cristo, os doutores da Lei e os fariseus, com pouquíssimas exceções, desconfiaram dele, e nós os vemos fazendo-lhe perguntas que não passavam de simples armadilhas e tramas contra Ele; fica claro que de sua parte compreendiam que a nova revelação não poderia senão entrar em conflito com os ensinamentos tradicionais. A reação natural dos saduceus, no final de sua missão, quando o Senhor ensinou na Judéia, foi a princípio desconfiança e depois hostilidade. A política praticada por eles era a de evitar dificuldades, mantendo-se em bons termos com as autoridades romanas, que detestavam os agitadores e perturbadores da ordem, reivindicando o titulo de Messias ou de Rei de Israel. Foi fácil então para os dois grandes partidos religiosos chegarem a um acordo, e a grande maioria do Sinédrio que o julgou naquela noite trágica de quinta para sexta-feira santa, achava-se contra Ele. Quanto á multidão (e estas são geralmente volúveis), não foi difícil transformar seu entusiasmo em indignação, citando algumas de suas frases, fora do contexto, adulteradas e com um significado falso — expressões como aquela em que falou de si mesmo como sendo o Filho de Deus, por exemplo, ou disse que poderia levantar o Templo novamente em três dias. 0 amor pelo conformismo fez o resto e o povo seguiu as autoridades.
Assim, no dia 7 de abril do ano 30, pôde-se ver um homem, uma visão penosa, com seu rosto marcado e coberto de sangue, levando uma pesada trave nos ombros e cambaleando sob o seu peso, enquanto descia as ruas íngremes de Jerusalém, saindo da sala de julgamento da fortaleza Antônia, e depois subindo em direção â Porta de Efraim. Uma tropa de soldados romanos o escoltava, e com ele seguiam alguns de seus discípulos, na maioria mulheres.
Será que o povo, as donas-de-casa a caminho do mercado para fazer as compras da Páscoa, os artesãos, os adoradores que seguiam para o Templo, os condutores de jumentos, perceberam aquela procissão? Um condenado dirigindo-se para o lugar da execução não era um espetáculo incomum. E depois que tudo acabou, quando as três cruzes, a Cruz de Cristo e as dos dois ladrões, se levantaram sobre o pico desnudo do Gólgota, aquele lugar freqüentado por cães e abutres, quantos dos que viajavam para Jafa pararam para contemplar aqueles pobres remanescentes de humanidade, para ler a inscrição colocada sobre a cruz central e perguntar aos soldados que jogavam dados, "Quem é esse?" Na vida diária do povo judeu, não ê bem possível que o acontecimento mais importante na história do mundo tenha passado despercebido?
 
 
 
 
2. Jerusalém no tempo de JESUS.
 
JERUSALÉM
A cidade que agrada a Deus — Sua posição e localização — Mil anos de história — "Vilarejo" ou metrópole? — "A Perfeição da formosura, a alegria de toda a terra" — A vida em Jerusalém
A CIDADE QUE AGRADA A DEUS
Jerusalém ... É impossível falar da estrutura social em que os judeus viviam sem fazer uma pausa para considerar esta cidade singular, à qual o destino de Israel estivera tão intima' mente ligado durante um milênio. Ela era a capital do país, a rainha incomparável, indiscutível, da Terra Santa. 0 coração vivo do Povo da Aliança: para os judeus, Jerusalém significava mais do que Paris para os franceses ou Londres para o povo da Grã-Bretanha. Os ecos ouvidos pelo católiço quando profere a palavra "Roma", as poderosas emoções por ela evocadas, tudo isso era sentido pelo judeu quando pronunciava as sílabas (tão frequentemente repetidas em suas orações diárias) do nome esplendoroso, "tão sonoro quanto o toque da trombeta, mas também tão suave como a gaita do pastor".
Jerusalém ... Os peregrinos que viajavam em direção aos seus átrios gloriosos exaltavam a sua glória naqueles "cânticos dos degraus", os salmos que cantavam em coro enquanto caminhavam. "Alegrei-me quando me disseram: Vamos â casa do Senhor. Pararam os nossos pés às tuas portas, ó Jerusalém I Jerusalém, que estás construída como cidade compacta, para onde sobem as tribos, as tribos do Senhor..    0 sonho mais caro de todos os judeus espa
lhados pelos quatro cantos do mundo era vê-la, visitá-la pelo menos uma vez na vida. A famosa expressão: "No ano que vem em Jerusalém" surgiu nos séculos mais remotos. Os que não podiam realizar seu sonho pensavam na cidade santa como um lugar de felicidade e esplendor onde tudo era belo, rico e cercado de glória sobrenatural. E assim, "Às margens dos rios de Babilônia", nos dias sombrios do exílio, os judeus distantes de casa choravam ao lembrar-se de Sião e cantavam este hino que ainda hoje nos comove: "Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. Apegue-se-me a língua ao paladar, se me não lembrar de ti, se não preferir eu Jerusalém à minha maior alegria I2
De fato, para os judeus, Jerusalém era muito mais do que uma simples cidade terrena, uma cidade entre todas as demais. Ela fazia parte integrante do plano de salvação: não podia ser separada das palavras reveladas de Deus. 0 profeta Isaías lhes dissera que o próprio Deus afirmara: "Eis que crio para Jerusalém alegria, e para o seu povo regozijo. E exultarei por causa de Jerusalém, e folgarei do meu povo .. ."3 Fora Deus que chamara a cidade pelo nome quan-
do disse acerca de Jerusalém: "Será edificada".4 Ele próprio escolhera a cidade, a fim de ser nela adorado.® E tinha sido dito em Esdras que o único e verdadeiro Deus era Aquele adorado em Jerusalém.® A cidade santa tinha estado ligada com todo e qualquer acontecimento na história bíblica; e o mesmo ocorreria de novo, no final dos tempos, quando todo o povo reunido veria a realização das profecias. Então "as portas de Jerusalém serão reconstruídas de safiras e de esmeraldas, e todo o seu recinto será de pedras preciosas. Suas praças serão calçadas de pedras brancas e puras, e em suas ruas cantar-se-á: Aleluia! Bendito seja o Senhor que lhe deu tal esplendor; que ele reine sobre ela eternamente".7
SUA POSIÇÃO E LOCALIZAÇÃO
Jerusalém, situada no coração das montanhas da Judéia, que são consideradas como o bastião moral e físico da Palestina, ali se achava em vista de certos fatores geográficos; e, até certo ponto, a geografia foi também a base de seu esplêndido destino. Todo o povo da região da planície entrava ali em contato com os nômades das estepes; todavia, o pequeno distrito em que a cidade se desenvolveu era ainda mais particularmente uma zona de contato e um lugar de passagem. A rota mais ao sul em que se pode cruzar o Ghor antes do caminho ser barrado pelo Mar Morto, leva aos seus portões, onde se une â estrada serrana que vai de Samaria à Galiléia, acompanhando o espinhaço montanhoso do país. E de Jerusalém as estradas de Gaza, Jafa, Jericó e Siquém se irradiam da mesma forma como os braços de uma estrela. Doze horas a pé levam ao Mediterrâneo, seis ao Jordão. 0 papel de Jerusalém como capital, fortificação e mercado é portanto bastante compreensível.
No ponto em que a cidade foi construída, a cadeia central das montanhas palestinas se dissolve numa espécie de planalto, a uma altura de cerca de 762 metros, cortado pela erosão de torrentes violentas em duas partes elevadas que vão do norte em direção sul-sudeste, sendo estas separadas por um vale raso chamado Vale dos Queijeiros, o Tiropeom. Foi na parte sul das mesmas que construíram Jerusalém, uma cidadela protegida pela ribanceira do Hinom ao ocidente e a do Quidrom ao oriente, ambos wadis ou ribeiros quase sempre secos, mas que se transformavam em torrentes furiosas nas enchentes invernais, tão furiosas que um deles foi chamado "ribeiro sombrio".® A colina ocidental, a mais alta das duas, que alcança 786 metros, é formada pelo Garebe, e o que os cristãos chamaram de distrito de Sião: este não é a Sião dos hebreus, mas a cidade alta, onde os ricos habitavam em seus palácios. A montanha oriental, mais estreita, é dividida em três planaltos menores; o mais alto (787 metros) recebera o nome de Moriá e sobre ele, cobrindo-o completamente, ficava o Templo. As duas planícies inferiores, uma ao norte e a outra ao sul, foram chamadas Bezeta (734 metros) e Ofel (649 metros). Os estudos bíblicos e a arqueologia situam a Jerusalém original, a Sião de Davi, sobre Ofel; e ainda mais precisamente, ao lado da Fonte da Virgem, Ain SittiMariam ou Giom, cujas águas foram interrompidas por Ezequias no século sete, e desviadas através de um túnel de quase dois mil pés de comprimento até o poço de Siloé, para servir de reservatório em caso da cidade ser sitiada.9 Do outro lado da ribanceira do Quidrom ergue-se uma colina alongada cujo nome fala ao coração de todo crente: o Monte das Oliveiras onde o Cristo ressurreto desapareceu da vista de seus discípulos.10 Sua continuação para o sul recebeu o nome de Monte do Escândalo, pois foi ali que Salomão, o próprio Salomão, o ungido do Senhor, permitiu que altares dedicados aos deuses de suas esposas pagãs fossem erigidos.11 No final dessa colina os três vales de Jerusalém se unem para formar o Wadi En-Nar, cujo leito corre na direção do Mar Morto.
Essa é a topografia de Jerusalém, tal como era ao tempo de Cristo. Ali plantada ela dá a curiosa impressão, quando alguém se aproxima pela estrada, de ser uma fortaleza, "uma cidade alta" como as Escrituras declaram repetidamente e, todavia, ao mesmo tempo, quando a vemos â distância ou quando é vista do alto, por exemplo de um avião atualmente, ela parece uma cidade rodeada de morros, edificada no fundo de um buraco. A única solução de continuidade no cinturão montanhoso, a beira buraco, é o Wadi En-Nar: por meio desta brecha Jerusalém entra em contato com o deserto e com a Ásia; sendo também através dela que o detestado khamsin sopra das areias escaldantes. A altitude de Jerusalém dá-lhe porém noites cor-de-pêssego e de uma frescura deliciosa. 0 vento também traz sobre a cidade as chuvas tão esperadas, vindas do oeste, que chegam precedidas de um grande exército de nuvens. Algumas vezes elas trazem a neve, pois o inverno em Jerusalém não fica só no nome.
MIL ANOS DE HISTÓRIA
0 local em que Jerusalém se encontra foi habitado pelo homem desde tempos remotos. Segundo o salmista, a cidade santa deve ter sido chamada no princípio de Salém, pois ele diz: "Em Salém está o seu tabernáculo, e em Sião a sua morada".12 Esse é em todo caso o nome pelo qual é chamada em Gênesis,13 naquela estranha passagem em que Melquisedeque "rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo" traz pão e vinho a Abraão e o abençoa. Mesmo antes da época do patriarca o Deus verdadeiro deveria ter sido conhecido ali. A explicação rabíni-ca da mudança do nome da cidade é esta:14 muito antes do nascimento de Abraão, Sem, filho de Noé, já lhe dera o nome de Salém, talvez pelo fato desta palavra significar segurança; mas o patriarca queria chamá-la Jeru ou Jireh, e Javé, para não desapontar nenhum deles, exclamou: "Dar-lhe-ei então ambos os nomes!"
A arqueologia informa porém melhor do que esta lenda ingênua.16 Ela mostra que o local foi habitado já no terceiro milênio por povos que viviam em cavernas próximas à Fonte de Maria. Cerca do segundo milênio a vila se transformara em um "oppidum" semelhante aos que os ligurianos estavam construindo no ocidente: fossos de defesa foram descobertos e também um santuário primitivo com uma rocha cavada em orifício na forma de taça. Cerca do século 15 A.C. ela já era era uma cidade formidável cercada por um muro imenso com inúmeras torres; e um túnel chamado sinnor dava acesso à fonte — um túnel portanto quase mil anos mais antigo que o canal subterrâneo cavado nos dias do rei EzeqUias. Esta poderosa cidade era conhecida em pontos remotos tais como a Mesopotâmia, em cujos documentos foi mencionada sob o nome de Urusalim, que tem semelhança curiosa com Ur, a cidade dos caldeus de onde Abraão partiu em sua viagem divinamente inspirada.16 Os habitantes da mesma eram cananeus, parte daquele povo que os exércitos judeus iriam enfrentar em tantas duras batalhas depois de Moisés tê-los tirado do Egito, a fim de conquistar a Terra Prometida. Esses cananeus eram peritos em fortificações: onde quer que traços de seu trabalho tenham sido encontrados, como em Je-ricó, por exemplo — sua eficiência técnica tem sido admirada pelos especialistas. Os israelitas levaram então perto de duzentos anos para vencer sua resistência apesar da proteção de Javé e dos milagres por Ele realizados. Urusalim foi um dos últimos lugares a oferecer resistência contra eles. Os cananeus que ali viviam, chamados de jebuseus, tinham tanta confiança na força de seus muros que possuíam até um ditado a respeito: "Cegos e aleijados bastarão para defender esta cidade".17
A glória da conquista da inexpugnável fortaleza foi dada ao rei Davi cerca do ano 1000. Ele dirigiu o cerco em pessoa e a princípio concentrou seu ataque sobre a fortaleza de Sião, em Ofel, que protegia a cidade construída sobre a monte Moriá, na parte sul. Davi prometeu que o primeiro homem que entrasse receberia o comando do seu exército e Joabe realizou essa façanha, arrastando-se ao longo da passagem que levava a água para dentro da cidade e tomando de surpresa a guarnição. 0 rei deixou Hebrom, a antiga capital de Israel, por ser muito distanciada do centro e imediatamente instalou-se na capital que acabara de tomar. A "cidade de Davi" se levantou sobre o monte Sião e, sob a orientação de arquitetos fenícios, foi levantado o primeiro palácio real. Quanto esplendor! Mas tudo se fazia segundo a vontade de Deus. Foi o seu poder que deu ao povo a vitória, conforme sua promessa. Davi não se esque-ceu disso e deu graças no mais fervoroso de seus salmos.18 Para mostrar sua imensa gratidão ele fez com que a arca da aliança, o tabernáculo que os israelitas tinham levado com eles no deserto, o santo receptáculo para as Tábuas da Lei, fosse levada a Jerusalém. Ali, sobre o monte Moriá, foi construído um lugar especial para guardá-la, feito de pedras e madeira de cedro, o primeiro Templo. No dia glorioso em que chegou a arca, Davi foi visto dançando "com todas as suas forças diante do Senhor; e estava cingido duma estola sacerdotal".
Nos dias de Cristo, então, Jerusalém vinha sendo o centro religioso do povo de Deus já há dez séculos. Os escritos sagrados registraram cuidadosa mente a expansão da cidade, deta-. lhe após detalhe. Eles registraram como o célebre Salomão, filho de Davi, havia ligado a fortaleza de seu pai com o monte Moriá., seu palácio e seu templo,18 por meio de uma grande plataforma de terra; como ele protegeu sua capital com um muro construído sobre a colina ocidental,20 o "primeiro muro" em cuja face norte se encontravam a Porta de Efraim e a Porta do Canto;21 e acima de tudo (um tema que foi bem explorado pelo autor inspirado) como com a ajuda de seu amigo o rei Hirão de Tiro, na Fenícia, ele tomara sob sua responsabilidade a construção do Templo, o maiqr, o mais belo, o mais esplendorosamente adornado templo de que se tem memória, obra das mãos de 153.000 homens.22
A partir de então a cidade do Todo-poderoso jamais cessou de crescer. Subúrbios se formaram do lado de fora dos muros, aquela nova cidade comercial que Sofonias atacou tão ferozmente;23 e no século oito, sob os reis Ozias e Ezequias, um segundo murofoi construído, que é lembrado pela sua Porta do Peixe.
0 sinnor nessa época já estava em desuso e foi então que se construiu o canal subterrâneo, a fim de levar a água ao tanque de Siloé; foi também nessa época que as fortificações de Ofel foram reforçadas com uma grande torre redonda, cuja base foi descoberta pelos arqueólogos; e que as tumbas reais foram construídas ao pé dos muros. Tudo isto compunha um belíssimo conjunto e o livro de Neemias dá uma idéia precisa da cena ao contar como tudo teve de ser reconstruído depois do desastre.24
Pois a cidade de Davi sofrera um desastre; e ainda após cinco séculos, a memória do mesmo era ainda dolorosa para os judeus. Javé se esquecera então da aliança e quebrara sua promessa? Não. Não fora Javé, mas o seu povo. Na época dos últimos reis de Judá tinham sido cometidas abominações na Jerusalém propriamente dita. Os profetas clamaram contra as mesmas, mas em vão.28 Surgiram altares para os falsos deuses, mesmo no Templo do Deus Único; a idolatria que os babilônios chamavam de prostituição-cultual florescera em todos os seus átrios; e o próprio rei Manassés, o ungido do Senhor, queimara crianças em honra do deus fenício Baal-Moloque no vale que desde então foi chamado de Vale da Matança.28
0 fato de Nabucodonosor e os caldeus terem cercado a cidade foi, portanto, um castigo divino. Depois de um terrível cerco, os defensores dizimados pela fome e pela praga, tiveram de render-se. "Forçaram as mulheres em Sião, as virgens nas cidades de Judá. Os príncipes foram por eles enforcados, as faces dos velhos não foram reverenciadas."27 A cidade inteira fora incendiada, inclusive o palácio e o Templo. À vista desse medonho espetáculo, os judeus tiveram de abandonar sua cidade santa, enquanto eram levados para o cativeiro na Babilônia.28
Depois do exílio, quando o bondoso Ciro, o persa Rei dos Reis, permitiu que voltassem à sua pátria em 538, o "remanescente" do Povo Escolhido julgou que nada era mais urgente nem mais sagrado do que a reconstrução de Jerusalém. Esse foi um empreendimento maravilhoso, repleto de fé e entusiasmo, e o livro de Neemias iria transcrevê-lo para a posteridade.28 No ponto exato em que se erguera a cidade de seus ancestrais eles construíram oütra nova; e ao mesmo tempo Esdras erigiu a cidade espiritual, a Lei de Deus. Os muros derrubados meio século antes foram de novo erguidos. Toda a nação foi chamada para ajudar. Guardados por sentinelas "cada um com uma das mãos fazia a obra, e com a outra segurava a arma"; milhares de homens realizaram então a tarefa sagrada em 42 dias. No início do quinto século Jerusalém voltara a ser uma bela e esplêndida cidade. Com certeza não se podia comparar à capital de Salomão,
mas mesmo assim era digna de Javé.
Ela continuou crescendo desde essa época. O governo dos seiêucidas, esses príncipes greco-sírios, trouxe grande prosperidade a Jerusalém. Ela tornou-se cada vez mais importante como mercado e centro das caravanas, e toda a mercadoria vinda do mundo helenista e do oriente ali entrava. Novos distritos foram construídos, particularmente no planalto de Bezeta, ao norte do Templo — o distrito que Herodes Agripa I encerraria com um muro, mas isso foi muito mais tarde, bem depois da morte de Jesus. O desenvolvimento naturalmente nâo ocorreu sem tropeços nem problemas. 0 extraordinário Antíoco Epifânio, comurhente chamado-Epimanes, ou o Louco, destruiu os muros de Neemias e construiu, provavelmente sobre um contraforte saliente na colina ocidental, a fortaleza de Acra, com o propósito de comandar dali a cidade.30 A perseguição que provocou a fúria dos macabeus iniciou-se justamente nessa época. Os rebeldes vitoriosos derrubaram o forte de Acra, reconstruíram os muros e fizeram outro ainda melhor para proteger a fortaleza do lado da cidade.31
O rei Herodes foi quem acrescentou os últimos toques a Jerusalém como ela se encontrava nos tempos de Cristo. Ele foi um grande construtor, e no momento em que se tornou rei empreendeu a proteção da cidade alta levantando um poderoso palácio-cidadela, coroado por três enormes torres, e também mandou reforçar o Templo junto à fortaleza Antonia. Acima de tudo ele decidiu, apesar de certa resistência por parte dos fariseus e sacerdotes, reconstruir o templo, dobrando a superfície útil do monte Moriá, através de prodigiosos muros e terraços de apoio. Colocou cerca de dez mil homens nesse trabalho e a seguir dezoito mil, dando ao edifício todo o esplendor que a arte helenista podia suprir. As ruínas impressionantes que podem ser ainda apreciadas na base da atual "torre de Davi", uma parte do palácio real, e nos alicerces do grande terraço do Templo — o atual Muro das Lamentações — dão uma excelente idéia da arquitetura de Herodes. Muitos palácios foram outrossim construídos na cidade alta; ruas e praças largas foram abertas; o centro do Tiropeom foi coberto; e novos distritos surgiram em Bezeta e Garebe e até mesmo no Monte das Oliveiras e no Monte do Escândalo. Era essa a Jerusalém que Jesus conhecia.32
VILAREJO OU METRÓPOLE?
Seria Jerusalém realmente uma grande cidade? É excessivamente difícil formar uma idéia exata de sua população. Os resultados dos censos romanos nâo chegaram até nós e mesmo que o fizessem, teriam de ser usados com cautela, pois como todos os povos orientais os judeus desconfiavam dessas contagens e não as apreciavam, sendo que muitos deles certamente fugiam das mesmas. A população das cidades orientais permaneceu conhecida apenas vagamente até um período bem recente; e mesmo no início deste século um guia turístico do Cairo continha uma nota dando a população como sendo de 200.000 habitantes, enquanto outro afirmava ser de 400.000.
Cícero fala de Jerusalém com desprezo, chamando-a de "vilarejo"33 mas Josefo em sua obra Contra Apionem3* cita uma passagem do Hecateus de Abdera na qual o geógrafo grego afirma que no tempo de Alexandre ela possuía 120.000 habitantes. Desde que Jerusalém se expandiu continuamente durante os períodos helenistas e romano, pode ser então suposto que na época de Cristo sua população teria alcançado um total de 150.000. Este seria um máximo. Em 1875, na área limitada pelo "segundo muro", não foram contados mais que 1 5.000 habitantes. Se levarmos em conta a expansão da cidade sob Herodes e os procuradores, este número deveria ser multiplicado por quatro, o que nos leva a 60.000. Isto concorda de certo modo com o cálculo de 50.000 feito por Renan. Pode-se então calcular que o verdadeiro total esteja entre 50 e 1 50.000 habitantes, isto é, nas proximidades de 100.000. Mas tudo isto não passa de conjetura, e é preciso também considerar a interessante capacidade oriental de amontoar um grande número de pessoas num pequeno espaço.
De qualquer modo, este número assegurava a Jerusalém um lugar honrado entre as cidades do império, embora não fosse naturalmente uma posição de primeira fila. Ela não podia comparar-se ás grandes metrópoles da época, Roma e Alexandria. Augusto afirma em seu Rex Gestae que quando se tornou cônsul pela décima segunda vez, no ano 5 A.C., ele deu sessenta denários a cada um dos 320.000 cidadãos de sua capital: contando as mulheres, as crianças, e o grande número de escravos, isto nos leva a concluir que Roma tinha mais de um milhão de habitantes;36 sendo este exatamente o mesmo número aceito para Alexandria, desde que Diodorus Siculus,36 que escreveu em meados do primeiro século A.C., afirma que a grande cidade egípcia possuía 300.000 libertos. Jerusalém não era nem mesmo a maior cidade judia do mundo, pois como já vimos as colônias judaicas em Alexandria e Roma a superavam consideravelmente em número de habitantes. A primeira delas tendo uma população talvez duas ou três vezes maior.
A posição paradoxal da Terra Santa e de seu povo, ambos tão pequenos segundo as contagens comuns e todavia tão grandes em história, posição e influência, não foi repetida na capital dessa terra e desse povo. Jerusalém não era com certeza um vilarejo mas uma cidade de porte médio, como muitas outras na Europa, sendo ao mesmo tempo uma grande metrópole espiritual.
"A PERFEIÇÃO DA FORMOSURA, A ALEGRIA DE TODA A TERRA”
Embora moderada no tamanho, os judeus mesmo assim a admiravam. "A perfeição da formosura, a alegria de toda a terra I” clamou o profeta Jeremias,38 e um aforismo rabínico afirmava: "Quem não viu Jerusalém jamais viu uma cidade realmente bela.”39
Tomada em conjunto e vista de certa distância, a aparência de Jerusalém era-realmente nobre. Os visitantes ainda hoje têm essa impressão: até tempos bem recentes, antes dos prédios modernos prejudicarem grande parte do cenário, a cidade possuía ainda muito da aparência que deveria ter tido há vinte séculos, pois os muros dos cruzados são sem dúvida bem semelhantes aos de Herodes e a mesquita de Ornar desempenha o papel de uma versão mais modesta da parte que o templo representou na composição da paisagem. Quando os peregrinos vindos do norte chegavam ao alto do Monte Scopus e paravam para apreciar a cidade, eles a viam como "um veado repousando entre as colinas”, fulvo e castanho — pois estas eram as cores da pedra calcária cozida ao sol — e salpicado de manchas brancas, representadas pelos palácios de mármore. A cidade ondulava suavemente, curvando-se de cima para baixo até o desfiladeiro central, e depois subindo de novo para alcançar os muros do santuário.
Mas a vista incomparável, a mais esplêndida de todas, era a apreciada do leste, quando, vindo de Betânia, o viajor parava no alto do Monte das Oliveiras, onde Jesus tinha olhado para Jerusalém e chorado pela cidade. A impressão era surpreendente e impressionante e continua sendo assim: Jerusalém se assemelhava a uma fortaleza inexpugnável, enquanto, ao mesmo tempo, parecia uma enorme jóia num engaste de bronze. Além da garganta do Quidrom erguia-se uma parede de mais de 76 metros, com torres no cimo. Uma destas, a torre do canto sudeste, o famoso pináculo para o qual o Tentador levou Jesus,40 ficava a uma altitude de pelo menos 64 metros acima das demais. Descansando sobre os seus fundamentos de alvenaria ciclópica, o Templo se erguia em todo o seu esplendor, estendendo suas espirais douradas em direção ao céu azul; e no flanco norte ficava o imenso cubo da torre Antonia. Por trás, na cidade velha, as casas se amontoavam num mosaico ocre, encerrado por linhas de sombra. Bem distante, na direção oeste, os palácios dos hasmoneus, de Herodes e dos sumos sacerdotes mostravam seus brancos telhados e suas colunatas, e além ainda podia ser vista a linha escura do muro da cidade subindo para o topo do Monte Garebe, ascendendo em grandes degraus e coroado de torres.
Para chegar â cidade, a não ser que se viesse do norte, de Cesaréia ou Samaria, era necessário cruzar uma ou outra das gargantas que a limitavam. Esses eram lugares feios e contrastavam grandemente com os subúrbios cheios de jardins que subiam, principalmente do lado leste, até as colinas com suas oliveiras e figueiras. Uma grande parte do vale do Quidrom era um cemitério, aquele célebre cemitério de Josafá onde todo judeu piedoso queria ser sepultado, porque o profeta dissera que nele seria reunida a humanidade no Dia do Juízo.41 Aii se achavam os túmulos de alguns dos grandes homens de Israel, tais como Absalão. Segundo uma tradição apócrifa, foi também ali, entre os túmulos, que alguns dos apóstolos se esconderam na noite da Sexta-Feira da Paixão. Quanto à outra garganta, o vale do Hinom, o Ge Hinnom, foi a famosíssima Gheenna, de péssima memória. Desde que o santo rei Josias se enfurecera com a visão de sacrifícios humanos a Moloque nesse lugar infame e ordenara que fosse transformado no monturo da cidade, detritos e animais mortos eram atirados ali e era mantida uma fogueira perpétua para queimar o lixo da cidade. Esse lugar horrível constituía uma imagem do próprio inferno e a partir dos tempos de Isaías suas chamas passaram a ser o símbolo do fogo eterno.44 Ninguém se aventurava naquele local depois do cair da noite.
Para entrar na cidade era preciso passar pelos famosos muros. Ela era cercada por eles sem solução de continuidade, estendendo-se por mais de duas milhas. A começar do Templo, onde se juntava ao muro de apoio do átrio, o muro cercava o monte Sião, desviava acima da junção do Hinom e do Quidrom, subia as colinas até o palácio-fortaleza de Herodes, fazia um ângulo reto, com a torre Hippicús num dos cantos, parecendo entrar na cidade por meio de dois ressaltos, o segundo dos quais bordejava o Gólgota, o "lugar da caveira", onde se realizavam as execuções, e depois corria em linha reta até alcançar de novo o Templo ou, mais precisamente, até a base sólida da fortaleza Antonia. Este muro foi parcialmente construído por Herodes sobre os alicerces do muro de Ezequias sendo, no mais exato sentido da palavra, uma obra realmente formidável. Ele era muito melhor do que o "terceiro muro" levantado às pressas por Herodes Agripa I em 44, e naturalmente mais ainda do que o "quarto muro" que foi descoberto bem ao norte da cidade em 1925 — um muro de que os legionários de Tito devem ter sem dúvida zombado. 0 muro de Herodes foi construído de enormes blocos colocados irregularmente, pesando o menor deles uma tonelada, "cheio de depressões e projeções arranjadas engenhosamente", diz Tácito,46 guarnecido de ameias, fortalecido por torres a cada 200 cúbitos, ou pouco menos de cem jardas, ou seja, a distância coberta por um arremesso de lança. Era tido como inexpugnável e de fato 15.000 soldados romanos tiveram de lutar durante trezentos dias para conquistá-lo.
Todas as portas eram fortificadas. O muro foi alargado até duas ou três vezes a sua largura comum e uma passagem em arco, fechada nas extremidades por pesadas portas, foi aberta através dele. Acima do arco ficava uma sala de guarda para abrigar os defensores. A Bíblia fala repetidamente da força e esplendor dessas portas: quantas havia, e onde ficavam? Havia muitas, provavelmente sete ou oito portas principais, sem contar as passagens subterrâneas. A leste, a Porta de Ouro, agora murada, levava diretamente ao Templo. Ao sul, a Porta da Fonte, também se abria para o vale do Quidrom; a Porta de Efraim e a Porta do Canto, também chamada de Porta dos Jardins, ficavam a oeste. Ao sul se achava a Porta do Monturo, dando para o Vale da Matança. Estradas saídas de Samaria, Jericó e da costa se encontravam na Porta do Peixe ao norte. Quanto â Porta das Ovelhas, à qual o Senhor se comparou,49 era sem dúvida aquela agora chamada de Santo Estêvão. Por ela entravam os animais para o sacrifício, e ficava ao norte da Porta do Ouro. Jesus deve ter muitas vezes entrado e saído da cidade durante a Semana da Paixão pela Porta das Ovelhas.
Uma vez atravessadas as portas, o visitante se via num labirinto de ruas estreitas que ziguezagueavam entre quarteirões de casas sem nenhum plano aparente,, como acontece em Veneza ou na cidade de Casbah, na Algéria. Muitas dessas ruas eram cortadas em degraus, o que facilitava o acesso das pessoas e animais. Foram encontradas algumas dessas ruas, espe-cialmente a que descia para o distrito de Siloé e, na terra pertencente aos Assuncionistas, aquela que Jesus sem dúvida percorreu na tarde da Sexta-Feira da Paixão para ir ao Monte das Oliveiras. Havia poucas avenidas largas ou grandes espaços abertos. O desfiladeiro central do Tiropeom era atravessado por uma estrada larga e uma ponte que ligava o Templo e a cidade alta; e abaixo desta estendia-se uma grande praça pavimentada, cercada por colunatas e limitada ao norte pelo antigo palácio dos hasmoneus. Herodes planejara e fizera construir esse local para servir de ágora ou foro ao estilo greco-romano, chamado Xystus, que significa lugar plano. Outras praças menores são citadas nos tratados talmúdicos, sendo-lhes dados nomes segundo certas profissões — Praça dos Açougueiros, dos Tecelões, dos Pisoeiros, dos Pescadores — ou simplesmente chamadas de Mercado de Cima e de Baixo. As ruas também recebiam os nomes das diferentes profissões, pelo menos aquelas que tinham nome, pois os diversos trabalhadores de uma determinada profissão se mantinham juntos num mesmo distrito, como fizeram na Europa na Idade Média. Isto explica a infinidade de sinagogas onde o povo se reunia para orar, ou algumas vezes para discutir; não havia menos do que 480 delas. Cada grupo, cada quarteirão de casas possuía a sua, assim como cada um dos grupos de estrangeiros que chegava a Jerusalém por ocasião das festividades.47
"Uma linda cidade”, afirmou Jeremias. Mas, seria realmente esse o caso? "Não se deve imaginar qualquer tipo de luxo nas construções: toda evidência obtida em relação a esse período nega tal coisa."48 Só as residências dos ricos eram cobertas de telhas, os pobres se contentavam com coberturas de palha e terra batida conforme mencionado por Marcos.48 Havia grandes diferenças entre os vários distritos. Sião, o mais velho deles, era uma casbah à moda antiga; a cidade alta abrigava os abastados e poderosos, e o subúrbio de Bezeta os mercadores. A pedra trabalhada não era comum e as paredes de rudes blocos de argamassa estavam longe de ser elegantes: os judeus, ao inverso dos romanos, não eram pedreiros natos.
Mesmo assim, completamente separados do Templo, cujo esplendor era incomparável, Jerusalém possuía palácios, grandes mansões e obras públicas de porte. Destas últimas, as mais apreciadas eram as que forneciam à cidade a água, esse precioso elemento. Havia umas poucas fontes, entre elas a Fonte dos Pisoeiros citada no Livro de Reis,60 mas muito mais importantes eram os grandes reservatórios e tanques para os quais a água tinha sido levada com imensa dificuldade. Na parte baixa da cidade havia um tanque suprido pelo famoso aqueduto de Ezequias que recebera o nome de Siloé, palavra que significa "enviado", nome esse cheio de sentido místico, que o evangelista João com certeza tinha em mente quando registrou a história do cego que Jesus curou, enviando-o para lavar-se nele.51 O tanque daquela época era uma depressão cercada por um pórtico herodiano. "No serviço da Festa dos Tabernáculos havia uma procissão que ia até ele a fim de tirar água para levá-la ao Templo". Nos dias de Cristo o outro tanque ficava ainda fora dos muros e talvez fosse essa a razão que induziu Herodes Agripa a construir o terceiro muro: tratava-se do famoso tanque com os cinco pavilhões onde, como diz o apóstolo João,62 uma multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos ia lavar-se, porque acreditavam que de tempos em tempos um anjo descia e agitava a água e o primeiro que entrasse no tanque depois disso ficava curado. Ele foi provavelmente confundido com o "tanque da prova" que em tempos anteriores tinha servido para lavar os animais a serem sacrificados. Em todo caso, tratava-se de um belo edifício — os arqueólogos voltaram a descobrí-lo — com cerca de 118 metros de comprimento e 59 de largura, cercado por arcadas; ele era dividido ao meio por uma separação sobre a qual ficava a quinta galeria com uma colunata. 0 tanque era um lugar de banhos públicos.
Vários palácios faziam o orgulho da cidade. 0 dos hasmoneus era o mais antigo, provavelmente datado da época de Jõao Hircano. Herodes Antipas teria se hospedado nele quando ia a Jerusalém para as festas, e foi sem dúvida também para lá que Jesus foi levado, a fim de apresentar-se diante do rei.64 O palácio esplêndido e fortificado que Herodes fez levantar no canto da cidade alta era a residência do procurador romano quando ia a Jerusalém. "Magnífi-co além de qualquer palavra," diz Josefo, que era dado a expressões um tanto fortes.“ Foi dito que ele se acha exatamente no local em que Davi cantava seus salmos, e fazia então parte do muro da cidade. Torres maciças, quadrangulares, o protegiam. Herodes o Grande dera a estas o nome de seus entes queridos: seu amigo Hippicus, seu infeliz irmão Fasael, a vítima dos partos, e aquela esposa muito amada, Marianne, a quem mandara matar. A última era a mais alta de todas, chegando a 28 metros. À noite, uma fogueira era acesa no alto da torre Fasael. Mas o interior do palácio nada tinha em comum com sua aparência guerreira. Era de mármore, com o chão pavimentado de pedras raras ou mosaicos. Possuía cem quartos a nos salões de banquete havia lugar suficiente para cem divãs destinados aos hóspedes. Seus pertences e decoração surpreendiam a todos, e mais ainda a beleza de seus jardins, onde piscinas esplêndidas eram supridas pelas águas de diversos aquedutos. O sumo sacerdote tinha um palácio mais modesto, embora bastante imponente, pois na noite trágica do julgamento de Cristo vemos um grupo de criados reunidos junto a uma fogueira em seu pátio; e parece não haver dúvida de que Anás, o sumo sacerdote deposto, tinha outro.“
A torre Antonia não era uma residência mas um alojamento. Nesse ponto onde a elevação de Bezeta torna o ataque comparativamente fácil, geração após geração construíram defesas sobre a plataforma de uma fortificação do tempo do rei Salomão; e depois da volta do exílio foi levantada a torre Hananeel, cujo apelido grego era Baris, a cidadela superior a todas as demais. Os hasmoneus ampliaram a mesma, transformando-a em castelo e Herodes lhe dera a forma final: um retângulo alongado, de cerca de 100 metros por 50, com uma torre imensa de quase 31 metros de altura em cada canto. Toda essa estrutura era a verdadeira chave da cidade santa e a guardiã do Templo.
A guarnição romana se alojava nela e à noite podia-se ouvir os gritos das sentinelas, respondendo umas âs outras, de tçrre em torre. Escadas levavam aos átrios sagrados. Sempre que necessário os soldados desciam correndo por essas escadas, fazendo enorme ruído com suas botas militares.87 Passagens secretas, sob o terraço do Templo faziam ligação com o centro da cidade. O meio do retângulo foi transformado num enorme pátio e dentro dele o trabalho meticuloso das Òames de Sion e dos Dominicanos da Escola de Estudos Bíblicos foi bem sucedido ao identificarem o espaço plano pavimentado, o famoso Lithostrotoos em que Pilatos ocupou a cadeira de juiz para condenar Jesus, como lemos em João.“ É comovente ver essas lajes enormes e gastas com suas várias inscrições, pedras sobre as quais Cristo indubitavelmente caminhou.“ Elas se acham na parte subterrânea do convento das Dames de Sion.
Pouco mais precisa ser dito sobre o Templo além de que ele superava todas as outras glórias da cidade e que os judeus piedosos que chegavam a Jerusalém não tinham olhos para mais nada. Era o Templo de Herodes o Grande, o edifício que esse magnífico tirano iniciara no ano 20 A.C., no mesmo local que o de Salomão, que Nabucodonosor derrubara, e aquele muito menor do tempo de Esdras e Neemias; cujo lugar é agora ocupado pela mesquita de Ornar, com seu domo azul, que fica sobre o Hassam esh Sherif. Embora o idumeu tivesse celebrado a festa de dedicação dez anos antes do início das obras, no aniversário de seu acesso ao trono, e apesar de mil sacerdotes e mais de dez mil operários terem trabalhado nele durante 46 anos (João dá o período no segundo capítulo do seu Evangelho) faltava ainda muito para ser acabado quando Jesus o conheceu. A obra não foi realmente terminada até entre 62 e 64, isto é, pouco tempo antes de ser destruído por Tito. Era pois completamente novo: a brancura do mármore se destacava e o ouro brilhava sobre a fachada. Como um diadema de pedras coroando a cidade de Jerusalém, construída e rodeada de pedras, a vasta massa do Templo se erguia lá bem no alto, com seus muros, seu átrios e santuários, um após outro, num arranjo cheio de significado simbólico.“ Era digno de ser chamado "casa de Deus", esse grande edifício para o qual nada era fino demais, nada demasiado esplêndido, esse "lugar santo" para o qual os peregrinos devotos subiam "entre gritos de alegria e louvor, multidão em festa .. "B1
A VIDA EM JERUSALÉM
Sem cair no pecado do anacronismo que Lucien Febvre afirmou ser o pior de todos para o historiador, é possível formar uma idéia de como era a vida há dois mil anos atrás naquela cidade cuja topografia conhecemos agora tão bem? Não erraremos muito se empregarmos a analogia das cidades orientais onde velhos quarteirões ainda estão de pé; as partes antigas de Jerusalém como as vemos agora, por exemplo, ou a velha Cairo ou a Damasco dos califas.
A impressão geral que teríamos seria a de uma massa compacta, com cada centímetro de espaço ocupado. As casas se agarravam umas às outras, sobrepondo-se e até mesmo inter-penetrando-se. Não havia jardins, exceto o de Herodes e aquele jardim de rosas murado, segundo o Talmude,62 datado da época dos profetas. Apenas aqui e ali se via uma figueira, plantada num pátio. Herodes Agripa I cercou o Garebe com seu muro a fim de que pudessem haver muitos lindos jardins. Não se viam estátuas nas esquinas, enquanto nas cidades pagãs era impossível andar sem ser-se obrigado a reconhecer um ou outro deus. Quase todas as ruas eram excessivamente estreitas, tão estreitas que dois jumentos, com seus cestos carregados, mal podiam passar. Até mesmo os transeuntes se chocavam uns com os outros, provocando gritos e contendas. As barracas dos mercadores, que se alinhavam pelas calçadas como uma feira ao ar livre, não ajudavam em nada a facilitar o trânsito. Havia também um labirinto de vielas e travessas, assim como pátios internos, onde apenas os que ali residiam circulavam sem perder-se. Os lugares mais animados eram as portas e os dois mercados, o da cidade alta recebia os que estavam em melhor posição social. Não se viam carros, apenas algumas liteiras pertencentes aos ricos. Encontravam-se porém muitos jumentos e o barulho de seus cascos era ouvido em toda parte, batendo nos degraus de pedra — degraus, desde que era impossível andar quinze minutos em Jerusalém sem ter de subir ou descer. Ovelhas e gado podiam ser encontrados em toda parte: tantos animais eram necessários para os sacrifícios. De tempos em tempos passavam pelas ruas as tropas zombeteiras dos auxiliares gauleses ou numídios, usando o elmo emplumado e a couraça, com uma capa vermelha sobre os ombros e montados sobre cavalos que subiam com dificuldade todos aqueles degraus.
Em quase toda a cidade fazia-se sentir um cheiro forte, uma mistura de substâncias variadas. O uso de "fogões ao ar livre, por causa da fumaça"63 e o emprego de esterco nas árvores e flores64 eram proibidos por regulamento policial. Mas, mesmo assim, o odor pungente da gordura aquecida se misturava ao cheiro acre do lixo que, segundo o Talmude,65 era varrido dos espaços abertos todos os dias, mas sem dúvida ficava esquecido nas vielas. Além disso, se o vento soprava um pouco do leste, a fumaça do altar dos sacrifícios se espalhava não só sobre os átrios mas sobre toda a cidade, trazendo um misto do cheiro medonho da carne queimada e do forte olor do incenso. O povo judeu tinha a reputação de cheirar mal, sendo esta certamente uma das pilhérias mais apreciadas pelos romanos. As mulheres porém se perfumavam bastante, e foi dito que chegavam ao extremo para cercar-se de uma atmosfera de aroma sensual quando achavam isso necessário. Os rabinos admoestavam inultimente: "O incenso do Templo deve bastar para vocês!" O mercado de cima, onde se vendia mirra, nardo, e o custoso bálsamo, estava sempre abarrotado de gente.
A cidade não era apenas rica em odores, mas também em ruído. Ela vibrava com um rumor constante e confuso, exceto à noite e durante as horas muito quentes da sesta, ou no inverno quando o vento oriental trazia suas rajadas cortantes de chuva. Tudo se misturava formando esse som generalizado, os pregões dos comerciantes tentando atrair a freguesia, os gritos dos carregadores de água que traziam ao ombro sua mercadoria e ofereciam seus serviços, os proclamadores públicos que exigiam silêncio a fim de fazer seus avisos oficiais, e algumas vezes o grito dos guardas abrindo caminho para algum condenado que seguia em direção ao "lugar da caveira", carregando a trave da cruz às costas. Os animais levados para o Templo baliam e mugiam; os jumentos às vezes zurravam, mas isso raramente, pois tinham aprendido o dom da paciência. Um grupo de peregrinos passava, cantando em coro um salmo, ao som da melodia A Corça da Manhã ou A Pomba dos Terebintos Distantes. No quarteirão dos pisoeiros podia-se ouvir o ruído surdo e monótono das máquinas; no dos caldeireiros o som ritmado dos martelos. Depois, quatro vezes por dia, na hora do sacrifício e nas três paradas rituais, o toque tríplice das sete trombetas de prata que se fazia ouvir na porta do átrio dos homens no Templo e que impunha um silêncio parcial, em cujo período os piedosos se prostravam.
Esta era a atividade dos dias comuns; mas em certas ocasiões do ano a animação da cidade crescia intensamente. Eram os períodos das grandes festas, a Páscoa, a Festa das Semanas, o Dia da Expiação e a mais alegre de todas, a Festa dos Tabernáculos. Quantos dias duravam essas festas? Nessas épocas multidões enormes de peregrinos enchiam a cidade; e mesmo se dividirmos por dez os milhões de Josefo continuamos imaginando como Jerusalém poderia receber toda essa gente. Do modo como eram as coisas, um grande número tinha de dormir fora da cidade, nos subúrbios, nas colinas, em tendas ou cabanas feitas de ramos, ou ao ar livre, como Jesus e seus discípulos fizeram no Jardim de Getsêmani. O ajuntamento era indescritível — grupos enormes de homens e animais, pois numa única Páscoa podia acontecer que 200.000 cordeiros entrassem na cidade. Essa era a ocasião em que os habitantes de Jerusalém tinham oportunidade de ver seus irmãos da Diáspora inteira. Judeus da Babilônia com suas vestes negras se arrastando, judeus da Fenícia com túnicas e calções listados, judeus do planalto de Anatólia com seus mantos de pele de cabra, judeus persas em sedas brilhantes bordadas de ouro e prata. Todas essas pessoas se amontoavam no pátio do Templo: os vendedores de animais para os sacrifícios e os cambistas faziam fortuna para indignação das mentes puras, como a de Cristo. Os homens se empurravam a fim de entrar nas filas dos que ofereciam um cordeiro aos sacerdotes. Era uma feira, mas piedosa, uma confusão de espantar: o espetáculo apreciado em Meca, no apogeu das grandes peregrinações do Islã, dá uma idéia de como deve ter sido.
Podemos imaginar um dos mais solenes desses dias, ao cair da tarde, antes da hora nona quando o shofar, a trompa feita de chifre de carneiro, fazia soar uma nota longa e tristonha seguida dos seis toques rituais de trombeta a fim de anunciar o dia mais santo de todos, o sábado da Páscoa: e a lua de Nisã deslizava então pelo céu grande e calmo de Jerusalém, que finalmente se aquietara..
 
MERCADORES A SALTEADORES
“Também não apreciamos o comércio" — Os grandes negócios e as operações bancárias — O aspecto mora! do dinheiro e dos negócios — "Mas onde se achará a Sabedoria? ...O abismo diz: eia não está em mim...e o mar diz: não está comigo" — As estradas e as trilhas das caravanas — Viajantes e salteadores.
“TAMBÉM NÃO APRECIAMOS O COMÉRCIO”
No livro Contra Apionem de Josefo encontramos um comentário que irá provavelmente surpreender o leitor do século vinte: "Em primeiro lugar, portanto, nosso povo não habitou uma terra junto ao mar, nem apreciamos o comércio ... Mas nossas cidades ficam longe do mar num solo muito fértil, que cultivamos industriosamente".1 Entre todos os meios de sustento abertos hoje para o homem, parece que o comércio e não a agricultura é aquele em que o descendente das Doze Tribos tem probabilidade de se sobressair. Uma resposta válida para isto é porém que não devemos confundir características adquiridas com aquelas herdadas, que a concentração dos judeus nos negócios é mais um problema de condicionamento histórico do que qualquer "gênio comercial”, reivindicado como uma das principais qualidades da Raça Escolhida, e que de qualquer forma o sucesso dos kibbutzim sionistas demonstrou cabalmente aos anti-semitas que sua teoria no sentido do judeu ser incapaz de trabalhar na terra estava completamente errada.2
É provável, entretanto, que as palavras de Josefo tivessem um propósito subjacente: ele pode ter desejado contrabalançar um dos argumentos anti-semitas de sua época. Pois embora seja verdade que ao entrarem na terra de Canaã os israelitas semi-nômades não se interessavam pelo comércio, que deixavam para os nativos do país — desinteressados a tal ponto que no hebraico bíblico um dos termos traduzidos como "mercador" significa de fato "cananeu"— e embora seja verdade que Deuteronômio, tão minucioso em todos os assuntos relativos à lei pastoril e rural, nada tem a dizer sobre a legislação do comércio, não obstante seja praticamente certo que no momento em que se estabeleceram firmemente na Palestina os israelitas sem dúvida foram obrigados a fazer comércio, mesmo que só para vender seus produtos e comprar os itens essenciais, tal como o ferro para as ferramentas, por exemplo.
0 crescimento das cidades,como é natural,fez aumentar rapidamente o comércio: nenhuma comunidade grande pode viver sem comerciantes. Mesmo antes do exílio os profetas já falavam de mercadores. Amós e Oséias contêm retratos pouco atraentes de comerciantes que enriqueceram usando pesos falsos e através dç especulações desonestas.4 Na Babilônia, os
exilados não tinham terra, sendo portanto obrigados a adaptar-se a um outro tipo de vida que não o rural. Depois da volta do exílio, a Palestina tornou-se partre do mundo helenista, que era essencialmente comercial, e quer gostassem ou não os israelitas foram necessariamente afetados pela natureza comercial do período, isto é, viviam em meio a um mundo de negócios. Assim sendo, embora possa ser verdade que na época de Cristo os judeus "não apreciavam o comércio", é igualmente exato que conseguiram vencer sua repugnância e entraram no comércio.
Em primeiro plano vinha o comércio local dos mercados e feiras, que eram muito fre-qüentados em uma população assim tão rural. Os camponeses iam ali vender seus cereais, figos, vinho e cordeiros, e comprar mercadorias manufaturadas, ferramentas, sapatos, jóias e perfumes. 0 tratado Baba Kamma no Talmude torna claro que as mulheres da Judéia levavam ao mercado tecidos de lã excelentes e as da Galiléia roupas de linho. Outro tratado mostra que já havia tarifas estabelecidas fixando os preços para toda uma região.6 A fim de impedir preços excessivos e medidas falsas, o Sinédrio local nomeava inspetores de mercado com amplos poderes, que podiam até mesmo estabelecer o preço justo de um artigo nos casos de divergência.7
Existia uma outra forma de comércio paralela ao local — o dos mascates e caixeiros-viajantes. Ao que se sabe havia muitos deles, assemelhando-se bastante aos que podem ser vistos ainda hoje no país: iam de vila em vila com seus asnos carregados, oferecendo às donas-de-casa suas tentadoras mercadorias: mantos vistosos de Sidom, linho fino, anéis e gorjais de ouro, e até mesmo tapetes, como fazem os levantinos hoje. Eles calculavam suas viagens de modo a chegar nas grandes cidades na época das festas: na Páscoa eles se reuniam à volta do Templo e até se introduziam nos átrios. 0 hebraico possui dois outros termos para "mercador": um deles, rokel, significa literalmente "aquele que se move" e o outro, soher, "o viajante".
Mas nas cidades os mascates encontavam rivais formidáveis, ps lojistas. Esses já existiam desde há muito, o Livro de Reis mostra que nos dias de Acabe e Jezabei (antes de 850 A.C.) o proprietário de um próspero bazar em Samaria podia ter filiais em Damasco.8 Na época de Cristo, Jerusalém e outras grandes cidades com certeza tinham souks como as que vemos agora no Oriente, com lojas pequenas uma ao lado da outra, abrindo-se para ruas estreitas, e mercadores que espalhavam suas mercadorias e louvavam suas qualidades em voz alta na esperança de atrair fregueses.
Trata-se de um fato curioso, em apoio de Josefo, que os mercadores judeus se queixassem da competição dos astutos comerciantes pagãos, da mesma forma que os mercadores cristãos ocidentais costumavam queixar-se (e ainda o fazem, pelo que sabemos) da competição dos judeus. Os comerciantes gregos invadiram a Palestina, com seus chapéus de feltro, suas sandálias de Laodicéia, suas caixas lindamente trabalhadas, sua cerâmica fina; isto era fácil para eles, pois as cidades gregas da Palestina serviam de entrepostos. Quando Herodes Antipas construiu a impura cidade de Tiberíades, os judeus praticantes não queriam morar nela,10 e a mesma se tornou um centro para os comerciantes gregos, o que confirmou sua má reputação.
Mas apesar dos mercados e feiras, dos mascates e bazares, todo esse comércio não chegava a alcançar consideráveis proporções. Isto fica provado pelo fato das moedas de prata serem raras e que somente o bronze, cunhado na própria Judéia, era moeda corrente.11 Outra indicação é o pagamento em espécie, aludido por Cristo quando nos recomenda dar "boa medida, recalcada, sacudida ... porque com a medida que tiverdes medido vos medirão também”.12 Não era exatamente um comércio, mas antes um intercâmbio, uma permuta.
OS GRANDES NEGÓCIOS E AS OPERAÇÕES BANCÁRIAS
Os negócios judeus não ficavam certamente confinados nesses limites primitivos. O que conhecemos hoje como "grandes negócios" ou transações já existiam há muito. Os primeiros reis de Israel, Davi e Salomão mais ainda, tinham sido também os primeiros homens de negócio: com a ajuda de seus amigos fenícios eles tinham inventado todo um sistema de permutas que lhes proporcionava madeira, metais, tecidos, e vários artigos de luxo em troca dos seus cereais, vinho, óleo, mel, frutas e especiarias.13 Salomão chegou até a organizar vendas bastante lucrativas de cavalos; e possuía participação nos navios de Tiro. Esses empreendimentos reais foram imitados por outros, e já no século oito os comerciantes de quem Amós e Oséias falaram já teriam ultrapassado o modesto comércio das feiras e mercados. Foi porém durante o período do exílio que os judeus descobriram a natureza dos grandes negócios, pois a Babilônia era sem dúvida um dos centros importantes de comércio do mundo. Por mais tristes que estivessem por se acharem longe da Terra Santa, os judeus mesmo assim reagiram energicamente contra o destino ingrato, e vários dentre eles se estabeleceram como comerciantes ou banqueiros, fazendo fortuna. Os livros contábeis do Rothschild da época, um certo Muraschu, foram encontrados; e no registro de uma casa comercial de Nipur podem ser contados inúmeros nomes judeus entre os clientes. É bem provável, que a volta à Terra Santa depois do decreto de Ciro tenha sido financiada pelos ricos judeus da Babilônia, como o sionismo é sustentado pelos milionários judeus que vivem hoje na América do Norte.
Os judeus que voltaram à Palestina tinham então aprendido a manejar grandes empreendimentos comerciais, e continuaram a fazê-lo. A extensão das colônias judias na Diáspora lhes fornecia agentes de sua própria nação em toda parte: Babilônia, Damasco, Alexandria, Efeso e mais tarde Roma. Os negócios eram realizados com seus primos. Não que isto impedisse que comerciassem com os pagãos, longe disso. Os Macabeus, os heróis da guerra de libertação, fizeram o máximo para adquirir uma janela do Mediterrâneo, e a obtiveram na forma de Jafa. Simão e a seguir João Hircano tinham muito interesse no comércio marítimo, e seu exemplo foi seguido. Os versos 23 a 30 do Salmo 106 dão uma descrição muito viva dos perigos a que estavam sujeitos os que viajavam pelo mar por razões comerciais.
Nos dias de Cristo Israel possuía o seu mundo de negócios, que se mantinha em permanente contato com as comunidades da Diáspora, assim como com os mercadores pagãos de todo o império: e os homens que ocupavam o poder estavam muito ligados a esse mundo. He-rodes o Grande partilhava das lucrativas operações comerciais com base em Cesaréia, o novo centro comercial construído por ele. A Epístola de Tiago nos dá uma idéia das práticas comerciais da época: um comerciante se estabelecia numa cidade distante e passava ali um ano negociando e voltando a seguir para a Palestina a fim de dar execução aos pedidos — isso se assemelha de certo modo ao nosso sistema de representantes.14
O que as grandes transações daqueles tempos envolviam? Principalmente cereais, importação e exportação e finanças. Os cereais eram negociados por atacado, pois os camponeses não se dispunham a levar suas safras para vender na cidade, e os padeiros não podiam ir de vila em vila a fim de obter o produto. Isto fez surgir o intermediário, conhecido pelos gregos como sitones, que era no geral um judeu grego ou alexandrino helenista. "Ele compra o trigo por atacado para vender a varejo" diz o Talmude. Alguns operavam apenas como coletores; outros, mais ousados, negociavam como dizemos agora/com o futuro — compravam a colheita no pé, esperando lucrar mediante o desejo do camponês de receber rapidamente o seu dinheiro. Alguns comerciantes não só trabalhavam com trigo, mas também com óleo, peixe salgado e frutas secas. Os gregos chamavam tais homens de monopoles, e o termo, tanto como os homens assim designados, eram perfeitamente conhecidos na Palestina.15 Cristo alude sem dúvida a tais pessoas na parábola das virgens sábias e néscias.16 Em Alexandria, o monopolei judeu dominava; em seu famoso diplostoon, como já vimos, eles possuíam armazéns para toda sorte de produtos, e eram considerados como tendo o controle de todo o comércio de cereais do império.17
Os negócios no atacado se faziam naturalmente acompanhar de operações de importação e exportação. A Palestina produzia trigo, óleo, carne e tâmaras em quantidade suficiente para vender tais produtos, e as cidades gregas e as costeiras os adquiriam. A exportação de artigos raros os levava ainda mais longe, a lugares distantes como o Egito e Roma: entre estes se achava o bálsamo de Jericó, que segundo Strabo18era vendido a preço de ouro. 0 comércio dos perfumes estava nas mãos de um pequeno grupo de mercadores inteligentes, familiarizados com a prática de limitar a produção a fim de manter altos os preços. Plínio relata que durante a grande guerra os judeus tentaram destruir todo o bálsamo restante, com medo que pudessem cair nas mãos do inimigo, e que "houve combates furiosos pela posse de um arbusto". Por outro lado, a Palestina era obrigada a importar certos tipos de matéria-prima, principalmente madeira e ferro, assim como outros artigos tais como seda, especiarias, perfumes e sândalo. De todas essas importações estrangeiras a mais necessária era o incenso, pois os serviços do Templo não podiam realizar-se sem ele. Vinha da Arábia, ou para ser mais exato do lugar hoje conhecido com Hadhramaut — provavelmente o reino da Rainha de Sabá — e o comércio do mesmo estava inteira mente restrito aos grandes organizadores de caravanas.
Todas essas importantes negociações exigiam capital, isto é, havia necessidade de homens que pudessem dispor de largas somas de dinheiro: os banqueiros. Sua primeira função era a de operadores de câmbio, função essa indispensável naquela confusão de moedas em um país atravessado por tantas nações e onde se podiam achar dracmas gregos, zuzim de Tiro, denarii romanos, siclos israelitas e as moedas dos tetrarcas. Nesse emaranhado o cambista tinha oportunidade de ganhar muito e, como veremos, os rabinos eram obrigados a fazer leis relativas à troca das moedas sagradas do Templo. Os cambistas eram considerados como homens atilados e inteligentes, com profundo conhecimento da arte de negociar: Clemente de Alexandria e mais outros setenta autores, citam um ditado de Jesus que não aparece nos Evangelhos, mas ao qual Paulo parece certamente referir-se: "sejam prudentes cambistas, sabendo como verificar cada moeda e separar as boas das más".20
Mas a troca de dinheiro não era a única atividade do banqueiro ativo. Havia os especializados em fazer dinheiro do dinheiro, isto é, em emprestá-lo a juros e em investl-lo. 0 próprio Cristo fala dessas operações. Quando o Mestre censura o servo timorato que enterrou o talento que lhe fora confiado, eje ofeprova com estas palavras: ", .. Cumpria, portanto, que entregasses o meu dinheiro ãôsfcanquéiros, e eu, ao voltar, receberia com juros o que é meu".21 Os empréstimos a juros eram feitos íocalmente,corno é natural, ao camponês ou pequeno negociante necessitado; mas se faziam também internacionalmente em larga escala. Os que armavam navios e caravanas eram fregueses importantes do banqueiro; com base em algumas passagens do Talmude existiam aparentemente associações especiais de capitalistas para o financiamento de empreendimentos marítimos e de caravanas.22 A parábola dos talentos no evangelho, que acabamos de mencionar, prova que os camponeses mais ricos depositavam seu dinheiro em bancos. 0 sistema de cartas de crédito sacadas contra um correspondente num país distante, conhecido no Egito antigo e praticado através de todo o império, era certamente empregado pelos judeus.
Em resumo, as operações essenciais no mundo dos negócios moderno já faziam parte da Israel de dois mil anos atrás. Ao alcançar êxito neste terreno, os derrotados haviam de alguma forma tirado uma verdadeira vingança de seus conquistadores pagãos: quer cobradores de impostos ou banqueiros eles estavam próximos de cumprir a profecia contida em Deuteronô-mio: ". .. emprestarás a muitas nações, mas não tomarás empréstimos; e dominarás sobre muitas nações, porém elas não dominarão sobre ti"23
O ASPECTO MORAL DO DINHEIRO E DOS NEGÓCIOS
A lei religiosa não era evidentemente indiferente ao comércio. Embora o Pentateuco possa não conter, como indicamos, qualquer legislação comercial direta, os preceitos da lei mosaica eram suficientemente claros para permitir a elaboração de um código relativo às questões de dinheiro e negócios, e os rabinos não omitiram esse ponto. O Talmude estabelece portanto várias exigências a esse respeito, particularmente aqueles tratados preparados na Babilônia, que era um grande centro comercial.    .
Devemos admitir a necessidade de lembrar o povo de Deus de que a lei moral de Javé também se aplicava aos negócios? Ao ler os vários textos que falam de negócios e negociantes, poder-se-ia realmente pensar assim. "Vejo dois perigos difíceis de vencer,” diz Ben Sira-que, "como pode o mercador curar-se de sua negligência nos negócios, ou ser perdoado o mascate pela sua conversa mentirosa?”24 Isso era para ele inevitável nessa profissão, uma espécie de risco profissional.” Da aposta entre duas pedras não pode desvencilhar-se; nem o pecado ser evitado quando deste lado há um vendedor e do outro um comprador”. Isto quase pode ser chamado de encorajamento. Em uma de suas mais esplêndidas e trovejantes profecias Ezequiel acusa os grandes mercadores de Tiro;2B mas inúmeras outras passagens na Bíblia forçam o indivíduo a crer que a má fé comercial não era propriedade exclusiva dos vizinhos fenícios de Israel.29
As Escrituras Sagradas pelo menos estabeleciam os primeiros princípios com grande força. No final tudo tinha sua origem naquele mandamento gravado nas tábuas da Lei: Não roubarás. Desde que era proibido tjrar os bens do próximo, assim ocmo o seu boi, seu jumento ou sua criada, tudo indicava que necessariamente seria também proibido prejudicá-lo ao comprar ou vender. Apesar das Escrituras serem porém muito exatas na questão de prejuízos contra a propriedade,27 elas se limitavam a generalidades nos assuntos comerciais. Por exemplo, foi declarado pelo menos dez vezes que pesos corretos e balanças bem aferidas deviam ser usados28: esta era uma exigência mínima. Mas a Bíblia não tem nada tão claro a dizer sobre os vários outros meios, menos óbvios, pelos quais um comerciante desonesto podia auferir lucros ilegais.
Essas declarações mais minuciosas podem ser entretanto encontradas nos escritos rabí-nicos. Os tratados Baba Mesia e Baba Bathra por exemplo, analisam cuidadosamente os requisitos a serem cumpridos no caso de uma venda legal, as circunstâncias em que o comprador pode cancelá-la, os limites em que a transação deve confinar-se (o preço não pode ser inquirido por alguém que não tenha intenção de comprar), o preparo de um contrato de hipoteca e os prazos exigidos para prescrição de direitos. Outras passagens se referem à prevenção de documentos forjados, especificando o tipo de papiro e de tinta a serem usados para um reconhecimento de dívida: era proibido "apagar”, ou seja, rasurar ou alterar documentos deste tipo: a maneira exata de traçar a marca em forma de "X” que significava que o documento fora anulado é também dada.
Os ensinos dos doutores da Lei eram também excessivamente rigorosos contra toda especulação com respeito aos alimentos, todo açambarcamento de trigo e óleo, toda combinação entre os vendedores para fazerem subir os preços. A costumeira meticulosidade dos rabinos tornava então muito restritas as regas das transações comerciais; ou, pelo menos, isso teria acontecido caso suas instruções fossem inteiramente observadas: e ao verificar que a repetição das mesmas parecia ser necessária, pode ser talvez deduzido que não eram seguidas à risca. Havia porém casos em que o controle imposto por eles devia ser eficaz — nos mercados, por exemplo, onde o agente do Sinédrio tinha o direito de servir de árbitro, como vimos, e na porta do Templo, onde a taxa cambial era fixada a meio-obol e meio-siclo, o que, na verdade, era uma taxa dez por cento mais alta que a normal.
Isto nos leva a um ponto particularmente delicado, uma questão bastante controversa. 0 dinheiro podia gerar dinheiro? A Lei da Aliança, isto é, os capítulos 21 a 23 de Êxodo, afirmava categoricamente: "Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele como credor que impõe juros." Em principio então, todo empréstimo a juros era proibido. Deuteronômio foi ainda adiante e tornou a proibição aplicável aos alimentos e a tudo que pudesse ser emprestado.29 Poderia tal exatidão ser mantida numa sociedade melhor organizada do que aquela da época do nomadismo? Isso impossibilitaria todo comércio em larga escala. Além disso, ela podia ser facilmente evitada, e de modo a ficar mais ou menos dentro da Lei, desde que o devedor insolvente podia ser preso e vendido juntamente com suas mercadorias; o que permitia um lucro bastante atraente, de uma certa espécie. Num método menos legal, mas também menos feroz, o emprestador podia insistir em receber um presente antes de adiantar o dinheiro. Os rabinos haviam, portanto, inventado um sistema de leis que resolvesse a situação: em teoria o empréstimo a juros era proibido, mas o que de fato era realmente condenado era a usura. Eles inventaram uma doutrina sobre a restituição do investimento do capital, exatamente como Tomás de Aquino, na Idade Média, descobriu que era permitido tomar dinheiro de empréstimo para aplicá-lo em transações comerciais. Em muitos respeitos o tratado Baba Mesia é o precursor da Secunda Pars da Summa Theologiae. Por outro lado, a extorsão de juros excessivos das pessoas mais pobres necessitadas de dinheiro era chamada pelo Talmude de "abominação das abominações", e os usurários que incorriam neste crime cometiam exatamente a mesma abominação que "aqueles que derramam sangue".
Essas palavras diretas porém não parecem ter evitado a existência de usurários. Quando Cristo se achava na casa do fariseu e a mulher pecadora chorou a seus pés, Ele proferiu uma parábola a respeito de um credor;30 e realmente parece tratar-se de um prestamista profissional. Havia entre estes alguns despidos de todo escrúpulo, e eles mandavam preparar documentos através de advogados suspeitos, diante de testemunhas, exigindo juros altos pelos empréstimos. Lemos no Talmude a respeito de um desses homens que, ao ser censurado por infringir a Lei,replicou com sarcasmo: "Se Moisés tivesse sabido quanto dinheiro pode ser ganho emprestando dinheiro a juros, ele não teria pensado em proibí-lo".31 E difícil dizer qual a taxa considerada como usurária, ou até que ponto a cobiça de um usurário podia levá-lo. Filo diz que havia prestamistas em Alexandria que insistiam em ganhar cem por cento;32 mas ele não conta se eram judeus ou pagãos.
A própria Lei porém abria exceções. Deuteronômio declarava que era permitido cobrar juros dos estrangeiros,33 e isto podia ser considerado como um encorajamento bíblico direto para a instalação de estabelecimentos bancários em Israel. Os rabinos permitiam que um convertido emprestasse dinheiro no caso de não ser circunciso; mas, diz o Baba Mesia, no momento em que se submetesse â pequena operação que o tornava membro do Povo Escolhido, o credor deveria dizer-lhe: "0 dinheiro que lhe emprestei não mais rendará juros". Seria interessante saber se isto acontecia realmente na prática.
Os doutores da Lei eram muito indulgentes no que se referia a todos os negócios feitos com pagãos. Assim sendo, embora fosse crime que um judeu praticante comesse carne de porco — veja Levítico 1 1.7 — não existia qualquer proibição no sentido de que não vendesse um animal impuro a estrangeiros impuros.34 No que se referia a transações comerciais com estrangeiros, os preceitos e proibições dos rabinos eram escassos. A diferença no tratamento dos escravos judeus e pagãos,36 leva-nos até a supor que os negociantes israelitas podem até mesmo ter-se envolvido no lucrativo mercado de escravos que era a especialidade dos sidô-nios.
Este aspecto da moralidade dos negócios e empréstimos em dinheiro era em aiguns sentidos nobre e elevado, embora deficiente em outros: devemos contrastá-lo com os ensinamentos do Evangelho? Existem alguns pontos doutrinários que nos fazem sentir a superioridade do ensino de Cristo sobre o da lei judaica, ou que nos revelam mais claramente que ele pede aos seus seguidores que vão muito além dele. Nosso Senhor menciona com frequência o dinheiro e as transações comerciais, mas sempre para ensinar completo desprezo pelo amor ao dinheiro em si. Ele ordena ao credor que perdoe o devedor como Deus nos perdoa: e quantas vezes? Setenta vezes sete, se necessário.38 0 homem rico que enriqueceu à custa da felicidade de outros vai para o inferno, enquanto o mendigo Lázaro repousa no seio de Abraão.37 Aos olhos de Cristo, o dinheiro e tudo que estava ligado a ele era uma parte essencial do reino de Mamom, o senhor a quem nenhum servo de Deus podia servir, desde que o homem só pode servir a um senhor de cada vez;38o dinheiro era considerado "riqueza infqua", cujo único objetivo era permitir que o crente acumulasse um tesouro no céu dando esmolas.39
"MAS ONDE SE ACHARÁ A SABEDORIA? . . .0 ABISMO DIZ: ELA NÃO ESTÁ EM MIM . . . E 0 MAR DIZ: NÃO ESTÁ COMIGO"
Quais as rotas seguidas pelo lucrativo comércio dos ricos mercadores judeus? Grande parte era feita por mar. Isto não significa que Israel possuísse uma frota mercante para transportar todas as suas importações e exportações: como diriamos hoje, não era "sob a sua própria bandeira" que os mercadores israelitas cortavam os oceanos.
Os judeus nunca foram bons marinheiros, embora sempre tivessem reconhecido a utilidade do mar: o patriarca Jacó, ao abençoar seus filhos, indicou que Zebulom, que habitava na região costeira, teria a vantagem de ficar próximo dos navios,40 e Moisés, confirmando isto, profetizou que a tribo dele aproveitaria "a abundância dos mares"41. Em seu famoso hino de vitória a belicosa profetisa Débora afirmou que "Dã se deteve junto a seus navios", isto é, ocupava-se com os seus negócios marítimos.42 Podemos dizer apenas que os descendentes de Jacó, Moisés e Débora, parecem não ter cultivado esta vocação marítima. 0 mar é mencionado perto de cem vezes na Bíblia, e várias passagens revelam um real conhecimento das viagens por mar; mas os navios sempre pertencem a estrangeiros, como os "navios de Társis" tantas vezes citados,43 ou os enviados por Salomão e seu amigo Hirão a Ofir a fim de transportar coisas preciosas,44 que em ambos os casos eram sem dúvida fenícios.
Do alto de suas montanhas os judeus contemplavam a vastidão do mar; mas diversamente dos gregos e fenícios não sentiam atração por ele; chegando até mesmo a desconfiar dele. "Eis o mar vasto, imenso, no qual se movem seres sem conta, animais pequenos e grandes. Por ele transitam os navios, e o monstro marinho que formaste para nele folgar". Isto estava longe de dar segurança. 0 Salmo 106 dava uma descrição ainda mais alarmante de uma tempestade no mar. Jesus ben Siraque, esse defensor de uma sabedoria algo terrena, observou: "Os que navegam o mar, de.screvem-lhe a imensidão; e nós, ao ouvf-los, nos enchemos de admiração".46 0 mar era com certeza mais um motivo para admirar as obras de Deus em sua criação; mas qualquer aproximação maior dele era indesejável. As palavras de Jó no sentido de que a sabedoria não se encontra no mar,48 eram consideradas como literalmente exatas e julgado melhor deixar o perigo para os pagãos insensatos. 0 fato do Senhor jamais fazer uso de termos marítimos, e de que suas palavras sobre o mar sempre se referirem nas parábolas ao Lago de Genesaré, é significativo.
Esta aversão baseava-se puramente em razões geográficas. A costa Palestina não se presta à navegação: os ventos da África a varrem com força, levantando enormes massas de areia, o que torna raso o mar, e assim os barcos de maior calado têm de ancorar ao largo a fim de evitar os bancos de areia. É uma costa reta com uma única baía bem situada, aquela parte em que a linha costeira se curva sob a proteção do Monte Carmelo; e mesmo esta fica perigosamente exposta ao vento norte. Não existem na Palestina aquelas enseadas acolhedoras, aquela quantidade de ilhotas que tanto contribuíram para fazer dos gregos um povo de marinheiros. 0 próprio Josefo47 nos ensina que os portos que Simão Macabeu e depois João Hirca-no se esforçaram tanto para manter,48 tais como os de Dor e Jope (agora Jafa) não passavam de ancoradouros bastante modestos, servindo apenas para os pequenos barcos pesqueiros e para a coleta de moluscos usados na fabricação de púrpura. Ptolomaida, a nossa Acre ou Áco, era inteiramente grega. Um porto bem pequeno de nome Elote, próximo da atual cidade de Á-caba, havia substituído o esplêndido ancoradouro de Eziom-Geber, no alto do Golfo de Ácaba, construído por Salomão para comerciar com o Oceano índico.49 0 único porto autêntico foi aquele construído por Herodes o Grande, onde nada existira antes, na cidade siro-fenícia de Turris Stratonis: um molhe, apoiado em alicerces de enorme solidez, penetrava cerca de sessenta metros oceano a dentro, protegido por enormes blocos de pedra contra a força das ondas; a sua entrada, a noroeste, ficava em ângulo, de modo a que o porto não fosse atingido pelo vento, sendo o lugar inteiramente equipado com docas e armazéns. Mas apesar do grande número de mercadores judeus que para ali se dirigiam, Cesaréia era uma cidade pagã, controlada pelos romanos — deve ser lembrado que o procurador residia nela — e administrada pelos gregos e sírios no que dizia respeito à navegação.
O mar não era então província dos judeus. 0 Povo Escolhido precisava ser impelido por uma necessidade imperiosa antes de lançar-se voluntariamente às ondas. Ao comentar sobre as consequências do desastre de 66-70 A.D., Josefo60 diz o seguinte: "Muitos judeus, não podendo mais viver em seu país devastado, decidiram tornar-se marinheiros, equipando vários navios piratas e atacando as embarcações mercantes sírias e fenícias a caminho do Egito, o que tornou praticamente impossível o tráfico naquelas águas". Isto não acontecia na época de Cristo. Os ricos negociantes judeus, tanto para as suas viagens particulares como para movimentar as suas mercadorias, alugaram os serviços de armadores gregos, fenícios ou romanos. 0 Mediterrâneo, o mare nostrum do império, era constantemente cruzado em todas as dire-çõés por um número incontável de embarcações, particularmente nas estações favoráveis do ano. Os barcos eram principalmente de dois tipos: os oneraria ou frumentaria dos latinos se identificavam com o que chamaríamos de navios cargueiros; eram lentos e deselegantes, sendo seu comprimento pouco mais de quatro vezes a sua largura; o segundo tipo era muito mais bonito, com linhas melhor projetadas, sendo usado para o tráfego de passageiros. Todos esses barcos eram a vela, sendo esta feita quase invariavelmente de um quadrado único e pesado que não podia ser usado no mau tempo; somente os melhores navios, geralmente de fabricação fenícia, possuíam algo parecido com uma mezena (mastro de ré) que permitia à embarcação estar à capa numa tempestade. A quilha era desconhecida, assim como o leme, e os navios eram pilotados com um ou dois remos grandes, um pouco à frente, na popa; eles se quebravam com facilidade, e no momento em que o mar se tornava agitado, precisavam ser recolhidos. As embarcações naturalmente se mantinham sempre próximas à costa, movendo-se de um marco para outro — rochedos, vilas, faróis — pois perdê-los de vista teria sido o máximo da insensatez.
Quem quiser ter uma idéia exata de como eram as viagens por mar nos dias de Cristo, de como os barcos eram dirigidos e quais os perigos que corriam no mar, basta ler a descrição das viagens de Paulo no livro de Atos, em especial aqueles notáveis capítulos 27 e 28, que Lord Nelson descreveu como tendo sido o mestre que lhe ensinou a sua profissão. Vemos ali o apóstolo usando em primeiro lugar os barcos costeiros que levavam cargas mistas, gado e passageiros, de porto em porto na Ásia Menor; de uma ilha grega para outra e depois para a Europa, como fazem os barcos do arquipélago grego até hoje. Nós o vemos depois sendo levado para Roma, para ser julgado por César e colocado a bordo de uma embarcação costeira a princípio e depois em um cargueiro que fazia a rota Alexandria-Pozzuoli em Mirra. Cai então uma tempestade que dura quatorze dias, provocando o naufrágio do navio do apóstolo, e finalmente sua chegada à Baía de Nápoles num barco romano chamado Castor e Pollux 91 Fica perfeitamente claro através desse relato aventuroso, porque os judeus que não eram impelidos pelo zelo apostólico nem por um desejo ardente de fazer fortuna deveriam preferir permanecer na terra seca de Deus.
AS ESTRADAS E AS TRILHAS DAS CARAVANAS
O restante do comércio, e certamente a parte mais importante dele, se movimentava por terra. A Palestina, aquela faixa estreita correndo de norte a sul, com o Mediterrâneo de um lado e o deserto no outro, foi sempre um lugar de passagem; e a isto ela deve o seu trágico destino (tão claro hoje como sempre) de um país continuamente assediado. Todavia não é fácil movimentar-se através da Palestina. Além do Jordão, na região montanhosa que é agora a Jordânia, o traçado das principais estradas e trilhas é bastante claro; elas contribuíram para fazer a fortuna de Damasco, Palmira, Baalbeck e da misteriosa Petra rosa e vermelha; e foi ao longo dessa linha principal de tráfego que a estrada de ferro veio a ser construída. Na Palestina propriamente dita, porém, isto não acontece. Para ir do leste ao oeste é preciso descer até o fundo do "Ghor", subir de novo mais de 600m por gargantas difíceis e descer outra vez em três estágios até a planície marítima. Existem três caminhos naturais do sul para o norte, mas nenhum deles é realmente fácil: "a Sefelá é a melhor estrada, mas vai de encontro à cadeia montanhosa do Carmelo; a que segue o vale do Jordão fica intransitável durante meses por causa do calor, sendo perigosa em toda e qualquer época por causa das feras; a mais usada, que segue os cumes das montanhas (e que é muito bela) sobe e desce continuamente; além disso, a parte central desta estrada era evitada pelos judeus mais rigorosos, que preferiam fazer uma volta do que atravessar o país dos heréticos samaritanos.
Durante a vida de Cristo a principal estrada comercial do país era certamente aquela que corria do outro lado do Jordão. Os comboios da Capadócia e Anatólia, tendo atravessado as gargantas do Taurus, chegavam a Padã-Arã, e ali se juntavam aos que vinham da Mesopotâ-mia pela antiga rota seguida por Abraão e os patriarcas — era incomum cruzar o deserto em linha direta — e iam então para o sul em direção à Palestina, na qual entravam pela estrada de Cesaréia de Filipos, no sopé do Monte Hermom, ou por aquelas que desciam de Moabe. Na outra direção, a mesma trilha servia para as caravanas vindas do sul, transportando os produtos da Arábia e leste da África, trazidos pelos navios costeiros do Mar Vermelho e do Golfo de Áca-ba, assim como pelas caravanas do Golfo Pérsico, que chegavam ali pela depressão arábica central. Os mercadores judeus participavam deste importante comércio, associando-se com os comerciantes árabes que dominavam completamente os seus movimentos — os de Palmira ao norte e os nabateus ao sul. Estes últimos competiam com sucesso com o mercado marítimo de Alexandria, jamais hesitando em atacar seus cargueiros pesados com navios piratas muitos leves; de Petra eles podiam observar as três rotas das caravanas, bem distantes daquela que levava às minas de cobre do Arabá. Uma das principais razões da fortuna de Herodes o Grande, tanto financeira como política, foi sua habilidade em tornar-se aliado, amigo e controlador dos nabateus.
Dentro da Palestina propriamente dita não havia rota comparável a esta pela importância do comércio que passava por ela. Entre as principais estradas, além dessas três que iam do norte para o sul, cujos pontos fracos acabamos de mencionar, havia a chamada "estrada real" que saía do porto de Cesaréia ao norte do país, partindo de Citópolis, onde cruzava a estrada norte-sul do espinhaço, para unir-se â grande trilha de caravanas em direção a Damasco, próximo de Derat; a estrada que ia de Jope a Nablus e a Siquém, passando entre o Monte Ebal e Gerizim, e finalmente as estradas que seguiam de Jerusalém para todas as direções, duas para Gaza, uma passando por Belém, a outra pelo Vadi es Surar; duas para Jope (Jafa), uma que passava por Emaús, a outra por Lida; e acima de todas a famosa estrada de Jericó, que seguia até cruzar o Jordão no último ponto em que permitia ser vadeado, o vau de Bethabara, onde Cristo foi batizado, e depois subia a grande montanha de Moabe a fim de unir-se à rota principal das caravanas ou continuar até Filadélfia, que é chamada agora de Amã.
Como eram essas estradas do ponto de vista técnico? Há grande probabilidade de que fossem bem precárias. Os estudos admiráveis do Padre Poidebard e suas extraordinárias fotografias aéreas62 mostraram que na província romana da Síria os conquistadores estabeleceram um sistema de estradas que, através de todo o império, fazia parte essencial da sua força. As verdadeiras viae foram encontradas, com suas imensas placas de pavimentação assentadas em concreto, algumas com cinco metros de largura e outras apenas dois e meio, mas com lugares preparados a intervalos onde os carros podiam fazer ultrapassagem; as viae terrenae também podem ser ainda encontradas, aquelas feitas de terra batida coberta com calçamento, assim como trilhas de caravanas com poços cobertos e marcos orientadores ao longo das mesmas. Foram também descobertas pontes e com maior freqüência vaus aperfeiçoados, com o fundo do vale coberto de pedras com ranhaduras profundas para que o condutor do carro colocasse nelas a roda do veículo e pudesse assim atravessar pela água. Será que as estradas palestinas faziam parte dessa magnífica rede que cobria todas as rotas naturais da Síria e Trans-jordânia? Não se sabe ao certo, pois o sistema de detecção aérea do Padre Poidebard apenas começou, mas isso não é de forma alguma provável. As grandes obras nas estradas sírias foram empreendidas pelos romanos quando a fronteira, fixada por Pompeu e Augusto na curva do Eufrates, foi levada mais adiante por Trajano, e acima de tudo quando os Antoninos (e mais tarde Dioclécio) estabeleceram as Umes, a linha de fortificações contra a ameaça de uma invasão parta. É improvável que sob Augusto e Tibério a administração romana tenha feito esforços muito grandes para melhorar as comunicações numa sub-província insignificante e remota cujo comércio não os interessava e que não fazia parte da fronteira. Mais improvável ainda é a possibilidade dos tetrarcas subalternos terem gasto uma grande importância em dinheiro em empreendimentos tão menos ostentosos que palácios.
VIAJANTES E SALTEADORES
0 tráfego nessas estradas e trilhas era intenso, justamente pelo fato de serem relativamente poucas. Como é natural, não eram muitos os que viajavam pelo simples prazer de viajar, embora encontremos Ben Siraque dizendo: "Muitas coisas vi nas minhas viagens, os costumes dos homens mais do que posso contar",63!3) apesar de ser praticamente certo que havia judeus ricos entre os turistas que iam passar o inverno no Egito, aproveitando-se de sua estada para visitar o colosso de Memnon, o Vale dos Reis, o templo de Isis em Phíloe, sem esquecer o boi Ápis em Mênfis e os crocodilos sagrados em Arsinoe, que sempre tinham de ser presenteados com bolos.
Mas havia muitas outras razões para viajar. Lendo os evangelhos não temos na verdade a impressão de que os judeus estavam perpetuamente em movimento? Com o tipo de relacionamento familiar mantido por eles, as visitas eram muito comuns — visitas como aquela feita por Maria à sua prima Isabel e a própria Visitação. As peregrinações também levavam milhares de pessoas para as estradas; na época das grandes festas, principalmente a da Páscoa, havia uma corrente quase contínua de peregrinos que "subiam" para Jerusalém, e que voltavam para suas casas depois das cerimônias, como vemos naquela passagem de Lucas, onde José e Maria pensam que seu filho estava na companhia de outros membros da caravana.66 E por último, a grande razão das viagens: o comércio. Nas estradas principais não se viam apenas os mercadores judeus, mas também os esbeltos caravaneiros nabateus, os grandes negociantes babilônicos, vestidos de seda e com pesadas argolas de ouro no nariz, homens de negócios da Síria e até mesmo abissínios da cor do cobre e negros sudaneses, sem mencionar os mascates gregos e os fornecedores das lojas, cobradores de impostos romanos e, naturalmente, os camponeses que iam vender seus produtos no mercado.
Quando alguém tinha uma longa viagem a fazer, tomava as necessárias providências para partir no inicio da semana, a fim de não ser retido pelo descanso sabático obrigatório, quando não podia viajar além de dois quilômetros.56 Procurava também vestir-se adequadamente: as noites podiam esfriar e sempre havia a possibilidade de ter de passar a noite ao relento; os dias podiam ser também excessivamente quentes e era preciso tomar precauções para não passar sede. Ele "cingia os lombos", enfiando a capa na cinta,68 a fim de que esta não o atrapalhasse. Colocava o dinheiro para a viagem na cinta, e se fosse religioso punha também nela o livro da Lei.59 Era comum ter um par de sandálias ou de sapatos extra — aquelas sandálias a mais que o Senhor ordenou que os apóstolos não levassem.60 Uma mochila ou mala de viagem era sempre levada, e um bordão, pois talvez fosse necessário defender-se. No caso do verão já ter passado era preciso levar também um casaco pesado, ou também caso houvesse necessidade de passar pelas montanhas, aquela capa grossa que Paulo tanto prezava, como vimos.61 Se o homem viajava montado, levava uma pele com água misturada com vinagre ou vinho; caso contrário, bastava-lhe um frasco. Mas ele jamais viajava sem uma cuia seca e vazia, com uma pedra dentro para torná-la pesada, a fim de que pudesse tirar água de qualquer poço que encontrasse,62 não tendo de pedir esse serviço a qualquer criatura ímpia, tal como a mulher samaritana, por exemplo.
Se o tempo tornava impossível dormir ao relento, enrolado na capa, a maneira mais comum de conseguir uma cama era pedir pousada numa casa. A hospitalidade entre os judeus era considerada uma grande virtude, assim como entre todas as nações da antiguidade: o viajante sempre encontrava alojamento, exceto em Jerusalém por ocasião das festas, quando a cidade inteira transbordava de gente. Havia também hospedarias: isto fica evidente em Lucas, que conta como Cristo nasceu num estábulo e foi colocado numa manjedoura "porque não havia lugar para eles na hospedaria". É feita também referência a uma outra na parábola do bom samaritano, assim como numa anedota no tratado Shabbath. Não parece ter havido muitas delas; e as que existiam assemelhavam-se sem dúvida àqueles caravançarás nada confortáveis que podem ser ainda vistos nos países orientais: apenas uma praça rodeada por muros, um espaço descoberto para os animais, um alojamento de madeira para abrigar as pessoas, e alguns poucos quartinhos para os viajantes mais abastados.
A montaria comum dos viajantes e o animal de carga usual era o jumento. Ele não tinha rivais nos caminhos inclinados, pedregosos e geralmente estreitos. Firmas especializadas no aluguel de asnos e condutores para os mesmos achavam-se em atividade, mediante contrato com os viajantes. O tratado Baba Mesia estabelece as cláusulas para esses contratos, e leva a exatidão a ponto de regulamentar a qualidade dos alimentos da criatura e a carga máxima que podia carregar.63 Os asnos de Licônia eram os preferidos para as longas viagens, sendo os mais fortes dentre todas as raças, embora terrivelmente obstinados. Os romanos viajavam geralmente a cavalo (e o cavalo era o melhor servo dos postos imperiais), mas os judeus raramente o faziam. Alguns porém possuíam cavalos, desde que o tratado Shabbath julgou necessário estabelecer as condições sob as quais era permitido cuidar deles e colocar uma corrente em seus pescoços no dia do descanso. O mesmo se aplicava aos camelos que podiam ser levados para fora no sábado com um freio na boca ou uma argola no nariz.64 De forma geral eles só eram usados no comércio com a Arábia e a Mesopotâmia; isto é, quase todos pertenciam aos nabateus. O camelo levava com freqüência uma carga de quase meia tonelada e caminhava quarenta quilômetros por dia.
Eles já conheciam os veículos com rodas, mas estes eram pouco usados. 0 coche era o transporte dos ricos, como pode ser visto no livro de Atos na descrição do eunuco etíope, o ministro da rainha Candace que o diácono Filipe encontrou na estrada que vai de Jerusalém a Gaza, lendo Isaías durante a viagem.65 A construção dos mesmos não podia ser mais simples — uma espécie de caixa feita de vigas cruzadas, montada sobre duas rodas, puxada por dois cavalos, asnos, mulas, ou até mesmo bois no caso do transporte comercial. A lança pousava sobre as suas cernelhas, fixada a um jugo preso ao pescoço dos animais por meio de uma tira; isto apresentava a desvantagem de quase enforcar as criaturas, o que naturalmente diminuía a sua potência.66 As bigas de quatro rodas eram os Rolls-Royces ou Cadillacs da época, sendo reservadas para os membros da família imperial, mas os reis subalternos e os tetrarcas também faziam uso delas. O cúmulo da sofisticação, para as distâncias mais curtas, era a liteira carregada por porteiros.
Um último ponto sobre as viagens em Israel; ninguém viajava sozinho, a não ser quando se tratava de distâncias muito pequenas. Toda jornada tinha seus riscos, e alguns deles estão incluídos em Eclesiástico — tempestades de areia, insolação, o tropeçar de um cavalo — sendo o viajante advertido a não partir sem ter primeiro orado Aquele que dá força e proteção. Não existe porém menção a um outro perigo que, porém, era muito comum. Os homens viajavam em grupos; eles formavam caravanas até para fazer peregrinações (como vemos em Lucas67), confiando-se a um guia, "o olho da caravana", como os beduínos ainda o chamam; e isto não era absolutamente para protegê-los da insolação ou do recuo de suas montarias, mas para guardá-los contra ladrões e salteadores.
Esta era uma das maldições da época. As autoridades imperiais tinham dificuldade em lutar com ela mesmo na Itália. É interessante notar como o risco de roubo, saque e assalto nas estradas ocupava um lugar importante na vida diária nos evangelhos. Em primeiro plano vinham os arrombadores de casas, que, como lemos, podiam abrir um buraco na parede da casa como se fosse um brinquedo de criança, e os ladrões de gado que desapareciam rapidamente com qualquer animal extraviado. Mas quando lemos novamente a parábola do bom samaritano, vemos que se tratou de um assalto armado, um ataque violento do qual a vítima só se recobrou por verdadeiro milagre. Aconteceu num lugar tão mal afamado que todos os outros viajantes procuraram afastar-se dele, sem perder tempo em ajudar o homem ferido. Onde ficava porém esse lugar? Na estrada de Jerusalém para Jericó, uma das estradas mais freqüentadas, que ficava apenas a duas ou três horas da capital.68 0 que aconteceria então mais adiante, principalmente quando se chegava ao deserto propriamente dito? Nas colinas e desfiladeiros da Judéia emboscavam-se bandos inteiros de pastores desempregados, mendigos decididos a tudo, mercenários ociosos e escravos fugidos, assim como os da resistência, os maquisards, os sicarii pertencentes aos grupos que surgiam de tempos a tempos contra os Herodes ou os romanos; e ao leste o banditismo alcançava um ponto ainda mais aperfeiçoado de organização. Ali os homens daquelas nações nômades ou parcialmente nômades a quem o rei Aristóbulo obrigara a aceitar a circuncisão, não hesitavam em lançar ataques repentinos e bem planejados contra as caravanas. "Se não tiverem a quem roubar," diz Josefo, "roubam uns aos outros.”89 0 que podia ser feito contra tais pessoas? Nos tempos de Nero, o bandido-chefe Eleazar resistiu durante vinte anos a todas as forças da lei, até que o procurador Félix conseguiu agarrá-lo.70 Os mercadores inteligentes entravam em acordo com os chefes dos bandos e lhes pagavam um tributo para serem deixados em paz; sendo que alguns até pagavam para atirar um bandido contra o outro. Esses eram os costumes familiares no ocidente no início da Idade Média, mas não são os que nos ocorrem em primeiro lugar quando pensamos nos dias de Cristo e no seu país.
 
 
3. Contexto literário: os Evangelhos.
 
LETRAS, ARTES E CIÊNCIAS
Uma literatura sem ",simples letras" — A arte da palavra escrita — "Non impedias musicam" — Uma nação sem arte? — Conhecimento, o segredo de Deus
UMA LITERATURA SEM "SIMPLES LETRAS"
"Os livros entre nós, contendo a história de todas as idades," diz Josefo,1 contrastando os judeus com os gregos, "não são nem infinitos nem repugnantes uns aos outros: pois toda a nossa crônica se acha contida em vinte e dois livros, aos quais é impiedade negar crédito".
Esta era uma das singularidades mais marcantes de Israel, essa nação especial: eram o Povo do Livro, mas livros, no plural, não eram produzidos por eles. Um povo cuja existência inteira era regulamentada por um Escrito, mas que desdenhosamente rejeitava tudo que (com Verlaine2) pudesse ser considerado "simples escrito". Não existe um único livro conhecido em Israel que trate de qualquer assunto profano, ou cujo objetivo seja apenas distrair. Impossível imaginar um Teócrito ou Catulo judeu, menos ainda um Ovídio, Apuleius ou Petrônio. Josefo não foi inteiramente exato ao decalrar que Israel não possuía outro livro senão a Bíblia, mas é perfeitamente verdadeiro que nada possuiam além de sua literatura sagrada.3
O que liam então os judeus? A resposta é simples: liam a Bíblia, isto é, o Velho Testamento e escritos ligados â Bíblia. Os primeiros cristãos fizeram o mesmo: eles jamais se cansavam de ler ou ouvir a maravilhosa história de Deus feito homem, o relato das Boas Novas e os comentários a seu respeito nas cartas dos que haviam conhecido Cristo. Essas idéias são tão distantes das nossas que é difícil compreendê-las. Entre os judeus praticantes, a rejeição de toda literatura profana era fortalecida pelo seu ódio pela idolatria — sendo as cartas greco-romanas uma fonte e um veículo tanto de idolatria como de imoralidade. A mesma hostilidade pode ser encontrada nos Pais da Igreja. Isto explica a ausência de peças judaicas, a total ausência de um teatro hebraico: os gregos da antiguidade conheciam a função sagrada da tragédia, mas os cristãos levariam cerca de mil anos para descobrí-la novamente.
É verdade que os judeus encontraram no Velho Testamento uma esplêndida diversificação de assuntos, pois ele trata de diferentes temas de formas diversas. A natureza da escrita varia de lugar para lugar; a importância desta variação de estilo, natureza e assunto é enfatizada na encíclica esclarecedora de Pio XII, Divino afflante spiritu, de 1943, e sem uma apreciação da mesma é impossível compreender o texto sagrado segundo o verdadeiro intento de seus autores.4 Ao ler a Bíblia, os judeus encontravam nela poesia e história, metafísica e ética, fascinantes relatos de exemplos e uma inesgotável coleção de máximas. Eles liam os gloriosos anais de seus antepassados com apaixonado orgulho, Juizes, Reis e Crônicas; sentindo-se profundamente comovidos pelos Salmos e as admiráveis harmonias dos Cantares de Salomão; adquiriam grande experiência da vida e da natureza humana em Jó, Provérbios e Eclesiastes; e poderiam os apreciadores das aventuras românticas exigir mais do que as histórias de Jonas, ou das heroínas de Israel, Rute e Ester, admiradas por todas as moças judias?
Na Bíblia, ou derivados diretamente do seu texto sagrado, existem escritos de natureza tal que são quase inacessíveis ao homem ocidental do século vinte, ou pelo menos excessivamente difíceis para que possa apreciá-los plenamente. As obras dos profetas, especialmente, tão importantes para os judeus (como a fórmula "a Lei e os profetas" torna clara), que eram classificadas como aquelas em que a vontade de Deus foi estabelecida. Esta vontade, afinal de contas não se expressou da mesma forma pelas vozes inspiradas daqueles grandes homens que, posicionados como se fora do tempo, onde o passado, presente e futuro se uniam, podiam mostrar ao povo de Israel o seu misterioso destino? É difícil imaginar uma nação inteira cuja vida literária fosse vivida ao nível espiritual de Isaías, Jeremias ou Ezequiel; todavia, só pelas contínuas alusões nos Evangelhos e nas Epístolas, fica evidente que todos esses livros grandiosos, esplêndidos e violentos eram conhecidos em seus menores detalhes — e não só os grandes profetas maiores, mas também os menores, aqueles a quem o cristão moderno mal conhece — Naum, Miquéias, Sofonias, Habacuque.6 Os primeiros cristãos, porém, eram grandes leitores da Bíblia; tinham sido educados nela; e nos eventos e ensinos das Sagradas Escrituras reconheciam as predições proféticas e simbólicas do mistério de Cristo, o cumprimento da Lei, como disse Paulo; e na velha aliança a promessa da nova.
Existia realmente uma literatura em separado da Bíblia, mas ligada de perto a ela. Eram os escritos que mais tarde foram colecionados pelos rabinos para formar o Talmude.8 Já mencionamos os Targuns cujo propósito era esclarecer o texto, traduzindo-o para o aramaico,7 como por exemplo aquele do qual Marcos certamente extraiu a citação do Salmo 21 que ele coloca na boca do Cristo agonizante,8 ou aquelas versões de Gênesis e Jó encontradas entre os rolos do Mar Morto, ou novamente aquelas coletadas pelos rabinos.9 Mas, acima de tudo, havia comentários sobre os textos, aqueles inúmeros comentários que a relação íntima dos israelitas com a Bíblia fez surgir. 0 midrasch, nome derivado da mesma raiz que as palavras "ensinar" e "investigar", era uma exposição e um comentário para explicar as soluções contidas na Torá de forma velada ou obscura; os tesouros vitais da palavra de Deus; tratava-se de um produto típico da mente judia, para a qual o significado moral e espiritual de um evento tinha mais importância do que o seu aspecto material. 0 midrasch não era uma obra só dos letrados; nas sinagogas os crentes comuns podiam fazer a sua exegese, e vemos nosso Senhor fazendo justamente isso. E todas elas, depois de escritas, eram acrescentadas âs demais nessa imensa literatura piedosa. Uma das formas mais apreciadas do midrasch era o pesher, cujo intento era mostrar o cumprimento dos textos pesquisados nas Escrituras: esta forma literária era tão comum que os evangelistas se voltam para ela muitas vezes para enfatizar que algum determinado fato da vida de Cristo ocorreu para "que as Escrituras pudessem ser cumpridas".10
Por fim vinha uma outra classe de livros: não derivavam diretamente da Bíblia, mas se associavam de perto a ela. Ela consistia em primeiro lugar daqueles livros não admitidos no cânon, a lista ofical de livros que as autoridades religiosas haviam declarado como sendo inspirados, ditados por Deus.11 Esses livros não-canônicos eram não obstante muito lidos; entre eles, por exemplo, achava-se o Livro de Tobias e aqueles magníficos salmos encontrados nos documentos do Mar Morto, que são tão semelhantes aos contidos na Bíblia.
A grande maioria porém desta classe de livros era composta de obras cujos autores se esforçavam para usar a autoridade das Escrituras, embora tomassem com elas as mais estranhas liberdades. Todos eles foram rotulados como literatura apócrifa, mas este é um termo ambíguo, não tendo o mesmo significado para os judeus e protestantes de um lado, e para os católicos do outro.13 Tratava-se de uma literatura distribuída como um ensino esotérico, "apenas para os sábios entre o povo", dizia um dos livros,14 e revelando as intenções secretas de Deus. Um deles alegava revelaros segredos de Enoque, pai de Matusalém, de quem Gênesis fala que "andava com Deus";18 outro era a Ascensão de Isaias, outro ainda a Assunção de Moisés; mais ambicioso do que os demais era A Vida de Adão e Eva. Vários outros acrescentavam capítulos aos livros de Esdras e Daniel ou atribuíam salmos anti-romanos a Salomão. Esses escritos apócrifos eram fabricados em todo lugar. Na colônia judaica de Alexandria alguém teve até mesmo a idéia de que seria interessante apropriar-se das famosas profecias pagãs das sibilas, e imprimir uma edição revisada e corrigida dos Livros Sibilinos que os fizesse dizer exatamente o que os judeus queriam que os pagãos ouvissem. Esta era então uma literatura que continha tudo, exceto equilíbrio e discrição: ficção histórica, ou história fictícia, lendas piedosas, vidas lendárias de homens santos, profecias e apocalipses. Estes últimos constituíam um grupo particularmente numeroso. Obras estranhas essas, em que algum conhecido personagem bíblico, através de visões, desenrolava a história do mundo, terminando com uma revelação dos últimos dias da humanidade.18 Como é natural, havia uma grande desproporção e até mesmo insensatez neste mundo curioso dos apócrifos — esses êxtases delirantes, como chamados por Jerônimo — mas não existe qualquer dúvida de que eram muito lidos pelos contemporâneos do Senhor. Sua violência apocalíptica correspondia perfeitamente aos profundos anseios daquela nação humilhada, para quem um cataclisma universal era agora a única vingança a esperar.17 É significativo que os Pais da Igreja tivessem feito citações extraídas de alguns dos apócrifos judeus, que várias das primeiras heresias fossem baseadas neles, e que até a mais autêntica tradição da Igreja Católica não deixou de ser influenciada por eles, como podemos ver naquela linha do Dios Irae, teste David cum Sibylla.'*
Em resumo, a literatura judaica nos dias de Cristo nos pareceria muito estranha: como se alguma nação cristã moderna se limitasse exclusiva mente aos livros sagrados e comentários teológicos, e como passatempo lesse ou a Lenda Dourada (Golden Legend) e outras obras desse tipo ou poemas como a Divina Comédia de Dante, o Paraíso Perdido de Milton ou as Núpcias do Céu e Inferno (Marriage of Heaven and Hell) de Blake. Muitâs das características fundamentais dos judeus são assim explicadas, assim como muitos dos acontecimentos que pouco antes da época de Cristo abriram caminho para o enorme levante no qual o Povo do Livro foi vencido — acontecimentos esses que sem dúvida deram lugar â rebelião.
A ARTE DA PALAVRA FALADA
Se tivermos em mente o papel desempenhado pela palavra falada na comunicação do pensamento, e o fato de que a própria Bíblia, por exemplo, existiu oralmente muito antes de ter sido escrita, fica fácil entender que havia uma ligação necessária e forte entre a literatura e a arte da oratória. Os homens a quem poderíamos dar o nome de "escritores" foram primeiro "oradores”, isto é, tinham o dom da palavra. Em Israel, como acontece nos países orientais hoje, havia homens que falavam nas ruas e nas praças ou nos pátios do Templo e a multidão se reunia ao redor deles. O que surpreende ainda mais é que os rabinos cujo dever era ensinar, mas que não tinham o dom da oratória, faziam-se acompanhar de arautos, transmissores, ou de pessoas bem falantes, que transmitiam o que o mestre tinha a dizer aos ouvintes. Talvez este costume esclareça as palavras de Cristo: "O que se vos diz ao ouvido, proclamai-o dos eirados".20 Não existe dúvida de que Jesus foi um grande mestre da arte da palavra falada, dominando todos os recursos, usando todas as formas de linguagem desde a mais absoluta violência até a maior persuasão, da extremada ternura ao mais alto nível de compaixão. João Batista também o era. As poucas palavras pronunciadas por ele que chegaram até nós são singularmente impressionantes. E os resultados da pregação de Paulo só podem ser explicados pela posse de um grande poder de oratória.
Mas a arte de falar dos israelitas nada tinha a ver com o que os gregos e romanos compreendiam como eloqüência. O próprio Paulo foi levado a compreender isso em Atenas, onde, como sabemos, não teve grande êxito.21 A organização ordeira das idéias, o desenvolvimento lógico e a prova, que constituíam a base da arte de falar segundo Cícero, eram coisas completamente estranhas à mente judia; como continua sendo, nesse respeito, para o maometano. Para os israelitas a oratória não consistia tanto na convicção pelo raciocínio como em estabelecer contato com as emoções dos ouvintes, com a sua sensibilidade. O orador excelente era aquele que possuía a técnica dos doutores da Lei e mesmo, como vimos, dos mestre-escola em sua mais elevada perfeição — aliteração, ecos e paralelos, ritmos. Pela sua natureza a eloqüência chegava às raias da poesia; e embora não houvessem regras fixas nem métrica rígida como na poesia grega e romana, acontecia com freqüência que as palavras dos melhores oradores se transformavam em versos, com uma cadência deliberadamente desigual e até em estrofes com refrões.
Com referência ao seu discurso, o mestre da palavra falada era reconhecido por certos sinais distintos: deveria ter capacidade para introduzir nele citações ou alusões bíblicas que pudessem ser instantaneamente reconhecidas pelos ouvintes — quando João disse: 'Sou a voz que clama, "No deserto, preparem-se para a vinda do Senhor" ’,(4) ele estava citando Isaías palavra por palavra, e sua audiência sabia disso.22 Toda declaração devia ser apoiada pela palavra de Deus. O grande orador precisava estar capacitado para produzir variações em qualquer tema dado, como o músico improvisa as variações sobre uma frase melódica: o sexto capítulo do tratado Shanhedrin afirma que o grande rabino Gamaliel, ao receber um tema, podia produzir cem exposições diferentes do mesmo. Mas, acima de tudo, o mestre da palavra falada tinha de ser um perito no mashal.
É essencial compreender o conceito do mashal a fim de poder entender a natureza da eloqüência judia: sua aplicação é encontrada em inúmeros pontos na literatura escrita, o Velho e o Novo Testamentos; mas o mashal constituía fundamentalmente uma função da palavra falada. 0 hebraico, embora conciso e cheio de colorido, mostra-se curiosamente inepto quando trata de abstrações e da realidade mais elevada: ele circunda esta dificuldade usando figuras, símbolos e comparações. Isto, além do mais, está em absoluta conformidade com o ponto de vista judeu, muito intuitivo, que instanteneamente se apega aos motivos imediatos, realistas e familiares, extraindo habilmente deles uma lição. Este modo de tomar um caso ou situação particular da vida real, a fim de que a mente e a imaginação venham a apossar-se dele e moldá-jo em um símbolo ou extrair uma pergunta geral do mesmo era de fato o mashal. Seria este processo decididamente oriental uma espécie de jogo? De modo algum, pois todo mashal precisava estar associado ao comportamento e pelo menos implicitamente à religião.
A tradução grega dos Setenta com freqüência interpreta mashal como parábola, mas seria um ero supor que todos os meshalim fossem parábolas no sentido que damos à palavra: uma prova convincente é que meshalin ê o nome hebreu para o Livro dos Provérbios. A raiz da palavra contém a idéia de "colecionar" ou "comparar", mas sua conotação comum era muito mais ampla. Um escritor francês contemporâneo23 classifica todas as suas obras sob o título de poesia: "poesia romântica", diz ele, "poesia crítica" ou "poesia cinematográfica"; e deduz-se perfeitamente que ele deseja definir uma atitude fundamental de seu pensamento criativo. 0 fato ajuda a explicar que na literatura e oratória de Israel haviam meshalim poéticos, oracula-res, satíricos e proverbiais, assim como aqueles em forma de fábulas morais.24
A parábola no sentido que damos à palavra, isto é, uma historieta como um apólogo que fornece uma lição moral ou espiritual de forma mais ou menos óbvia, era certamente um aspecto do mashal; constituindo um meio de fazer com que o fato concreto revelasse suas surpreendentes potencialidades, e sendo um dos tipos amplamente usados. Cem anos antes de
Cristo, o rabino Meir se tornara famoso por seus extraordinários poderes de produzir mesha/in desta espécie: todos eles tinham uma raposa como personagem principal, e foi dito que compôs três mil. Existem centenas desses apólogos no Talmude e alguns são muito pitorescos: Para explicar porque existe o bem e o mal no mundo, homens perfeitos e outros perversos, por exemplo, um comentarista de Gênesis compara Deus a um homem que mistura água fervendo com água fria em uma vasilha e depois enche seu jarro com ela, temendo que o barro possa rachar. Alguns são curiosamente semelhantes às fábulas de Esopo: por exemplo, um comentário talmúdico sobre Eclesiástico conta como uma raposa, querendo entrar numlugar através de um buraco pequeno demais para ela, jejuou durante vários dias a fim de emagrecer. Ao que parece, a parábola tinha sido tão usado na época de Cristo que estava começando a tornar-se algo estagnado e estilizado entre os rabinos, pois as mesmas comparações são geralmente encontradas nas obras de vários deles, e com frequência falta força e vida à composição.
Não existe dúvida alguma de que Cristo conhecia o mashal e fazia uso dele. Seria praticamente impossível que um judeu daqueles dias não tivesse ouvido uma dessas histórias engenhosas proferidas espontaneamente ou repetidas por alguém que a tivesse ouvido. De fato, o Talmude contém alguns mesha/in-parábola que são quase idênticos aos dele: existe um por exemplo, sobre os convidados do casamento e outro sobre as virgens néescias. Nosso Senhor empregou o mashal em todas as suas formas. 0 "Médico, cura-te a ti mesmo" do evangelho de Lucas26 é um mashal; o mesmo se dá com a máxima em Mateus26 a respeito do que contamina o homem: e entre as parábolas meshalim existem vários tipos diferentes, variando de comprimento e natureza.27
Quando porém comparamos as parábolas dos Evangelhos com aquelas dos tratados tal-múdicos, torna-se de imediato aparente que o seu caráter é novo. Não há nada de estereotipado ou convencional a respeito delas: sente-se que a comparação surgiu naturalmente na boca do orador; sendo simples e exata, e (trata-se de algo que não se encontra em Atos, e menos ainda nos evangelhos apócrifos) o tom é inteiramente pessoal, não podendo ser copiado, o verdadeiro estilo do Mestre. A parábola dos evangelhos "se inicia nas realidades mais humildes e reflete os conceitos mais elevados com a maior claridade; pode ser entendida pelos simples e ao mesmo tempo exige profunda reflexão por parte dos que têm conhecimento. Ela é ingênua de um ponto de vista literário; todavia, em seu poder emocional se agiganta ultrapassando de longe o mais elaborado artifício literário. Não só surpreende como persuade; ela não conquista apenas, mas convence. Do termo parabole temos parole (palavra): esta etimologia não poderá significar que a parabole de Cristo é a parole ou palavra do homem exaltada ao seu nível mais alto, e ao mesmo tempo a palavra de Deus que desceu bem junto a nós?"26
"NON IMPEDIAS MUSICAM"
A música, próxima deste conceito da arte da oratória e associada a ele, tinha um lugar de destaque em Israel. "Non impedias musicam, não interrompa quando a música estiver sendo tocada," disse Ben Sirach,29 dando a essas palavras um sentido mais literal que Claudel. 0 Velho Testamento fala muito de música, instrumentos musicais, canções e danças; e a maravilhosa história de Deus feito homem no evangelho tem início com o cântico alegre dos anjos no céu e o som das flautas dos pastores. Com todos os homens do mundo antigo, os hebreus atribuíam à música uma origem quase divina: foi bem no começo da humanidade, algumas gerações depois de Adão, que Jubal inventou a "flauta e o kinnor", tornando-se o pai de todos os músicos.30 A Bíblia reconheceu uma espécie de relação entre a música e a oração, adoração e êxtase. Algo parecido com uma dança ao ritmo de flautas e címbalos tinha sido algumas vezes necessário aos profetas a fim de que "a mão de Deus estivesse sobre eles", isto é, para que pudessem cumprir sua missão.31 Todos em Israel sabiam que o jovem Davi tocara o kinnor para aliviar a depressão de Saul,32 e que ao tornar-se ele mesmo rei dançara e cantara diante da Arca. A nação judaica era então um povo de músicos.
Todas as festas familiares se faziam acompanhar por música. "Hoje, na Palestina, as melodias penetrantes, o bater palmas e o ritmo ágil de pés em movimento de dança no terreiro ainda proporcionam às festas nupciais seu entusiasmo intoxicante."23 Banquetes e outras reuniões festivas, como vimos,34 ficavam incompletas sem música. Os resultados deste "entusiasmo embriagador" nem sempre se harmonizavam com os princípios morais: se dermos atenção a Isaías, as jovens que tocavam harpa não deliciavam apenas os ouvidos dos convidados.38
Se a música aumentava o prazer das horas alegres, ela também participava das tristezas. Uma procissão fúnebre tinha necessariamente as suas carpideiras, que cantavam as suas lamentações, e essas repetições, cantadas em terça menor pelo resto do povo, podiam alcançar um nível extraordináriamente frenético. Um funeral de respeito exigia mulheres flautistas, e já as vemos fazendo isso quando Cristo foi ressuscitar a filha de Jairo, no evangelho de Mateus.38 0 funeral mais pobre exigia pelo menos uma carpideira e duas tocadoras de flauta.
A música religiosa possuía tal importância que não havia uma única cerimônia ou rito em que ela não tomasse parte. 0 salmista afirmou que o Senhor subiu ao som de trombetas, e que Ele devia ser louvado "com saltério e com harpa, com instrumentos de cordas e com flautas, com címbalos sonoros, com címbalos retumbantes".37 Um cântico imenso se levanta das páginas da Bíblia, uma aclamação rítmica, modulada, do Todo-poderoso. O sábado e os grandes feriados eram anunciados ao som da trompa e as horas de oração com as trombetas. Na verdade, muitas partes do próprio Livro eram cantadas: por exemplo, os hinos nupciais nos Cantares de Salomão que o povo cantava enquanto caminhava com a noiva e o noivo, ou os cânticos dos degraus que as imensas caravanas de peregrinos cantavam incessantemente enquanto seguiam para Jerusalém. Muitos salmos têm como título o nome da música a qual devem acompanhar — "A pomba dos terebintos distantes" ou "0 lírio da Lei" — ou dos instrumentos, de corda ou de sopro que deveriam acompanhá-los. Os próprios serviços incluiam música. 0 Templo tinha os seus cantores levíticos; e tendo em mente a relação entre música e êxtase místico, é digno de nota o fato da Bíblia chamá-los algumas vezes de videntes e profetas.38 Desde que o rei da Pérsia passara um decreto nesse sentido, eles tinham ficado isentos do pagamento de impostos,39 e Josefo declara que reivindicavam o direito de usar trajes de linho como os dos sacerdotes — cujo privilégio lhes foi concedido por Herodes Agripa II. Cantava-se também nas sinagogas; os primeiros cristãos adotaram este costume, como ficamos sabendo pela Epístola de Paulo aos Colossenses: "Louvando a Deus com salmos e hinos e cânticos espirituais, com gratidão, em vossos corações"40 diz ele.
Os cânticos tinham um lugar de destaque na música judia, e, ao que parece, na época de Cristo eles se haviam separado por completo da música instrumental, desde que esta ultrapassara os limites estabelecidos na antiguidade não constituindo mais um simples acompanhamento da voz humana: o Novo Testamento fala muito pouco de instrumentos musicais. Era muito comum cantar em coro sob a liderança do cantor-mor tão citado nos títulos dos salmos; os cânticos eram feitos provavelmente em uníssono, e fica bastante claro que alguns salmos deviam ser cantados em antífona (responso), como fazemos hoje. Os serviços das sinagogas tradicionais hoje em dia dão uma idéia de como era a música religiosa dos antigos; aquele fluxo contínuo de que fala Robert Aron, "subindo naqueles momentos em que a natureza do serviço se intensifica e aquietando-se quando ela diminui, um fluxo que aumenta com simplicidade e imperiosa mente como o ofegar da respiraÇao humana, alcançando seu ponto máximo quando os rolos da Lei são tirados do tabernáculo".
Israel compreendia perfeita mente o poder emocional da voz humana. Todavia, mesmo assim, os instrumentos tinham grande aplicação; a Bíblia menciona vários tipos, e não há dúvida de que todos se achavam em uso nos dias de Cristo. Como instrumentos de sopro eles tinham a flauta, a corneta e a trombeta; de cordas, o kinnor, isto é, a cítara ou lira, e o nebel, ou harpa; de percussão, o tamborim e os címbalos: o Salmo 1 50, o último, fala de todos. Mas pode ser que houvessem outros, como o saltério tocado por Davi, o sackbut mencionado por Daniel, e o sistrum proveniente do Egito. Os israelitas eram considerados harpistas e flautistas excelentes e a rainha Salomé Alexandra enviou a Cleópatra um harpista famoso a fim de obter seus favores. Gostavam tanto da flauta que inventaram vários tipos, desde a simples flauta pastoril até um instrumento semelhante à nossa gaita de foles, assim como a flauta transversal e uma flauta com palheta dupla como o nosso oboé. Eram feitas de junco, de madeira e até de bronze, e não havia casa judia que não possuísse a sua. Entre as trombetas e as cornetas, o tipo mais conhecido era o shofar, feito de chifre de carneiro: este instrumento litúrgico era o mais conceituado dentre todos, aquele que evocava a revelação do Sinai, pois quando Moisés subiu a montanha, ele foi acompanhado pelo toque de uma corneta de chifre de carneiro: cujo som, pouco musical, mas comovente, estimulava os homens ao arrependimento; por esta razão o shofar era usado para anunciar os grandes dias santos, especialmente o Rosh Hashanah, o primeiro dia do ano, quando "os livros da Vida e da Morte eram abertos diante do Senhor”.
Nada sabemos sobre a natureza real da música judaica. Na Grécia, a música para a kitha-ra podia ser escrita, mas isto não acontecia em Israel: havia sem dúvida grande liberdade de improvisação. As poucas insinuações que encontramos na Bíblia são imprecisas: lemos "acima da oitava", mas não há menção de chave ou escala. Alguns salmos parecem referir-se à sucessão de sons no seu primeiro verso, mas é impossível saber que sons são esses. O Talmude dá alguma informação sobre as notações musicais e sobre os "acentos musicais" mas isto foi trabalho dos massoretas, isto é, data de quatro séculos depois de Cristo, pelo menos.
A julgar pela música judia e árabe moderna podemos razoavelmente supor que se tratava de uma espécie de cântico recitado, usando uma escala de notas restrita, com meio-tons e um quarto de tons, trinados e uma espécie de vibrato produzido pela mão sobre a garganta, como se pode ver no baixo-relevo de um cantor da Mesopotâmia. Tudo deveria ser acompanhado pelo bater dos tamborins e das mãos e o bater ritmado dos címbalos: desta massa de som a nota aguda da flauta se faria ouvir de tempos a tempos, com o conjunto pontuado pelo som profundo da corneta. 0 ritmo era com certeza o principal elemento, superando de longe a melodia e a harmonia: ritmo, porque a música invariavelmente se fazia acompanhar pela dança, por marchas e contra-marchas, com farândolas, jigas e aqueles movimentos para diante e para trás de braço dado que ainda se usam na Palestina.41 Quanto à dança no sentido mais pleno da palavra, a dos profissionais, com certeza existia: uma prova disto pode ser vista no Evangelho, no relato da dança de Salomé diante de Herodes. Mas talvez fosse importada de Roma; em todo caso foi suficientemente comovedora para fazer com que o tetrarca perdesse de tal forma a cabeça que ordenou a execução de João Batista.42
UMA NAÇÃO ONDE NÃO HAVIA ARTE?
A música pode ter tido considerável importância na vida diária de Israel, mas pode ser dito o mesmo sobre as demais artes? De forma alguma. A história não reteve o nome de um único artista judeu, nem a arqueologia descobriu uma única obra-de-arte israelita. Isto significa que o Povo Escolhido fosse "uma nação bárbara sob o ponto de vista artístico”?43 Foi sustentado não ter sido "a falta de capacidade artística que impediu que os judeus criassem formas plásticas", e eles, como os semitas da Mesopotâmia, poderiam perfeitamente ter feito obras de arte. Longe de desprezar os artistas, davam-lhes uma posição de destaque, como pode servis-to perfeitamente em Êxodo,45 onde Moisés elogia Bezalel: "E o Espírito de Deus o encheu (a Bezalel) de habilidade, inteligência e conhecimento, em todo artifício, e para elaborar desenhos e trabalhar em ouro, em prata, em bronze, para lapidação de pedras de engaste, para entalhe de madeira, para toda a sorte de lavores".
0 desenvolvimento da arte em Israel ficava porém sempre paralisado pela famosa proibição em Êxodo, repetida em Deuteronômio:46 "Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra." 0 conceito rígido de um Deus invisível colocava todas as representações de homem ou animal sob o rótulo de idolatria: se esses dois temas fossem retirados da arte grega, o que restaria da sua escultura? E o que seria a arte ocidental nessas condições? Deve ser acrescentado a isto o fato que exceto na época de Salomão, e em menor escala na de Herodes o Grande, os governantes de Israel jamais foram ricos o suficiente para estabelecer-se como patronos das artes. E se juntamente com essas considerações admitirmos as várias e contraditórias influências das sucessivas ocupações, torna-se perfeitamente compreensível que Israel não tivesse uma arte surpreendentemente original. Os judeus achavam muito mais importante preservar sua vida espiritual do que seus potenciais de criação estética.
Nos dias de Jesus, a Palestina tinha sem dúvida a sua arte, embora esta fosse em sua maior parte estrangeira. Uma arte introduzida pelos ocupantes gregos e mais tarde pelos romanos. A arquitetura, quando genuinamente hebraica, mostrava-se despretensiosa,47 tornando-se esplêndida apenas quando adotava os estilos pagãos, como ficava perfeitamente óbvio nas construções de Herodes: seus palácios em Jerusalém e Jericó, o teatro e o hipódromo que ele ousara erigir na cidade santa e, pior ainda, os templos em honra de Augusto ou dos ídolos romanos que aquele homem praticamente incircunciso tinha levantado em Samaria e Cesaréia. 0 próprio templo no monte sagrado de Sião não copiava de certa forma os de Júpiter?
A escultura representava uma fonte de escândalo ainda maior. Ninguém indubitavelmente jamais tentou erigir a menor estátua na cidade de Deus, pois uma revolução seria de imediato deflagrada, como se pode ver pelo que aconteceu quando Herodes colocou a águia de ouro sobre as portas do Templo. Mas os judeus conservadores, quando visitavam as cidades gregas, ou Cesaréia, ou até mesmo quando passavam pelas terras dos heréticos samaritanos, não podiam impedir que seus olhos fossem contaminados pela visão dos ídolos, aquelas "abominações da desolação" de que falava a Bíblia. Não havia escultura judia de coisas vivas, e não é de modo algum certo que o Templo de Herodes contivesse sequer os querubins de madeira que se achavam no Templo de Salomão. Os únicos desenhos permitidos eram aqueles que representavam plantas, palmeiras ou cidras; alguns objetos litúrgicos, tais como o candelabro de sete braços; rolos e arabescos. Como vimos,48 as moedas também obedeciam a esta regra: nem Herodes nem seus descendentes tentaram infringí-la, pelo menos no que diz respeito às moedas cunhadas na Terra Santa e feitas para as transações com os judeus (eles tomaram maiores liberdades em outros lugares); e nunca se aventuraram além da representação de um elmo ou um escudo. De qualquer forma, esssas peças não eram bem cunhadas e os desenhos eram medíocres.    '
Quanto â pintura a situação apresentava um quadro ainda mais pobre: nada foi encontrado datando do tempo de Cristo. Os despretensiosos desenhos geométricos e florais que podem talvez ter dado um pouco de cor às paredes caiadas das casas judias, desapareceram por completo. 0 mesmo aconteceu com as decorações pintadas e douradas sobre um fundo gravado, tal como a famosa vide de ouro, que um dia brilhou no Templo. Todavia, em Dura Europus, uma pequena cidade síria junto ao Eufrates, construída pelos selêucidas no quarto século A.C., alguns afrescos extraordinários foram encontrados na sinagoga local: eles mostram cenas bíblicas e especialmente a ressurreição dos mortos como descrita por Ezequiel. Mas esta obra pertence a um período muito posterior à época de Cristo, o que também se aplica às pinturas encontradas nos túmulos de Marissa e Iduméia. A influência grega se destaca claramente, e ninguém pôde ainda explicar como a proibição mosaica foi tão deliberadamente desobedecida. Os contemporâneos de Cristo teriam ficado horrorizados.
A única maneira de formar uma opinião do gosto artístico dos judeus é através da sua ce-râmica. Aqueles pequenos jarros de cerâmica decorados com círculos negros, e as tigelas de barro amarelo, com linhas vermelhas muito finas realçando suas bordas delicadas, encontrados nas várias escavações têm sua beleza; mas serão realmente de fabricação semita, ou foram importados de Alexandria ou Chipre? Os abastados daquela época compravam sua cerâmica fina fora do país, e os pobres não davam importância à decoração profana.49
0 CONHECIMENTO, SEGREDO DE DEUS   
Em Israel, tanto a literatura como as artes, em grau variado, se achavam sujeitas às exigências da religião. Pode ser dito, porém, que as ciências, ou o que ocupava o seu lugar, se achavam inteiramente absorvidas por ela. Os gregos e romanos conheciam a pesquisa científica pura; compreendiam a busca do conhecimento pelo próprio conhecimento: esta atitude de mente, da qual surgiu toda a ciência moderna era completamente inadmissível para os judeus.
Para eles não podia haver ciência sem teologia. 0 termo hakhamim traduzido como "homens instruídos" significava acima de tudo "homens sábios", sendo aplicado aos que se destacavam como mestres do conhecimento religioso. A sabedoria, diziam os Provérbios,66 pertencia a Deus "no início da sua obra, desde o princípio, antes do começo da terra", e todo conhecimento humano só tinha significado se se relacionasse com esta sabedoria. Mas a sabedoria se "identificava naturalmente com a Torá": a obra científica, portanto, "não surgia de pesquisas racionais quanto aos fenômenos do universo, mas sim de tentativas de deduzir dos textos sagrados os ensinos sobre a origem e formação do mundo". Esta a razão para aquela desconfiança por toda a pesquisa inspirada por uma mente inquisitiva, a perturbadora libido scientiae que induzira o primeiro casal humano a pecar. "Não sondem o que está oculto", diziam os rabinos, "Não pesquisem as coisas difíceis demais".61 Para conhecer toda a ciência de Israel, basta então abrir a Bíblia. Ao que parece, nem sequer os judeus da Diáspora, que estavam em contato com a ciência pagã nem os judeus que viviam em Alexandria, por exemplo, esse grande centro de pesquisa científica, tinham abandonado este modo de pensar.
Algumas noções de astronomia podiam ser extraídas do Livro. Deus não criara as estrelas, como tinha criado o sol, a lua e a terra? "Ou poderás tu atar as cadeias do Sete-estrelo, ou soltar os laços do Órion? Ou fazer aparecer os signos do Zodíaco, ou guiar a Ursa com seus filhos?" 0 Criador fez essas perguntas a Jó, um homem santo.62 E acrescentou imediatamente: "Sabes tu as ordenanças dos céus?"63 Os judeus tinham portanto uma astornomia, pela qual podiam estabelecer o seu calendário.Tratava-se sem dúvida de uma astronomia, que não era derivada daquela dos babilônios, baseada em cálculos matemáticos, mas em observações simples e fáceis que qualquer um podia fazer. É surpreendente ver como Cristo fala tão simplesmente dos fenômenos astronômicos: o nascer e o pôr-do-sol; a presença das estrelas no céu — todas as coisas a que se refere estão naturalmente ao alcance do conhecimento de seus ouvintes, e todas elas são elementares. Todavia, os homens cultos daquela época estariam muito melhor informados? Caso positivo, não deixaram traços de seus trabalhos: o Pirke Aboth, Os Ditados dos Pais, nega cabalmente à astronomia a posição de ciência independente. Ela deve permanecer como uma "subordinada da Sabedoria",64 isto é, existe apenas para proclamar a glória de Deus.
Não faltava exatidão à cosmologia judaica. Para eles o universo era enorme: "Seria preciso viver quinhentos anos," diz o tratado Berakoth, "para cobrir a distância entre a terra e o céu que está imediatamente acima de nós; há uma diferença equivalente entre esse céu e o próximo, e as extremidades de cada céu, consideradas em sua largura, acham-se igualmente distantes."66 Pois havia sete céus. Por que? Porque a Bíblia usa sete palavras diferentes para céu. Desta noção surgiu a nossa expressão "no sétimo céu"; e Paulo parece referir-se justamente a isso, embora esteja falando de modo místico.66 Pela mesma razão a terra era também formada de sete camadas sucessivas — cuja idéia, do ponto de vista cientifico, não está muito longe da verdade.67 Afirmava-se tradicionalmente68 que ainda podia ser vista no Templo a pedra que o Todo-poderoso atirou no mar original para que a terra pudesse formar-se ao seu redor. Havia uma linha misteriosa que rodeava o universo, dividindo as trevas da luz: afirmava-se ser essa linha que Isaías mencionou no estranho verso: "Terra de piche ardente .. . estender-se-á sobre ela o cordel de destruição e o prumo de ruína".69 A origem dos "três primeiros elementos", céu, terra e água, foi também explicada pelas eruditas exposições do Livro de Gênesis.
0 conhecimento geográfico tinha a mesma base. Vários tratados talmúdicos se referem à geografia, e através deles podemos formar uma idéia da informação que um judeu culto do primeiro século possuía. A terra era redonda e achatada,60 cercada de água.61 Deus se achava sentado acima deste círculo por ele mesmo desenhado.62 A superfície da terra fora dividida em duas, Israel e o resto. Israel estava naturalmente no centro, imediatamente debaixo de Deus. Alguns rabinos chamavam os restantes de "países do mar”, embora fosse do conhecimento comum que Israel era lavada pelos sete mares: o Grande Mar (o Mediterrâneo), o Mar de Ge-nesaré, o Mar Samochonite (talvez o Lago Huleh, ou Merom), o Mar Salgado ou o Mar de So-doma, o Mar de Aco (o Golfo de Ácaba), e os Mares de Shelvath e de Apamea, estes dois últimos sendo talvez alguns pequenos lagos idumeus que Diodoro Siculus cita e que desde então desapareceram. A Terra Santa possuía quatro rios, o Jordão, o Jarmuque, o Quermiom e o Pi-ga. (Os dois últimos jamais foram identificados.) Fica aparente que os números místicos sete e quatro desempenharam importante papel neste conhecimento.
A história natural achava-se aparentemente bastante avançada. Os israelitas, uma nação pastoril, se interessavam por animais e conheciam os hábitos deles: nosso Senhor os menciona muitas vezes. A Bíblia também forneceu inúmeras informações. 0 Livro de Provérbios falava da formiga;63 Jó, particularmente interessado no assunto, mencionou a corça, o jumento selvagem, a avestruz, o cavalo, a águia, e até o hipopótamo e o crocodilo.64 Já no livro de Gênesis as baleias foram distingüidas dos outros habitantes do mar.66 As Escrituras continham até listas separando os animais selvagens dos que podiam ser domesticados, e fazendo diferença entre os que tinham e não tinham os cascos fendidos, entre plantas que davam semente e as que davam fruto.66 Isto tudo era naturalmente algo rudimentar: nenhum Plínio parece jamais ter-se levantado entre os judeus.
A matemática que forma agora a base de toda ciência, não existia. Pelo menos, não como ciência judaica, embora seja provável que o conhecimento grego e romano tenha-se introduzido até certo ponto. Tudo indica que não existia uma ciência abstrata dos números, os judeus não iam além do cálculo empírico. A geometria, por exemplo, ficava limitada à aplicação prática da agrimensura. Eles usavam o sistema de contagem decimal, juntamente com os remanescentes de um sistema sexagesimal que estava desaparecendo, sem dúvida por causa da influência estrangeira. Os números eram escritos pela combinação de letras, como faziam os romanos.
Como é lógico, a aritmética judia voltou-se primeiro para a Bíblia. Por exemplo, todas as letras de todos os livros canônicos foram contadas (esta a razão pela qual os doutores da Lei gostavam de ser chamados soferim, contadores), e foi descoberto que a palavra exatamente no centro do Velho Testamento é o verbo "buscar"; algo bastante significativo. Os judeus procuraram acima de tudo estabelecer a relação entre os números e as letras que os representavam: eles julgavam que somando os valores numéricos das letras que compunham uma palavra, era possível penetrar no segredo dessa palavra; sendo isto particularmente valioso quando se tratava de um nome próprio. Este tipo de cálculo teve origem na Babilônia, sendo também conhecido dos gregos e romanos; é a isto que o livro de Apocalipse se refere, especialmente naqueles estranhos versos que terminam o capítulo treze: "Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis". Este representava "Nero César”, o perseguidor dos cristãos na época em que João estava es-crevendô o seu livro, pois a soma dos valores numéricos desse nome é seiscentos e sessenta e seis.
Alguns rabinos esticavam demasiado esta artimética esotérica: para eles a Bíblia e especialmente o Pentateuco, era um documento em código, pelo qual, combinando os valores de todas as palavras, era possível armar equações cuja solução permitiria entrar nos segredos divinos, proféticos e metafísicos que uma simples leitura do texto não revelava. Este método que não era peculiar aos judeus — Platão parece falar dele nos seus trabalhos Republica e 77-maeus67 — deveria ser mais tarde grandemente desenvolvido pelos talmudistas; e deste desenvolvimento surgiu aquela extraordinária mistura de extravagância e profunda especulação conhecida pelo nome de Kabba/ah.ee Ao mesmo tempo, a idéia de um conhecimento esotérico reservado para os iniciados era com certeza amplamente mantida nos dias de Cristo: algumas pessoas seguiam dois ramos de estudo, um deles segundo a "ordem da criação" no primeiro capítulo de Gênesis, o outro segundo a "ordem do mistério", que era também chamado de "ordem do carro", com referência a Ezequiel e seu carro de fogo.69 Deve ser porém observado que nada era mais alheio a essas especulações, essas mensagens secretas reservadas aos iniciados, essas iluminações gnósticas, do que os ensinamentos de Cristo, em que tudo é claro e simples, podendo ser compreendido pelos pobres e os símplices.
 
A PALAVRA FALADA E A ESCRITA
Que línguas Jesus falava? — Memorização, ritmo e antítese — Qual a escritura íida por Jesus? — Materiais de escrita — Como se espalhavam as notícias?
QUE LÍNGUAS JESUS FALAVA?
Quem quer que tenha visitado a moderna Israel, lido os jornais ali editados, visto os sinais nas encruzilhadas e ouvido os políticos e locutores radiofônicos, podería replicar que a língua comum dos judeus é o hebraico. Mas, seria este o caso há dois mil anos atrás? Absolutamente nâo. 0 hebraico de hoje é uma linguagem moderna, inventada através dos esforços extraordinários de Eliezer ben Yehuda e introduzida primeiramente nas colônias sionistas e depois no recém-estabelecido estado judeu, em vista de ter sido acertadamente considerado que uma linguagem comum seria o melhor elo para a unidade nacional. Mas isto não acontecia na época de Cristo. 0 hebraico tinha sido porém usado desde há muito pelo Povo Escolhido e continuava em vigor. Os filólogos classificam o hebraico entre as línguas semíticas,1 isto é, naquele grupo inteiro de línguas relacionadas em uso na imensa região que vai da Ásia Menor até o ponto mais ao sul da Arábia, e da costa do Mediterrâneo até a Mesopotâmia; e as dividem em três seções principais: a nordeste, com a acádia, assíria e babilónica; a noroeste, com a siríaca, fenícia e algumas outras; e as do sul, dentre as quais a da Arábia do norte, a língua de Maomé, viria a tornar-se a mais importante. 0 hebraico, como a língua de Canaã e o aramaico,pertencem ao grupo do noroeste. Mas todas essas línguas eram e continuam sendo bastante semelhantes, quase aquela semelhança que o francês tem com as outras línguas românicas, italiano, espanhol, rumeno, etc. A palavra "pai” por exemplo, é '§b em hebraico, 'ab em aramaico, abu em acádio e 'ab em árabe.
Quando os nômades da tribo de Abraão chegaram à Palestina, deviam falar um dialeto semita parecido com o babilónico da Baixa Mesopotâmia. Os cananeus falavam outros dialetos mais precisos e melhor construídos. Um desses dialetos cananeus foi adotado pelos hebreus na ocasião em que se estabeleceram na terra e ao mesmo tempo cristalizaram a sua linguagem — isto é, provavelmente depois do Êxodo, quando voltaram do Egito, que se transformou no hebraico. Ou seja, os vários tipos de hebraico; pois assim como na França medieval havia várias espécies de francês, a língua d'oc e a língua doit, o povo da Judéia também pronunciava por exemplo, o s dos efraimitas como sh,2 e no seu famoso cântico a profetisa Débora fez uso de um vocabulário altamente individual. Mas o hebraico da Judéia suplantou os demais, porque as Sagradas Escrituras foram preparadas quase inteiramente nesse dialeto.
Até o Exílio na Babilônia, a linguagem comum era então o hebraico. E Oavi e Salomão falavam a língua hebraica, assim como Atália e Jezabel. Mas após a volta da Babilônia a velha linguagem nacional caiu vagarosamente em desuso, sendo substituída no uso diário por outro dialeto. E desde que foi justamente nessa ocasião que os grupos eruditos dos dias de Es-dras começaram a escrever as Escrituras, o hebraico tornou-se a "linguagem da santidade", leshôn ha kodesh, ou leshôn shokamim, "a língua dos letrados", exatamente como o latim das escolas na idade média ou o latim litúrgico de nossos dias. A Lei era lida em hebraico nas sinagogas; as orações eram também nessa língua, tanto em particular como no Templo. Os doutores da Lei ensinavam em hebraico. Além das orações conhecidas de memória, como o Pai Nosso, as pessoas empregavam o hebraico para aquelas citações bíblicas estereotipadas que faziam parte da conversa comum, como nós usamos palavras latinas escolhidas no final do dicionário. Os manuscritos recentemente descobertos no deserto da Judéia mostram porém que pouco antes da era cristã houve uma restauração do hebraico: ele pode ter sido faiado na comunidade monástica dos essênios. Não existe qualquer dúvida de que Jesus conhecia perfeitamente essa língua: no evangelho de Lucas nós o vemos lendo na sinagoga: "Então lhe deram o Jivro do profeta Isaías, e, abrindo o livro" ele leu, aparentemente sem a menor dificuldade.
Mas na vida diária e ao ensinar Ele teria com certeza usado uma outra língua, o aramaico. Por mais que se tenha dito o contrário, esta não era de maneira alguma uma forma corrupta do hebraico, uma espécie de dialeto degenerado levado pelos judeus ao voltarem da Babilônia. O aramaico era uma língua tão pura quanto o hebraico, que fora usada por aquelas tribos ativas que se moviam pelo Crescente Fértil desde tempos remotos, fundando reinos relativamente efêmeros, sem jamais reunir-se num só agrupamento — as tribos das quais os israelitas alega-Vám descender.4 Por razões que não podemos agora descobrir, quando o levante dos arameus terminou e eles não tinham mais qualquer influência política, a sua língua não despareceu, mas, pelo contrário, espalhou-se extraordinariamente, suplantando todas as línguas nativas deste lado da Ásia, desde as cabeceiras do Eufrates até a sua desembocadura, do Mediterrâneo até a Pérsia. O rei dos reis, o monarca persa, adotou-a como linguagem administrativa, o que contribuiu muito para difundir o seu uso; e Israel não escapou a este domínio. Houve uma curiosa inversão de valores, pois apenas os homens de importância falavam o aramaico no século oito, enquanto o povo comum usava o hebraico,5 enquanto nos dias de Cristo acontecia justamente o oposto. 0 aramaico era uma língua bem mais desenvolvida que o hebraico, mais felxível e bastante mais adequada para a narrativa em suas diferentes formas e para a expressão do pensamento em seus vários aspectos e ligações. A maneira de falar a mesma também diferia, e é claro que os galileus não tinham o mesmo sotaque que o povo de Jerusalém, pois Pedro foi detectado como um dos companheiros de Cristo naquela trágica noite da quinta-feira santa,6 justamente pelo seu modo de falar.
À medida que lemos os evangelhos observamos claramente que o aramaico era a linguagem comum do povo. Eles contêm muitos termos aramaicos, sendo vários ditos pelo próprio Cristo: Abba, Aceldama, Gabata, Gólgota, Mamom;7 e até frases inteiras, como Talitha, cumi que disse para a filha de Jairo8 e a terrível Eloi, Éloi, lamma sabbachtani da suprema agonia,9 que é uma tradução das palavras do salmista para o aramaico. Além disso, algumas partes dos livros de Esdras e Jeremias foram escritas em aramaico, assim como de Daniel; e Mateus escreveu nessa língua o primeiro esboço do seu evangelho, antes de traduzir o aramaico para o grego.10 QsTarguns (targumim), que formam agora parte da literatura talmúdica, eram de fato traduções ou paráfrases do texto hebraico em aramaico, com ou sem comentários. Em cada sinagoga havia um Meturgeman, um intérprete, para explicar a Lei às pessoas simples que não sabiam bem hebraico. E cerca de quatrocentos anos antes de Cristo tornou-se hábito estabelecido, mesmo entre os rabinos, ensinar em aramaico e não mais em hebraico.11 O aramaico oriental, ou melhor, vários dialetos dele, perdura até hoje na Mesopotâmia: o caldeu litúrgico é uma de suas formas. Cerca de 64 quilômetros de Damasco existe um pequeno grupo de vilas ao redor de Malloula (ou Maamoula) onde o povo fala o aramalco ocidental que o Senhor teria usado. A Oração do Senhor em aramaico foi recentemente gravada ali.12
O hebraico e o aramaico não foram porém as únicas línguas faladas na Palestina há dois mil anos atrás. Isto se torna manifesto pelo relato do julgamento de Cristo: Pôncio Pilatos escreveu um aviso a ser pregado na cruz, Este é o Rei dos Judeus, em três línguas, hebreu, grego e latim.13 O latim foi incluido por razões oficiais, por ser a língua dos decretos imperiais; mas têm-se a impressão de que não era muito falada na Palestina. Josefo declara que as instruções enviadas de Roma eram de fato sempre acompanhadas por uma tradução grega.14 0 grego era sem dúvida amplamente difundido e falado em todo o Oriente Próximo, e na verdade através de todo o império. Os rabinos tentaram impedir a Invasão, considerando a língua como um precursor dos hábitos pagãos, mas sem êxito. "0 homem que ensina grego a seu filho”, diziam eles, "é tão amaldiçoado quanto o que come carne de porco."15 Isto porém não impediu que os grandes especialistas da Lei, até mesmo o próprio Gamaliel, o aprendessem. Quando Paulo falou à multidão em Jerusalém depois de ter sido preso, ficaram satisfeitos (como observado em Atos) porque ele se expressou em aramaico e não em grego.16 0 grego era a língua da classe alta, dos ricos e poderosos a língua dos Herodes; sendo também a do comércio internacional. Os Evangelhos, os Atos dos Apóstolos, quase todas as Epístolas e o Apocalipse foram todos escritos em grego ou imediatamente traduzidos para o mesmo. Não se sabe ao certo se Jesus sabia ou não falar grego: não existe uma única citação grega entre as suas declarações,nem sequer uma alusão; enquanto Paulo emprega grande número delas. Mas quando interrogado por Pôncio Pilatos, não parece que tenha sido chamado um intérprete; sendo também bastante improvável que o procurador romano tivesse se dado ao trabalho de aprender a língua do povo por ele governado.
O grego falado na Palestina assemelhava-se ao desenvolvido em Alexandria, uma variação deturpada, que se espalhara pelo mundo helenista, substituindo os dialetos ático, iônico, dórico, eólico e outros locais. Este grego koine ou internacional não passava de uma versão simplificada da linguagem clássica: não empregando mais palavras difíceis e abandonando algumas declinações e conjugações complexas; fazia uso das construções analíticas com preposições em lugar das formas sintéticas do grego clássico, adotando outrossim grande quantidade de palavras estrangeiras, particularmente do latim, assim como alguns sons das línguas orientais. Não se tratava do grego de Platão, nem o dos trágicos, mas era uma língua útil e bem adequada ao papel internacional que viria a desempenhar.
MEMORIZAÇÃO, RITMO E ANTÍTESE
Nenhuma discussão das línguas faladas na Palestina nos dias de Cristo pode deixar de destacar quanto o hebreu e o aramaico diferiam das línguas ocidentais em sua natureza ou como eram diversos os usos a que se prestavam. Quando se tratava de transmitir dados reais ou mesmo idéias, os israelitas naturalmente falavam como nós. 0 mesmo acontecia quando expressavam sentimentos ou se desejavam advertir, persuadir ou ameaçar. Mas a língua pode ter tido muitos outros propósitos: por exemplo, existe aquela função poética para a qual nossa civilização materialista não tem praticamente aplicação, mas que teve grande importância em Israel e em todas as outras nações do Oriente, particularmente os semitas; e também aquela transmissão de geração em geração — um papel ligado inseparavelmente à poesia, como vamos ver.
Para compreender perfeitamente este aspecto muito especial das palavras em Israel, devemos esquecer nossa civilização do papel e seus hábitos (e podemos agora acrescentar civilização do toca-discos e do toca-fitas): para nós escrever e ler, isto é, colocar os pensamentos de uma forma duradoura e material a fim de que permaneçam inalterados, são atos que nos parecem tão naturais que dificilmente poderemos imaginar sociedades que pudessem abster-se quase que totalmente deles. Nossa memória tornou-se anêmica e impotente; nossa capacidade de improvisação é muito mais didática que poética. Este não era absolutamente o caso em Israel nem nas outras nações orientais. As idéias eram transmitidas da maneira mais duradoura e permanente, na sua maior parte através da palavra falada; e isto, naturalmente, afetava necessariamente a palavra falada, dando-lhe características muito particulares.
Muito antes de ter sido registrado por escrito, a princípio de forma parcial sob Ezequias e Josias e a seguir de maneira mais completa no quinto século, quando é dito que o escriba Es-dras"ditou” noventa e quatro dos livros sagrados, o Velho Testamento só existia na forma falada. Declara-se formalmente que as profecias de Jeremias foram "ditas” durante vinte e dois anos antes de serem escritas; e está claro que os Salmos, Provérbios e os cânticos nupciais dos Cantares de Salomão surgiram primeiro como falas e canções e só passaram à forma escrita mais t£rde.17 Foi este também o caso dos poemas de Homero; Pisístrato ficou famoso em Atenas por ter dado ao texto sua forma final, por escrito,18 e o livro sagrado dos persas, o Zend Avesta, foi registrado da mesma forma por Zaratustra. O Corão também existia a princípio só na forma oral; e.na verdade o seu próprio nome dá a idéia de recitação.
Mesmo depois do texto sagrado ter sido registrado por escrito, o hábito da transmissão oral dos pensamentos não foi abandonado. São muitas as provas disto; os rabinos ensinavam oralmente e seus pareceres foram transmitidos da mesma forma; o tratado Gittin chegou a dizer que escrevê-los seria uma transgressão da lei.19 No ano mil da nossa era, Sheria Gaon afirmou que "os eruditos consideram seu dever recitar de memória". Além disso, o termo "Talmu-de" significa "aprendido de cor"20 Sabemos também que entre os primeiros cristãos era comum transmitir as "boas novas", isto é, o relato da vida do Senhor e seus ensinos, unicamente de forma oral. Os Atos dos Apóstolos, as Epístolas e o Apocalipse foram com toda certeza escritos desde o início, mas é também igualmente certo que os quatro Evangelhos foram falados antes de se transformarem em livros. Os homens que empreenderam a difusão do novo ensinamento fizeram sem dúvida uso de dispositivos mnemónicos para ajudá-los, os quais podem ser traçados nos evangelhos; mas o mais importante que tudo para eles era o que haviam aprendido, o que sabiam. Tornou-se necessário colocar as coisas por escrito somente quando o cristianismo alcançou aqueles círculos greco-romanos em que a leitura e a escrita constituíam prática comum; mas mesmo cerca do ano 130, quando os livros dos quatro evangelistas já circulavam há muito, Papias, bispo de Hierápolis na Frigia, afirmou que preferia acima de tudo, em matéria de tradição, a "palavra viva eterna". E pouco mais tarde, Irineu em Lions falou de certa ocasião em que ouvira Policarpo, o grande bispo de Esmirna, relatando o que ouvira diretamente do apóstolo João.21
A memória desempenhava um papel importante em tudo isso, e os rabinos davam grande consideração ao exercício da mesma. O rabino Dostai, filho de Jani, falando em nome do rabino Meir, declarou; "O homem que se esquece de algo que aprendeu provoca a sua própria ruína".22 E o maior elogio a um discípulo era dizer que se assemelhava a "uma cisterna bem cimentada, que não perde sequer uma gota de água".23 Existe também um ditado comum; "O homem que não recita é ímpio".24 A fim de treinar a memória os alunos eram obrigados a decorar passagens enormes, que precisavam repetir sem qualquer omissão, sem acréscimo ou modificação de uma só palavra. Quem visita uma escola maometana hoje em dia pode observar que o método continua sendo usado no Islã; um grupo de meninos, sentados no chão, repetem juntos, em voz alta e ritmada, verso após verso do Corão. O mesmo acontece nas escolas talmúdicas. Deve ser enfatizado que este método de treinamento sistemático da memória não se destinava apenas aos especialistas, teólogos ou historiadores profissionais; como vimos,28 as crianças já aprendiam a memorizar desde a mais tenra idade. E quando alguém pensa no extraordinário comprimento da oração do Shemoneh Esreh, as dezoito bênçãos, é preciso admitir que a memória do judeu era na verdade muito bem treinada.
Este uso deliberado da memorização deu à língua e suas formas de expressão algumas características altamente individuais. Em primeiro lugar, desde que todos os textos aprendidos de cor foram extraídos das Escrituras, a mente dos alunos ficava repleta de fatos, sentenças e personagens bíblicos, o que explica os inúmeros ecos bíblicos ouvidos da boca dos homens e mulheres judeus da época — nas palavras dos próprios Maria e José. Acima de tudo, porém, os eruditos de Israel, desejosos de ajudar a memória e gravar o mais profundamente possível os ensinamentos que ela deveria reter e transmitir, haviam inventado todo um sistema de ritmos, melodias, aliterações, repetições de palavras e antíteses que tornava mais fácil a memorização dos elementos verbais. Este sistema era tanto mais importante porque o aprendiz não tinha um caderno de apontamentos no bolso nem um dicionário sobre a mesa. Estudos recentes provaram a importância fisiológica e psicológica deste "estudo rítmico": A maior parte do Velho Testamento provavelmente foi composta nessa base, em ritmos duplos ou triplos. Quanto ao Evangelho, basta lê-lo com cuidado para sentir a batida rítmica e o jogo dos contrastes: a técnica característica continua perfeitamente visível, embora o livro tenha sido traduzido para o grego e desta língua para o português: isto é, duas línguas cujos ritmos e construções são radicalmente diferentes das semitas. 0 Sermão da Montanha é um exemplo típico, especialmente na versão de Lucas,26 com as bem-aventuranças e as maldições que se seguem. Também nas parábolas e até mesmo nos ditos mais comuns, sentimos o que o Padre Jousse chamou de re-citativos paralelos, que ou em hebraico ou aramaico devem ter sido surpreendentemente claros para todos.
Quando um judeu tinha, portanto, de falar com extrema formalidade, como por exemplo ao ensinar, ou orar, esta teria sido a base do seu estilo, sendo altamente provável que uma parcela do mesmo fosse incluída na linguagem diária. Uma jovem mulher do povo, como Maria, por exemplo, ao proferir espontaneamente seu agradecimento, o Magnificai, deu-lhe com naturalidade uma cadência poética que continua evidente na sua versão portuguesa: "A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus . . ,"27 Em nossa concepção moderna, baseada na palavra escrita, as palavras têm um lugar, as melodias outro e os ritmos um terceiro; na concepção israelita da linguagem, os três se interpenetravam; desempenhavam juntos o seu papel e a expressão do pensamento tendia naturalmente a tornar-se uma forma de arte.28
0 QUE JESUS LIA?
Por maior que fosse o papel da palavra falada em Israel, a escrita também tinha a sua importância; pois eles eram o Povo do Livro, e toda a sua vida era regulada por textos escritos. Já vimos que havia uma classe distinta, a dos escribas, cuja função era escrever e tornar conhecido o que estava escrito. Em termos gerais, têm-se a impressão de que a maioria dos judeus sabia ler e escrever. Encontramos muitas alusões a esta habilidade, mesmo sem ir além dos evangelhos: na parábola do administrador desonesto, o esperto indivíduo diz a um devedor: "Sente-se e escreva cinqüenta". Vemos também Zacarias, que não podendo falar escreve o nome de seu filho João, o futuro Batista. 0 próprio Cristo fala do iod, a menor letra do alfabeto; e quando a mulher foi apanhada em adultério ele é mostrado como "escrevendo no chão com o dedo", escrevendo, sem dúvida, sua resposta aos acusadores, "Quem estiver entre vós livre de pecado, seja o primeiro a atirar-lhe pedra".
As duas linguagens nacionais correntes em Israel na época de Cristo, o hebreu e o aramaico, tinham sido ambas escritas desde tempos bem mais remotos. Foi no século doze antes de nossa era que o alfabeto, essa invenção inspirada dos mercadores fenícios, se generalizou, substituindo a complexa escrita cuneiforme dos babilônios e os hieróglifos heteus ou egípcios por um sistema maravilhosamente simples que foi a base do alfabeto grego e latino, assim como o de todos os que agora usamos no ocidente. 0 século doze A.C. foi também de modo geral a data do Êxodo; foi sugerido que tenha sido Moisés quem introduziu o alfabeto na vida de Israel, sendo isto declarado como fato por Eupolemus, o historiador helenista. Em qualquer das hipóteses, temos as ordens frequentes de Javé a Moisés: "Escreva isto. Escreva.minhas palavras". Acontece que foi no próprio coração do Sinai, o ponto focal da revelação mosaica, que algumas das inscrições alfabéticas mais antigas do mundo foram descobertas.30
O alfabeto hebraico original tinha como base o alfabeto fenício. As letras deste hebreu arcaico possuíam então algumas formas notavelmente idênticas às do grego, cuja origem era a mesma. Havia entretanto uma diferença essencial: o hebraico se escrevia da direita para a esquerda, e não da esquerda para a direita. Algumas letras, como delta, gama e teta, eram quase exatamente as mesmas. Pouco antes da era cristã, depois de acaloradas discussões entre os rabinos, este alfabeto "fenício" (que pode ser ainda visto em alguns dos pergaminhos do Mar Morto) foi substituído por outro de origem aramaica, que são os caracteres do hebreu moderno, exceto entre os samaritanos.. Nos dias de Cristo, portanto, ambas as línguas eram escritas da mesma forma.
Qualquer que fosse a sua forma escrita, este alfabeto possuía uma grande vantagem e um grande defeito. A vantagem estava em ser claro e exato: cada letra (principalmente no estilo arcaico) era perfeitamente distinta, e cada som possuia sua própria letra — não existiam as absurdas complicações do gh em inglês, por exemplo. Mas esta simplicidade apresentava um outro aspecto que julgamos deveras surpreendente: as vinte e duas letras do alfabeto hebraico eram todas consoantes. Um leitor brasileiro poderia perfeitamente perguntar o que restaria se todas as vogais fosse eliminadas de uma frase como unidade européia, ou como Abedenego vê um ídolo podia ser distinguida de outra composta das mesmas consoantes. Os próprios israelitas compreendiam que esse sistema de escrever apenas as consoantes era incompleto. Haviam adotado, portanto, o costume de usar certas consoantes para representar os sons vocálicos principais; só existiam três delas, e embora não perdessem seu valor como consoantes, podiam em certos casos ser pronunciadas como vogais, da mesma forma que o y em inglês pode servir tanto como consoante em yellow, ou vogal em iymph. Trata-se do sistema conhecido como matres lectionis pelos linguistas. Os documentos do Mar Morto confirmam que este sistema vigorava quando eles foram compilados, isto é, mais ou menos na época de Cristo. Nós podemos achar difícil, mas para o leitor acostumado ele lembrava bastante bem a pronúncia corrente. Deve ter sido, em todo caso, muito prático, pois foi o método adotado pelo estado de Israel para escrever o hebraico oficial, recorrendo ao sistema massorético de pontos vocálicos (que foi elaborado muito mais tarde e que é sempre usado para o hebreu bíblico) apenas nas palavras extremamente difíceis. Defrontamo-nos então com o fato curioso de que o hebreu lido por Cristo teria sido praticamente o mesmo que os modernos habitantes de Telavive lêem em seus jornais.
MATERIAIS DE ESCRITA
Deve-se observar que esta escrita era mui raramente gravada em pedras. Só se conhece uma única inscrição monumental de uma época anterior à helenista, e essa (a inscrição do canal de Siloé) não foi feita para ser vista. "Isso se deveria," pergunta o Cardeal Tisserant, "ao fato de que os judeus evitavam imitar as tábuas da Lei, sobre as quais o dedo de Deus escrevera o decálogo?"32 Qualquer que seja o motivo, isso era estranho num mundo tão cheio de inscrições egípcias, babilônias, gregas e romanas. Nos dias de Cristo, porém, os judeus haviam adotado a prática. Paulo refere-se a ela na segunda epístola aos Coríntios,33 e a arqueologia descobriu várias inscrições nos cemitérios. Jó fala do modo como as letras eram cortadas com um buril e chumbo derretido despejado nas ranhuras.34
O santo homem se refere também a escritos sobre bronze,36 e na verdade entre os mais curiosos de todos os objetos encontrados nas cavernas próximas ao Mar Morto foram encontrados dois rolos de cobre, com certa de 0,90m de comprimento e 0,30m de largura, cobertos com um texto profundamente gravado. A princípio julgaram tratar-se de catálogos dos manuscritos ali depositados, mas depois de terem sido desenrolados com grande dificuldade (tinha aproximadamente 0,8cm de espessura) e decifrados, descobriu-se que se referiam a um tesouro oculto em algum lugar do deserto da Judéia.
Os israelitas, diferentemente dos mesopotâmios e heteus, nunca fizeram uso das chapas de argila, cozidas ao sol depois de gravadas com um instrumento pontiagudo que deixava marcas na forma de cunha: os alfabetos hebraicos não eram adequados à adaptação cuneiforme. Os arqueólogos não obstante encontraram alguns ostraka, aqueles fragmentos de louça de barro que se parecem vagamente com a concha da ostra, que o mundo antigo do Mediterrâneo usava com tanta freqüência para os escritos curtos. Muitos desses humildes documentos da vida cotidiana: notas, rascunhos, billets doux ou cédulas de votos, eram simplesmente escritos a tinta, da melhor forma que o autor conseguia, sobre a superfície áspera do pedaço de tigela ou jarro.
Os documentos escritos, fora esses já citados, são regularmente raros nas escavações feitas na Palestina: até a extraordinária descoberta dos pergaminhos do Mar Morto em 1947, só se conheciam pouco mais de algumas dúzias. Isto prova que os judeus geralmente escreviam sobre materiais perecíveis; e como não imitavam os rituais de sepultamento dos egípcios, eles não colocavam papiros em suas tumbas, os quais são encontrados em tão grande quantidade no Egito. Os materiais de escrita deles eram portanto os mesmos usados pelo resto do mundo Mediterrâneo e todo Império Romano.Em primeiro plano vinham as placas de madeira cobertas de cera, sobre as quais se escrevia com um estilete de osso, bronze ou prata. Uma das extremidades do estilete era pontuda e a outra lisa, achatada, a fim de poder limpar a inscrição passando a mesma sobre a cera em relevo, e usar novamente a placa. 0 autor de Apocalipse alude a esta prática comum na passagem onde a alma escolhida ouve do mestre dos sete espíritos de Deus e das sete estrelas: “de modo nenhum apagarei o seu nome do livro da Vida".38
As placas de madeira cobertas de cera não eram usadas para textos longos. Desde o princípio peles de animais foram utilizadas com esse fim. Sefer, o termo hebraico para livro, vem da mesma raiz da palavra que significa "raspar": os livros mais antigos dos judeus devem portanto ter sido escritos em peles raspadas; e esta, como vemos em Heródoto e Diodoro, era a prática comum no Oriente.37 Eles se utilizavam da pele de cabrase ovelhas, especialmente preparadas. As melhores vinham do distrito de Pérgamo na Ásia Menor, sendo essa a origem do pergamena latino e parchment inglês. Paulo, escrevendo ao seu caro discípulo Teófilo, pede-lhe especialmente que leve com ele seus rolos de pergaminho.38 Como o pergaminho custava caro, algumas vezes o dividiam em folhas de metade da espessura original, constituindo o custoso e delgado duksystos (dischotos em grego), sendo a sua parte exterior melhor que a interior. Mas todos os rabinos insistiam que os textos sagrados fossem escritos em peles gewil, isto é, não divididas. 0 uso de peles como material de escrita era com certeza grandemente difundido nos dias de Cristo. A Epístola de Aristéias, uma peça da literatura judia alexandrina apócrifa, que data de poucas décadas antes do nascimento do Senhor e que dá um relato magnífico da tradução da Bíblia para o grego pelos Setenta, afirma que o texto enviado ao Faraó para ser traduzido foi escrito sobre rolos de peles inteiras.
Já nessa ocasião, porém, um material de escrita muito mais barato e de fácil obtenção estava competindo com o pergaminho: o papiro. Cerca de três mil anos antes, os egípcios haviam descoberto essa planta aquática e sua utilidade. A Palestina cultivava alguns espécimes, nos pântanos ao longo do Jordão e mesmo nalgumas das partes mais úmidas do Neguebe, mas o Egito era o grande fornecedor, e desde que Roma passou a comprar o material em grandes quantidades, o preço pedido pelos que tinham o monopólio do papiro subia continuamente. Os países menores como a Palestina eram obrigados a voltar ao uso do pergaminho ou utilizar-se dos suprimentos locais. A técnica de preparação do papiro era a mesma que fora aperfeiçoada nas ribanceiras do Nilo ainda antes da construção das pirâmides: as hastes, algumas vezes com três metros de comprimento eram descascadas e cortadas em tiras estreitas, as quais por sua vez eram coladas umas às outras em camadas, a grã dessas camadas ia para um lado e depois para outro; as folhas eram a seguir batidas com um martelo de madeira e finalmente alisadas com um raspador. Como o preço do papiro era comparativamente alto, usavam-no várias vezes, seja lavando ou raspando os dizeres nele contidos. Os papiros velhos, como nossos jornais mais velhos,eram também usados para embrulhos: o tratado Shabbath especifica até que no dia de descanso era proibido carregar mais papiros velhos do que o suficiente para embrulhar uma garrafa de óleo.39 É muito provável que as Epistolas tenham sido escritas em papiro, particularmehte as de Paulo. Da mesma forma que os judeus, os primeiros cristãos os empregavam para fazer mais cópias de seus livros sagrados; assim, nos famosos papiros Chester Beatty de Dublin e da Universidade de Michigan, os papiros Ryland de Manchester e alguns outros, podemos ler trechos do Velho Testamento e passagens do Novo, especialmente uma parte do capitulo 18 do Evangelho de João, que pode ser datado cerca do ano 140. Num clima seco o papiro se conserva perfeitamente.
Uma pena fendida era usada para escrever, quer sobre o pergaminho ou o papiro, como vemos no inicio do Salmo 44; e João, ao terminar a Epístola a seu amigo Gaio, diz-lhe que tem muito mais a contar, mas não quer transmitir a mensagem "com tinta e pena". Esta pena era o calamus, cortado em direção inclinada e depois fendido. Nossas penas de ponta de metal são um descendente direto do mesmo, e foram também encontrados alguns cálamos de bronze que se assemelham curiosamente às nossas canetas-tinteiro. A pena de ganso, por outro lado, era absolutamente desconhecida, tendo passado a ser usada entre os bizantinos no quarto século. A tinta da época não era liquida como a nossa, sendo uma mistura de negro de fumo e goma guardada seca e só umedecida para ser usada, exatamente do mesmo modo que a tinta chinesa: isto permitia que fosse lavada com facilidade, mas também dava lugar a toda sorte de fraudes — a parábola do administrador desonesto dá uma idéia delas. Já se empregava também a tinta vermelha, feita com sikra, um pó vermelho que as mulheres usavam para maquilar-se. Talvez pelo fato da tinta servir para fins tão profanos e por permitir tantas trapaças foi que Paulo lembrou os cristãos de Corinto de que as palavras de Cristo não deveriam ser escritas apenas com tinta, mas com o Espirito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas de carne, nos corações dos homens.40
Se alguém queria escrever um texto longo, em lugar de dobrar o material em que escrevia o mesmo (o que teria sido difícil no caso do pergaminho), ele colava ou costurava as folhas uma depois da outra, a fim de formar uma tira comprida que era enrolada em um ou dois cilindros de madeira. Alguns desses documentos tinham mais de 45m. Sua leitura era feita segurando-os com as duas mãos, a direita enrolando o que já fora lido e a esquerda desenrolando. Esta seria a atitude de nosso Senhor ao ler uma passagem da Lei na sinagoga. No livro de Apocalipse encontramos a terrivel imagem: "o céu recolheu-se como um pergaminho quando se enrola".41 O costume de dobrar as folhas de papiro surgiu cerca de um século depois de Cristo, particularmente entre os primeiros cristãos; e destas dobras veio o códice ou livro encadernado, geralmente um quaternio de quatro folhas dobradas a fim de formar oito páginas costuradas, como são os nossos livros, em um volume.
No final, a fim de proteger os manuscritos mais valiosos, eles eram enrolados em tecido; quando sé tratava de manuscritos dos livros sagrados, em linho fino, decorados com enfeites em azul da cor do jacinto e com as extremidades franjadas. Colocavam-nos a seguir em jarros especiais; e uma biblioteca importante deveria ter-se assemelhado bastante a uma grande loja de vinhos. Como todos sabem, os rolos do Mar Morto foram encontrados em jarros, nos anos 1947 e seguintes. A hipótese geralmente aceita é que eles faziam parte da biblioteca de uma comunidade de essênios, cujo monastério foi descoberto nas proximidades das cavernas de Cunrã — Biblioteca essa que foi ocultada pelos monges na ocasião em que os legionários romanos de Tito estavam devastando o pais durante a grande rebelião de 66-70 A.D.42
Foram também encontrados nas ruínas de Cunrã três tinteiros de bronze e um de barro, contendo tinta seca. Um dos aposentos lembra o escritório de um monastério ocidental. Parece tratar-se de monges dedicados à cópia a mão dos textos sagrados, como faziam os beneditinos em tempos idos. Em todo caso, uma das principais funções dos escribas, cuja importância já mencionamos,43 era copiar a Bíblia. Os rabinos tinham estabelecido as regras mais extraordinárias e minuciosas para os que se dedicavam a esta tarefa: nada devia ser transcrito de memória, mas cada palavra tinha de ser verificada e mesmo que o original contivesse um erro evidente era preciso copiá-lo, avisando as autoridades sobre o mesmo, para que decidissem. O nome santo de Deus devia ficar em branco, para que pudesse ser escrito com outra tinta absolutamente pura, por um escriba que tivesse feito as abluções rituais com esse propósito. Além do mais, nem todos podiam possuir os livros sagrados e guardá-los em casa (embora houvesse uma exceção para o livro de Ester, que devia ser lido para a família na Festa do Purim), e alguns doutores da Lei, Gamaliel entre eles, ensinaram até que tocá-los tornava impuras as mãos. Nem mesmo os livros incorretos ou aqueles suspeitos de heresia ou simplesmente diferentes dos textos aceitos eram destruídos, mas colocados num dos chamados "cemitérios de livros" a que davam o nome de ghenizah.** A palavra "bibliomania" foi usada sendo porém talvez dura demais; mas em qualquer caso, os judeus tinham grande respeito pela palavra escrita.
COMO SE ESPALHAVAM AS NOTÍCIAS
Uma das principais funções da palavra escrita em nossa sociedade, tão importante que a invenção do telefone e do rádio não conseguiu fazê-la desaparecer, é a divulgação de notícias. Na antiga Israel e em todas as comunidades do mundo da antigüidade, no que diz respeito a esse assunto, isso só podia ser feito numa escala muito menor. A facilidade com que compramos o jornal, essa esplêndida ajuda ao pensamento,46 e o compramos tão barato, além de dois séculos de desenvolvimento postal, tornaram a nossa correspondência diária (o tirano do homem de negócios) uma das bases essenciais da comunicação. Há vinte séculos atrás, na Palestina e em Roma, isso não acontecia.
Os materiais de que acabamos de falar eram também usados para escrever cartas: pergaminhos, papiros, chapas de cera. Os romanos tinham generalizado o uso de chapas de duas folhas: as duas eram presas uma à outra por tiras de couro, colocadas cera contra cera, mas uma pequena sobreposição da madeira evitava que as superfícies escritas tocassem uma na outra. A pessoa que recebia a carta precisava apenas apagar as palavras e já tinha em mãos o material para a resposta. As cartas escritas em pergaminhos ou papiros eram enroladas e amarradas com um cordão. A fim de provar sua autenticidade, eram assinadas, como fazemos hoje, particularmente quando ditadas a um amanuense, o equivalente de nosso datilógrafo. Algumas vezes a pessoa que assinava acrescentava uma sentença mais pessoal: Paulo, por exemplo, termina sua carta aos Colossenses com uma saudação, e diz particularmente: "A saudação é de próprio punho: Paulo".48
Uma simples.assinatura não bastava porém: a carta ficava incompleta sem um selo. Todo homem importante tinha o seu, com o seu nome nele ou um desenho decorativo; a gravação desses selos exigia artesãos especializados — a Bíblia fala deles — e gravavam a inscrição com uma ponta de diamante47 em metal ou pedra dura, tal como a ágata. O selo podia ser de cera ou mais raramente de chumbo; sendo em qualquer caso essencial. Nenhuma carta importante podia deixar de tê-lo. O selo era altamente simbólico e as Escrituras Sagradas fazem menções freqüentes ao seu uso: segundo Jó, o próprio Deus colocara o seu selo sobre o homem;48 a circuncisão era o selo da fidelidade a Javé;49 para os discípulos, a mensagem de Cristo estava marcada com o selo da verdade de Deus;60 e o Juízo Final, disse Apocalipse, seria selado com sete selos.61
Depois de devidamente assinada, fechada e selada, a carta seria enviada a seu destino.
Isso não era fácil. O império romano possuía na verdade o seu serviço postal, copiado daquele aperfeiçoado do século cinco A.C. pelo rei Dario, o persa. Tratava-se de uma organização verdadeiramente considerável, um ministério positivo, com um exército de mensageiros, pessoas para cuidar das postas e supervisores; havia também um sistema de prioridades segundo a urgência da mensagem.62 Mas o número de pessoas que podiam utilizar-se do correio imperial era muito pequeno; e temos a impressão de que Herodes eseus descendentes jamais estabeleceram uma organização deste tipo.
Os indivíduos precisavam, portanto, usar mensageiros: seus próprios escravos, se fossem ricos, ou através dos que faziam da entrega postal uma profissão. Esses carteiros são mencionados no tratado Shabbath:63 colocam as mensagens no cinto ou em tubos de madeira pendurados no pescoço. Os muito pobres para alugar um mensageiro, aproveitavam-se da viagem de um amigo, um oficial ou um mercador ambulante para confiar-lhe a carta. Os mercadores importantes se reuniam para enviar um homem a Alexandria ou Babilônia, levando as cartas de todo o grupo. 0 Grande Sinédrio e o sumo sacerdote possuíam mensageiros especiais para comunicar-se com os sinédrios provinciais e as comunidades da Diáspora, como o último capítulo de Atos deixa claro.54 Como é natural, essas cartas não chegavam muito rapidamente aos seus destinos: uma carta particular enviada a Cícero levou cerca de cem dias para ir da Síria até Roma, e o correio imperial levou cinquenta e quatro dias de Roma a Cesaréia.
As notícias que deviam ser levadas ao conhecimento do público ou as que transmitiam ordens oficiais eram escritas nos muros. No próprio Templo existiam inscrições proibindo os pagãos de entrarem nos pátios reservados aos crentes. As autoridades romanas usavam essas notícias, e ao que parece as escreviam, como aquela que foi colocada sobre a Cruz, em três línguas, sendo uma delas ou hebreu ou aramaico. 0 populacho, como sempre faz em toda parte, tornava conhecidos seus sentimentos e opiniões escrevendo-os nos muros. Os arqueólogos encontraram diversos graffití, como os que podem ser vistos em Pompéia ou no Palatino. Um deles, na parede inferior do palácio asmoneano, declara que "Simão e toda sua casa podem ir para o inferno e arder ali": pelo menos esta era a opinião de Pampras, um pedreiro insatisfei-to.BB
Haveria algum método de divulgar as notícias mais amplamenteP Alguns autores afirmaram que "houve uma tentativa de circular uma espécie de jornal em Jerusalém" e que este fato é mencionado nos arquivos rabínicos"; embora seja "impossível descobrir se se tratava de um empreendimento privado ou se, por outro lado, foi realizado pelo governo romano ou pelos sumos sacerdotes".66 Se isto for verdade o "jornal" manuscrito deve ter sido bem pouco lido. É melhor supor que as notícias se espalhavam verbalmente. É notável com que rapidez qualquer acontecimento fica sendo conhecido tanto no Oriente como na África. Os ambulantes e muitos mendigos que vão de lugar em lugar teriam se encarregado de espalhar relatos mais ou menos verdadeiros de todas as ocorrências, importantes e triviais. 0 poço ou a fonte onde as mulheres iam buscar água era o centro de informações da cidade; e podemos estar certos de que as notícias de importância eram divulgadas através de toda a Palestina. Assim, no evangelho, vemos as "multidões" acorrendo para serem batizadas por João ou para ouvir a pregação do novo mestre, Jesus: não tiveram necessidade de qualquer jornal ou mensagem radiofônica para ficar sabendo dessas coisas. Este meio completamente simples de divulgação tinha um bonito nome, "as asas do pássaro".
 
 
 
 
III – COMO LER UMA PARÁBOLA
A- Buscar a verdade (ou verdades) que a parábola ilustra.
Sempre devemos buscar a revelação do ESPÍRITO SANTO, nunca confiarmos em nossa própria sabedoria, pois a parábola está inserida em uma verdade profunda que não pode ser alterada.
 
B- Ater-se à essência da parábola.
Devemos, ao estudarmos parábolas, tomarmos sempre o cuidado para não nos desviarmos do verdadeiro ensino que nos está sendo proposto e cairmos em distração espiritual, porém, não direcionada pelo ESPÍRITO SANTO, pois podemos passar a desvirtuar o verdadeiro ensino a nós transmitido e passarmos a criar outro ensino, pois a parábola permite isto em sua interpretação.
 
C- Jamais se esquecer de que as parábolas servem para ilustrar doutrinas e não para estabelecê-las.
Ensinar uma doutrina através de uma parábola é válido e bastante aproveitável, porém nunca se deve passar às pessoas uma doutrina pessoal através de uma parábola, veja este exemplo:
 
Parábola:
Todo dia, ao meio dia, um pobre velho entrava na igreja e saía, poucos minutos depois. Um dia, o pastor  perguntou-lhe o que fazia, pois havia objetos de valor na igreja.
 
- Venho orar - respondeu o velho.
- Mas é estranho - disse o pastor - que você consiga orar tão depressa.
- Bem, - retrucou o velho - eu não sei recitar aquelas orações compridas, mas todo dia, ao meio dia, entro na igreja e só falo: "Oi Jesus, eu sou o Zé. Vim te visitar". Num minuto já estou de saída. É só uma oraçãozinha, mas tenho certeza de que ele me ouve.
 
 Alguns dias depois, o Zé sofreu um acidente e foi internado num hospital. Na enfermaria, passou a exercer uma boa influência sobre todos os que o rodeavam. Os doentes mais tristes se tornaram mais alegres, os familiares tornaram-se mais esperançosos, muitas risadas começaram a ser ouvidas.
- Zé - falou-lhe um dia a Irmã - os outros doentes dizem que você está sempre tão alegre...
- É verdade, Irmã, estou sempre muito alegre. É por causa daquela visita que recebo todos os dias, e que me deixa muito feliz.
A Irmã ficou atônita. Já tinha notado que a cadeira encostada na cama do Zé estava sempre vazia. O Zé era um velho solitário, sem ninguém, e que por esse motivo não recebia visitas. Mesmo assim, levada pela curiosidade, perguntou-lhe
- Que visita, Zé? A que horas?
- Todos os dias - respondeu com um brilho nos olhos. - Todos os dias, ao meio-dia. Ele vem e fica sentado nesta cadeira, ao lado da cama. E quando eu o olho. Ele sorri e me diz: "Oi Zé, eu sou Jesus. Vim te visitar".
(Autor desconhecido)
 
ANÁLISE:
Veja que estaríamos apoiando uma falsa doutrina se aceitássemos esta parábola como uma verdade a respeito da oração. DEUS não está em um prédio e nem a uma hora marcada por alguém. JESUS estaria disposto a curar o enfermo e não em visitá-lo e também não marcaria hora para visitar alguém. Não saber orar indica falta de amizade e intimidade com DEUS e a oração é feita com temor e adoração a DEUS.
Uma alma cheia do ESPÍRITO SANTO transmite o evangelho e não apenas alegria passageira a seus colegas.
Mas tudo isso descobrimos pela lógica humana que é diferente da lógica de DEUS. DEUS ouve as nossas orações mais simples. Ouve as orações de crianças que nem sequer teem noção do que seja a construção de uma oração. Podemos oarar no ESPÍRITO SANTO que é orar em línguas para edificação própria. Existem multiformas de oração.
Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.(Salmos 51:17).
1. Entendendo a narrativa como a síntese das experiências cotidianas.
2. Procurar as declarações explícitas e implícitas do agir de DEUS no contexto literário.
3. Identificar a aplicação prática da parábola.
 
 
CONCLUSÃO
As parábolas eram recursos didáticos usados pelos judeus desde os tempos do Antigo Testamento (Jó 27.1; Hb 2.6). O profeta Ezequiel está entre os inúmeros personagens bíblicos que fizeram uso dessas alegorias a fim de comunicar uma mensagem clara e acessível (Ez 17.2). As parábolas também eram usadas pelo povo e sábios de Israel em forma de provérbios parabólicos (Ez 18.1-3; Sl 78.2). O propósito da parábola está relacionado ao significado do próprio termo, ou seja, “colocar uma coisa ao lado de outra a fim de comparar”. Portanto, quando Jesus ensinava usando a parábola, pretendia comparar um episódio do cotidiano com uma realidade espiritual. Jesus usava essas ilustrações com dois objetivos: didático e teológico.
Além de fazer cumprir a Palavra de DEUS dita pelos profetas era para JESUS a melhor maneira de fixar nas mentes de seus ouvintes seus ensinos de amor e humildade.
As parábolas nos ensinam que os mistérios de DEUS são facilmente entendidos pelos simples e humildes de coração. Devemos aprender de JESUS.
"Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas". Mt 11.28,29.
 
 
 
LEIA A REVISTA DO 2º Trimestre 2005 - As Parábolas De Jesus - Tema Central: Adevertências Para Os Dias De Hoje. Comentarista: Pr. Elienai Cabral.
Lição 1- Parábolas De JESUS - As Parábolas No Ensino De JESUS
 
Texto Áureo: Tudo isso disse Jesus por parábolas à multidão e nada lhes falava sem parábolas, para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta, que disse: Abrirei em parábolas a boca; publicarei coisas ocultas desde a criação do mundo. (Mt 13.34,35).
 
Verdade Prática: Através de suas parábolas, o Senhor JESUS continua a revelar-nos os grandes mistérios do reino de DEUS.
 
Leitura Bíblica em Classe: Salmo 78.1-8
1 Escutai a minha lei, povo meu; inclinai os ouvidos às palavras da minha boca. 2 Abrirei a boca numa parábola; proporei enigmas da antiguidade, 3 os quais temos ouvido e sabido, e nossos pais no-los têm contado. 4 Não os encobriremos aos seus filhos, mostrando à geração futura os louvores do SENHOR, assim como a sua força e as maravilhas que fez. 5 Porque ele estabeleceu um testemunho em Jacó, e pôs uma lei em Israel, ce ordenou aos nossos pais que a fizessem conhecer a seus filhos, 6 para que a geração vindoura a soubesse, e os filhos que nascessem se levantassem e a contassem a seus filhos; 7 para que pusessem em Deus a sua esperança e se não esquecessem das obras de Deus, mas guardassem os seus mandamentos 8 e não fossem como seus pais, geração contumaz e rebelde, geração que não regeu o seu coração, e cujo espírito não foi fiel para com Deus.
 
78.1 ESCUTAI A MINHA LEI, POVO MEU. Este salmo foi escrito para relembrar aos israelitas por que lhes sobrevieram tantos julgamentos divinos devastadores durante sua história. (1) O cântico admoesta-os a aprenderem com as falhas espirituais dos seus antepassados e a se esforçarem com zelo para não se tornarem incrédulos e infiéis como eles. (2) O povo de Deus, de hoje, deve meditar neste salmo com toda atenção, porque muitas igrejas e denominações já perderam a presença e o poder de Deus por causa da sua incredulidade e desobediência à Palavra de Deus. Essas igrejas desviaram-se pouco a pouco, retornando para os seus próprios caminhos (cf. Is 53.6), porque deixaram de pôr em prática os padrões da Bíblia e seus exemplos.
78.5 QUE A FIZESSEM CONHECER A SEUS FILHOS. Ensinar aos nossos filhos os divinos princípios e preceitos da Palavra de Deus não é uma opção; é um mandamento que Ele entregou ao seu povo. Aquilo que Deus ordena, Ele dá graça para cumprirmos (ver Dt 6.7) 
78.8 E NÃO FOSSEM COMO SEUS PAIS. Deus, aqui, exorta o seu povo (cf. v.1) a não seguir as pisadas infiéis dos seus antepassados espirituais. Aplicando essa verdade aos tempos do NT, as igrejas fiéis de hoje devem se acautelar para não seguirem os padrões de outras igrejas, denominações, ou comunidades eclesiásticas que esfriaram na fé e que se afastaram do cristianismo bíblico. Alguns dos erros que levam uma igreja à ruína espiritual são: (1) os líderes não discernirem e não advertirem os membros que começam a imitar costumes anti-bíblicos de igrejas que antes eram fiéis a Deus; (2) a igreja deixar de ter como sua fonte única de vida, verdade e orientação a revelação neo-testamentária de Cristo e seus apóstolos (ver Ef 2.20); (3) os dirigentes deixarem de ensinar na igreja 
sobre a pureza da verdade, da doutrina e dos assuntos de moral; (4) não haver preocupação aflitiva na igreja, quando ela afasta-se cada vez mais do modelo do NT; (5) a igreja deixar de manter uma íntima devoção a Cristo e uma vida intensa de intercessão como centro do viver diário; (Ap 2.4); (6) tolerância do pecado, em líderes, mestres, ou membros comuns da igreja; pecados esses que, no passado, eram tratados com rigor (Ap 2.14,15,20); (7) substituição da real espiritualidade, i.e., pureza, retidão, sabedoria espiritual, amor e poder do Espírito, manifesto entre os membros da igreja, por falso progresso, estatísticas e riqueza.
 
Leitura Diária:
Segunda: Ez 17.2 - A parábola é uma comparação
*Filho do homem, propõe uma parábola e usa de uma comparação para com a casa de Israel.
 
Terça: Mc 4.2 - A parábola é um recurso educacional
*E ensinava-lhes muitas coisas por parábolas e lhes dizia na sua doutrina:
4.2 PARÁBOLAS. Jesus ensinava freqüentemente por parábolas. Parábola é uma ilustração da vida cotidiana, revelando verdades aos que estão com o coração disposto a ouvir, e, ao mesmo tempo, ocultando estas mesmas verdades àqueles cujo coração não está preparado (cf. Is 6.9,10; ver Mt 13.3).

Quarta: Mt 13.36,37 - A parábola pode ser interpretada
*Então, tendo despedido a multidão, foi Jesus para casa. E chegaram ao pé dele os seus discípulos, dizendo: Explica-nos a parábola do joio do campo. 37 E ele, respondendo, disse-lhes: O que semeia a boa semente é o Filho do Homem,
 
Quinta: Mt 24.32 - A parábola pode ser aprendida
*Aprendei, pois, esta parábola da figueira: quando já os seus ramos se tornam tenros e brotam folhas, sabeis que está próximo o verão.
 A FIGUEIRA. O brotar das folhas da figueira (v. 32; cf. Lc 21.29-31) simboliza eventos que ocorrerão durante a tribulação (vv. 15-29). Por outro lado, alguns intérpretes crêem que a figueira também representa a restauração de Israel como um estado político (cf. Lc 13.6-9; Os 9.10). Em 21.29 a figueira aparece destacada das demais árvores, assim como Israel foi chamado para ser um povo separado (Dt 33.28).
 
Sexta: Mc 4.13 - É importante aprender todas as coisas
*E disse-lhes: Não percebeis esta parábola? Como, pois, entendereis todas as parábolas?
 
Sábado: Mc 4.30 -  A parábola é fonte de inesgotáveis recursos
*E dizia: A que assemelharemos o Reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos?
 
Ajuda www.cpad.com.br
 
O USO DO MATERIAL ILUSTRATIVO NO SERMÃO
1. Definição de "material ilustrativo"
A palavra "ilustrar" vem do latim, ilustrare, e significa "lançar luz ou brilho, ou tornar algo mais evidente e claro".
Os educadores reconhecem que uma das principais leis de ensino, para alcançar a mente e o coração é a ASSOCIAÇÃO DE IDÉIAS.
O material ilustrativo tem sido comparado a janelas, que deixam a luz entrar e iluminar uma casa. A ilustração visa ajudar os ouvintes a "VER A VERDADE".
 
2. O uso de material ilustrativo na Bíblia
Natã: usou a ilustração de um homem pobre com uma cordeirinha para levar o Rei Davi a condenar-se a si mesmo (II Sm 12:1-14);
Aías: rasgou a sua roupa nova em doze pedaços e deu dez para Jeroboão, representando o fato de que Deus havia determinado que dez das doze tribos de Israel seriam tiradas de Reoboão (I Rs 11:26-40);
Isaías: enquanto pregava durante certa época de seu ministério, andou descalço e despido como sinal de como o povo de Deus seria levado preso pelos Assírios, Egípcios e Etíopes (Isaías 20:1-6);
Jeremias: usou muitos sermões visuais, como a parábola do cinto de linho (13:1-11), o jarro quebrado (13:12-14), o vaso do oleiro (18:1-17), a botija quebrada (19:1-15), os canzis simbólicos (27:1-22), além da compra de um terreno que simbolizava a esperança na restauração de Israel depois do exílio (32:1-25);
Ezequiel: usou tanto o método visual e ilustrativo que chegou a se queixar com Deus: "Ah Senhor Deus! eles dizem de mim: não é este um fazedor de alegorias?" (20:49)
Jesus Cristo: quase sempre usava material ilustrativo para apresentar profundos conceitos de natureza espiritual. As parábolas (52% do Ev de Lc é composto de parábolas). O uso de uma moeda para ensinar o dever do bom cidadão (Mt 22:19). A pregação significativa através de uma bacia e de uma toalha (Jo 13:1-17). Jesus também falou das aves dos céus, dos lírios do campo, do pão, da água. Jesus, também usou uma criança para mostrar que é preciso se tornar como uma criança para entrar no Reino de Deus.
(vide o comentário de Mateus ao uso das parábolas por Jesus: Mt 13:34-35, 53-54)
 
3. Os propósitos para o emprego de material ilustrativo
a)
 despertar o interesse e prender a atenção dos ouvintes. 
b) aclarar, iluminar e explicar as verdades apresentadas.
c) confirmar, fortalecer os argumentos apresentados e persuadir os ouvintes a aceitarem estas verdades.
d) ajudar os ouvintes a gravarem bem as idéias do sermão.
e) tocar nos sentimentos dos ouvintes.
f) dar mais vida ao sermão.
g) ornamentar e embelezar o sermão.
h) tornar o sermão mais agradável, proporcionando descanso mental aos ouvintes.
i) ajudar com a repetição da verdade.
 
4. Tipos de ilustrações e fontes de bom material ilustrativo
        i. a própria Bíblia é um verdadeiro tesouro de ilustrações. Elas dão até mais autoridade ao sermão. São autênticas e atuais!
        ii. o mundo da literatura:
a) biografias e autobiografias;
b) obras de ficção;
c) poesia;
d) dramas (como de Shakespeare), mitologia (egípcia, grega, romana), fábulas, lendas e folclore relacionadas à vida de países e regiões, etc.
        iii. a história. Aquilo que aconteceu no passado e também aquilo que está acontecendo em nossos dias, como aparece nos jornais, revistas como Veja, etc.
       iv. experiências pessoais.
       v. a ciência e a medicina.
        vi. obras de arte, como pinturas de quadros e obras de escultura servem como ilustração. Exemplo: Miguel Ângelo certa vez encontrou uma grande pedra que tinha sido jogada fora num terreno baldio. Ele inspecionou a pedra e depois mandou removê-la para o seu estúdio, onde fez daquela pedra suja de mármore uma famosa obra de escultura: a estátua de Davi! Deus muitas vezes vê em alguém uma obra de arte escondida em uma pedra suja como aquela, e a transforma em uma obra prima de Sua graça e misericórdia.
        vii. citações que ouvimos ou lemos.
        viii. artigos que lemos ou outros sermões que ouvimos.
        ix. acontecimentos esportivos.
        x. o trabalho secular do povo da igreja e da comunidade.
        xi. a leitura em geral de jornais, revistas e livros.
        xii. ilustrações criadas por nós mesmos.
 
 5. Advertências quanto ao uso de ilustrações
a)
 não é necessário ilustrar as coisas óbvias.
b) ilustrações que tem pouco a ver com o ponto que está sendo focalizado no sermão ou cuja relação com ela é vaga, ou que esclarece pouco, não devem ser utilizadas.
c) evite ilustrações cujas bases não têm nenhuma relação com a vida dos ouvintes.
d) evite ilustrações que parecem exageradas ou improváveis, mesmo que tenham acontecido.
e) não faça o seu sermão somente de ilustrações.
f) evite ilustrações que exijam muitas explicações para entendê-las.
g) não use ilustrações somente para mostrar o seu grande conhecimento ou impressionar os ouvintes.
h) não é bom destacar uma só ilustração ao ponto de deixar o resto do sermão prejudicado.
i) não se deve usar uma ilustração somente para fazer o povo rir.
j) não utilize ilustrações que não entenda bem. Tenha certeza dos detalhes das suas ilustrações. (Dr. Key fez referência a um sermão que ouviu, onde o pregador contou de um soldado, do século 16, que saiu para uma batalha com a metralhadora na mão!)
l) nunca conte a experiência de outrem como se fosse sua.
m) tenha muito cuidado em elogiar pessoas não crentes em suas ilustrações.
n) evite o se desculpar pelo uso de qualquer ilustração pessoal.
o) varie o tipo de ilustração que você utiliza.
p) tenha cuidado com ilustrações "enlatadas".
 
 
PARA REFLETIR - A respeito de “Parábola: Uma Lição Para a Vida”, responda:
O que significa “parábola”? Significa, literalmente, “comparação”, e como tal, comumente utilizada para indicar uma história breve, um exemplo esclarecedor para ilustrar uma verdade.
O que, na Galileia, determinava o estilo da vida das pessoas? O mar da Galileia, também chamado de mar de Tiberíades ou lago de Genezaré.
Qual o significado de “sinóticos”? Significa “ver junto”, “ver da mesma perspectiva”, “vistos de um ponto de vista comum”.
Cite uma das questões mais importantes a ser considerada quando se lê uma parábola.
Procurar entender os elementos culturais operados em cada uma delas, pois apesar de elas serem uma síntese das experiências humanas, são histórias contadas a partir de outra cultura e tempo.
Quais são as perguntas necessárias para se identificar uma aplicação prática de uma parábola? Para quem a parábola foi contada? Por que a parábola foi contada? Qual é a moral da parábola? Existe algum ponto culminante na parábola? Alguma interpretação é dada na passagem para a parábola?
 
CONSULTE - Revista Ensinador Cristão - CPAD, nº 76, p. 36. 

SUGESTÃO DE LEITURA - Guia Básico de Interpretação da Bíblia, Pequeno Atlas Bíblico e Hermenêutica Fácil e Descomplicada.

RESUMO DAS PARÁBOLAS DE JESUS (Dicionário Wycliffe - CPAD)
Para uma informação introdutória sobre as parábolas de JESUS. Fazemos aqui uma tentativa de relacionar, classificar e fornecer alguma orientação sobre a interpretação dessas parábolas. A maioria dos estudiosos tem discordado quanto ao número de parábolas que identificaram nos Evangelhos. Suas relações variam entre 30 a 80, dependendo de terem ou não incluído parábolas semelhantes que não foram descritas sob o termo “parábola” e de terem incluído parábolas mais curtas e exemplos extraídos delas. Aqui foram analisadas 52 parábolas. Elas foram distribuídas em nove categorias. Em alguns casos a classificação de uma parábola em determinada categoria foi um pouco arbitrária. Em cada caso, sua história não é contada, mas simplesmente sugerida em uma conjunção com sua interpretação. As referências das Escrituras são mencionadas em todos os exemplos para que o leitor possa acompanhá-las com a Bíblia aberta.
I. A Mensagem de DEUS ao Mundo
A. Natureza da mensagem. O pano remendado e os odres de vinho (Mt 9.16,17; Mc 2.21,22; Lc 5.36-38).O tecido novo ainda não encolheu e quando uma roupa velha é remendada com ele, seu encolhimento piora a rotura. O vinho novo colocado em velhos odres de vinho fará com que a pele de que o odre é feito se rompa, porque ela já foi esticada ao máximo possível no processo anterior de fermentação. O ponto importante é que o Senhor JESUS CRISTO veio com uma nova mensagem de graça em oposição à antiga ordem legal: essa mensagem exige uma nova abordagem e novas formas.
B. Proclamação da mensagem. O semeador (Mt 13.3-9,18-23; Mc 4.1-9; 13.20; Lc 8.4-15). De acordo com a parábola, a semente das boas novas do reino é plantada em vários solos com diferentes resultados: a maioria das pessoas, por uma ou outra razão, não recebe a verdade de DEUS para a salvação.
C. Crescimento da verdade (reino) no mundo.
1. A semente que cresce secretamente (Mc 4.2629־) descreve o imperceptível crescimento do reino de DEUS no mundo.
2. A semente de mostarda (Mt 13.31,32; Mc 4.3032־; Lc 13.18,19) retrata o rápido, e inesperado, crescimento do reino de DEUS. Embora a semente seja pequena (a mostarda da Palestina é preta e pequena como a semente da petúnia, ou ainda menor), ela cresce rapidamente, alcançando uma grande altura (na Palestina ela atinge de 4 a 5 metros, ou mais).
D. Corrupção da mensagem e da obra de DEUS.
1. O fermento (Mt 13.33; Lc 13.20,21). Como regra geral, nas Escrituras o fermento fala sobre o maligno, e provavelmente faça o mesmo nesta passagem; portanto, a referência seria dirigida à corrupção da doutrina do reino através de falsas doutrinas. Alguns preferem interpretá-la como significando que a verdade do evangelho infiltrar-se-á na sociedade do mal.
2. A parábola do joio e do trigo (Mt 13.24-
30,36-43) ensina que Satanás falsificou o evangelho com sua própria marca de religião, e que ambos cresceram juntos na cristandade - tanto aqueles que professam um falso evangelho, como os verdadeiros detentores da verdade; e eles serão separados por ocasião do juízo.
II. A Salvação e o Perdão dos Pecados
1, 2 e 3. As parábolas da ovelha perdida, da moeda perdida e do filho pródigo (Lc 15) estavam dirigidas aos fariseus que criticavam JESUS por sua associação com publicanos e pecadores. Os fariseus procuravam justificar- se perante os homens. O Senhor JESUS, aparentemente, relacionou-os às 99 ovelhas, às nove moedas e ao irmão mais velho pelo fato de se considerarem espiritualmente salvos. Mas, ao contrário, dirigiu-se aos publicanos e pecadores (a centésima ovelha, a moeda perdida e o filho pródigo) que reconheceram a necessidade que tinham de um Salvador.
4. O fariseu e o publicano (Lc 21.28-32). Novamente, JESUS atinge os farisaicos interlocutores que se consideravam justos, através da justiça própria que demonstravam, O publicano foi justificado poique se apresentou com humildade, reconhecendo seus pecados e confiando na divina provisão.
5. Filhos convocados ao trabalho (Mt 21.28-32). O primeiro filho representa os publicanos e as prostitutas que a princípio não sentiam simpatia por João Batista, por seu ministério e mensagem, mas que depois se arrependeram e creram.
O segundo representa os principais sacerdotes e anciãos que, como homens religiosos, demonstraram um interesse inicial por João, mas depois não receberam a mensagem em seus corações.
6 e 7, O tesouro escondido e a pérola de grande valor (Mt 13.44-46) mostra o valor dos crentes por quem CRISTO fez o supremo sacrifício. O campo deve representar o mundo, assim como nas primeiras duas parábolas de Mateus 13. O homem que desistiu de tudo para comprar a pérola só pode ser o próprio CRISTO, que fez o supremo sacrifício para pagar a dívida do pecado de todo o mundo. Dentro do mundo dos pecadores existem aqueles que irâo acreditar nele - o tesouro e a pérola.
8. O casamento do filho do rei (Mt 22.1-14) fala primeiro sobre os líderes religiosos que recusaram o convite do rei. Como resultado, DEUS afastou-se dos judeus e procurou os gentios. Em segundo lugar, esta parábola fala sobre os gentios que ousaram apresentar-se perante o rei à sua própria maneira; eles não tinham as vestes para o casamento - o manto da justiça do Senhor.
9. A grande ceia (Lc 14.16-24), De natureza semelhante à anterior, essa parábola envolve três grupos; os que a princípio receberam o convite e recusaram, os pobres, aleijados, mancos e cegos, e aqueles que estão entre os caminhos e as sebes. Parece que o primeiro grupo representa os escribas e os fariseus, e o segundo e o terceiro (que respondem) representam os publicanos e pecadores, e os gentios, respectivamente.
10 e 11. A figueira estéril (Lc 13.6-9), a porta estreita e a porta fechada (Lc 13.23-30) falam sobre a salvação de DEUS e seu castigo, porque deixaram de receber sua graça. 12 el3. Aporta do curral das ovelhas (Jo 10.1- 10) e o bom Pastor (Jo 10.11-18,25-30). Estas parábolas declaram que JESUS é o caminho pelo qual alguém se torna membro dessa nova família espiritual (rebanho). Aqueles que se recusam a entrar pela porta (como os fariseus) e procuram a salvação através de sua própria virtude são classificados como ladrões e assaltantes e estão fora do curral. Como bom Pastor, JESUS oferece sua própria vida pelas suas ovelhas, e escolhe as ovelhas tanto entre os gentios, como entre os judeus, tornando-os um único rebanho (ou “aprisco”). 14 e 15. A contaminação que vem tanto do exterioT (Mt 12.43-45; Lc 11.24-26) como do interior.
Nessas parábolas, JESUS toma claro que não existe meio termo entre a aceitação e a rejeição do Salvador. Na última parábola, um certo espirito maligno deixou o homem e, mais tarde, encontrando esse homem sem suficiente defesa moral, penetrou em sua vida com mais sete outros espíritos malignos. Devemos estar cheios de bondade e possuir uma virtude positiva que só está disponível através de CRISTO. Na segunda parábola, a fonte da dificuldade está descrita não como vinda do exterior, mas do interior da pessoa. Além de ter de combater a obra dos espíritos malignos, o indivíduo tem dentro de si uma natureza pecadora. Seu coração é desesperadamente iníquo e a fonte de todas as formas de corrupção.
16. Luz interior (Mt 6,22,23; Lc 11,34-36). Assim como o corpo físico Tecebe a luz pelos olhos, a alma também tem um “olho”. Aqueles que têm visão espiritual e não estão sob as trevas da impenitência, compreendem o significado do desenvolvimento espiritual que ocorre em tomo de si, porque pertencem ao Salvador.
17. Sob a figura de duas estradas (Mt 7.13,14), JESUS retrata a alternativa dos caminhos abertos ao homem nessa vida.
18. Os construtores (Mt 7.2427־; Lc 6.46-49). Existem duas classes de homens como construtores. Aquele que prudentemente constrói sua vida e caráter com a fé arraigada em CRISTO, e o outro que tenta construir, de forma tola, a vida e o caráter sem estar definitivamente estabelecido em CRISTO.
III. O Tratamento de CRISTO
Pelo menos duas parábolas tratam desse tema: a dos lavradores maus (Mt 21.33-41; Mc 12.1-9; Lc 20.9-16) e a da pedra rejeitada (Mt 21.42-46; Mc 12.10,11; Lc 20.17-19). Na primeira parábola, os inimigos de CRISTO são comparados aos vinhateiros que deixaram de cumprir sua responsabilidade de cuidar da vinha (Israel) para seu senhor ( DEUS). Na verdade, eles maltrataram os servos (profetas) do seu senhor quando trouxeram as mensagens de seu mestre. Finalmente, eles até mataram o filho (JESUS CRISTO) do seu senhor; por isso DEUS os destruirá. Na segunda parábola, os fariseus aparecem como aqueles construtores que jogaram uma certa pedra fora (CRISTO) por ser inadequada à estrutura que estavam construindo. Mas essa pedra tomou-se a pedra angular e também uma poderosa arma nas mãos de DEUS para destruir os oponentes do Messias.
IV. A Comunhão com DEUS
Aqueles que têm fé e apropriam-se da obra de CRISTO, e experimentam o novo nascimento, têm o privilégio de desfrutar a comunhão com o Pai e com o Filho. JESUS expressou essa verdade em diversas parábolas.
A. Oração. Duas parábolas sobre a oração estão intimamente relacionadas: a do amigo importuno (Lc 11.5-8) e a do injusto juiz (Lc 18.1-8). Ambas demonstram que DEUS certamente ouvirá seus filhos, mas que a oração deverá ser importuna e perseverante. Entretanto, essas parábolas diferem um pouco no sentido de que a primeira demonstra que a oração nunca é de fato importuna, e a última de que é certo que ela trará bênçãos, e não uma maldição.
B. Gratidão. A parábola dos dois credores (Lc 7.41-43) parece ensinar que a gratidão dos pecadores depende do quanto lhes foi perdoado.
C. O relacionamento de CRISTO com seus discípulos. A parábola da noiva e do noivo (Mc 2.19,20; Lc 5.34,35) descreve o feliz relacionamento do Senhor JESUS CRISTO com seus discípulos, e sua partida que ocorrería em breve.
D. Comunhão e alimento espiritual. A parábola da vinha e dos ramos (Jo 15.1-11) está relacionada com o ministério de CRISTO para e através de seus discípulos, e as condições para a frutificação.
E. O suprimento das necessidades temporais. A história do rico insensato (Lc 12.16-21) ensina que uma vida abundante paia o crente não depende da riqueza, e que nem mesmo a própria vida pode ser assegurada pelo dinheiro. A exortação que a acompanha no v. 31 é especialmente importante: “Buscai antes o reino de DEUS e todas essas coisas vos serão acrescentadas”.
V. Testemunho ou Discipulado
1 e 2. Assim como o homem que se prepara para construir uma torre em primeiro lugar avalia os custos para determinar se pode terminá-la (Lc 14.28-30), e um rei calcula seus recursos militares antes de iniciar uma batalha (Lc 14.31,32), também o discípulo de CRISTO deve avaliar o custo do discipulado e se preparar para viver uma vida de completa renúncia.
3 e 4. Um discípulo sem o espírito de auto- abnegaçâo é como o sal que perdeu seu poder de temperar (Mt 5.13; Mc 9.50; Lc 14.3335־). Sob essa condição, ele absolutamente não serve para nada. Assim como o bom sal, os cristãos eficientes sâo capazes de exercer um efeito de preservação e de purificação, e dão um excelente tempero à sociedade. A parábola do cristão como uma lâmpada acesa (Mt 5.15; Mc 4.21; Lc 8.16,17; 11.33) enfoca a difusão de seu testemunho.
5. Se um discípulo deseja dar testemunho mais efetivo, deve eonstantemente preocupar-se com a autocrítica. Essa é a mensagem da parábola sobre os membros que escandalizam (Mt 5.29,30; Mc 9.43,45,47), Na verdade, nenhum sacrifício é demasiada- mente grande se for capaz de promover uma correta condição espiritual e servir como um bom testemunho por parte do crente.
VI. O Relacionamento com Outros
A. ESPIRITO generoso: o servo implacável (Mt 18.23-35). Aqui JESUS está lidando com o ódio de um espírito rancoroso, e transmitiu a idéia de que DEUS nos perdoa tanto, que deveriamos estar dispostos a perdoar todos aqueles que pecam contra nós.
B. Sociabüidade: o bom samaritano (Lc 10.30- 37). Ter um espírito de altruísmo e divina consideração; ser um bom próximo para aquele com quem não se tem nenhum relacionamento de parentesco ou sequer de amizade.
VII. As Recompenas
A parábola dos trabalhadores da vinha (Mt 20.1-16) ensina que DEUS irá recompensar todo trabalho bem feito, e que Ele o fará de acordo com sua soberana vontade.
Ninguém tem o direito de exigir recompensas pelo serviço prestado ao Senhor. Uma parábola semelhante está em Lucas 17.7-10, cuja principal mensagem é que o servo não pode fazer uma queixa justa por ter feito além daquilo que deveria.
VIII. A Volta de CRISTO
Seis parábolas tratam do tema da volta de CRISTO. Outras que serão analisadas na próxima seção tratam do juízo em conexão com sua volta. Em Lucas 12.35-38, o Senhor JESUS ensina sobre o dever da leal vigilância em relação à sua volta. Como os servos devem estar preparados para encontrar seu mestre a qualquer hora, para o casamento que ocorrerá assim que ele voltar, da mesma forma os crentes devem estar prontos para a volta de CRISTO, que pode se dar a qualquer momento.
Sob outra figura de linguagem - a invasão de um ladrão - o Senhor apresenta uma mensagem semelhante (Lc 12.39,40; Mt 24.43,44). O dono da casa é exortado a manter uma constante vigilância para que, caso ele durma, o SenhoT não venha como um ladrão durante a noite. No esforço para realçar ainda mais o assunto da vigilância, o Senhor JESUS novamente muda de exemplo - dessa vez é um servo da casa esperando a volta de seu senhor (Mt 24.45-51; Lc 12.42- 46). Embora possa existir alguma incerteza sobre se um ladrão irá ou não entrar, existe uma certeza absoluta de que o mestre irá retornar. A parábola do dono da casa e do porteiro (Mc 13.34-37) exorta à vigilância em vista da volta de CRISTO, e é auto- explicativa.
Nosso Senhor também enfatiza a importância da preparação para sua vinda, e para a próxima vida, na parábola do mordomo infiel (Lc 16.1-13). Muitas têm sido as dificuldades para interpretar essa parábola: a maior parte delas vem da tentativa de forçar a interpretação de detalhes sem importância. O ponto principal é que o Senhor JESUS está simplesmente tentando ensinar a seus discípulos que mesmo os homens iníquos de sua geração usaram as oportunidades da época para se prepararem para o futuro. Os crentes podem aprender com os infiéis a esse respeito e, como mordomos fiéis, eles podem agora se preparar para no final prestar contas - de uma forma positiva - de seu serviço.
Embora nas parábolas anteriores o Senhor JESUS CRISTO tenha feito exortações à vigilância em vista de sua volta, cuja data não é divulgada, Ele realmente fez uma pausa para indicar a proximidade desse evento. Na parábola da figueira (Mt 24.32-35; Mc 13.28- 31; Lc 21.29-33) o Senhor ensina que como os brotos indicam a chegada do verão, da mesma forma a existência de certas condições será um sinal seguro de sua volta.
IX. O Juízo
O Senhor JESUS julgará a todos após o final da Grande Tribulação. A parábola da rede de pesca (Mt 13.47-50) fala sobre esse julgamento em termos gerais.
Três outras parábolas estão relacionadas ao julgamento de CRISTO, depois da Grande Tribulação. Duas são semelhantes, mas aparentemente não são idênticas: a das dez minas (Lc 19.11-27) e a dos dez talentos (Mt 25.14-30).
Um estudo cuidadoso irá revelar que existe uma lista completa de diferenças entre elas. Na primeira, o nobre que viajou para um país distante à procura do reino não pode ser outro a não ser o próprio Senhor. Seus servos, então, seriam os discípulos ou outros crentes. Aqueles que odiavam e rejeitavam a CRISTO seriam os cidadãos iníquos. Estes últimos deverão ser mortos (lançados no local de condenação) por ocasião da vinda do Senhor. Os discípulos deverão ser recompensados de acordo com seus serviços, durante a ausência do Senhor. Da mesma forma, a parábola dos talentos demonstra a importância da fidelidade à luz da volta de CRISTO. Talvez exista uma intimação no verso 30, de que a infidelidade indique a falta de uma experiência regeneradora. Portanto, os infiéis serão lançados à perdição.
Outra parábola sobre o juízo, e uma das aue tem sido objeto de muita discussão, é a aas dez virgens (Mt 25.1-13).
Naturalmente, é superficialmente óbvio que nessa passagem JESUS procurou ensinar a importância da vigilância à luz de sua volta. O que se segue é oferecido como uma tentativa de interpretação. A parábola descreve o julgamento de Israel. As dez virgens são os remanescentes que professam ao Senhor em Israel depois da Igreja ter sido arrebatada. Cinco virgens prudentes representam um remanescente que crê em DEUS; as virgens loucas representam os infiéis que professam estar esperando que o Messias venha com poder. O casamento do noivo com a noiva (Igreja) já se realizou no céu, e a parábola faz alusão à festa de casamento que acontece na terra. A chegada do noivo é o retorno do Senhor em glória, no final da Grande Tribulação. A entrada na festa do casamento corresponde à entrada no reino do céu sobre a terra (o Milênio). A presente obra não tem como escopo uma defesa mais detalhada ou uma discussão sobre as facetas dessa interpretação. 
Uma última parábola sobre o juízo está muito relacionada ao julgamento individual que ocorre sempre que uma pessoa deixa a vida terrena: o homem rico e Lázaro (Lc 16.19-31). Alguns poderiam preferir dar a este relato o nome de incidente histórico e não de parábola; em todo caso, a mensagem não seria modificada. Quanto ao seu significado, precisamos nos lembrar do seu contexto. Antes dela, encontramos a parábola do mordomo infiel que procura mostrar os benefícios da utilização prudente das vantagens e recursos do presente. O homem rico, ao invés de aproveitar suas oportunidades e recursos para fazer o bem na terra, fez da própria riqueza seu maior bem. Deste modo, a riqueza tornou-se o empecilho para uma fé viva em DEUS, e uma vida que seria uma bênção para os outros. Ele perdeu a chance de acumular tesouros no céu. Lázaro, entretanto, manteve a fé em DEUS durante seus anos na terra, e por isso foi recompensado na vida seguinte.
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Levítico - introdução e comentário - R.K.Harrinson - Série Cultura Bíblica - Sociedade Religiosa Edições Vida Nova - São Paulo - SP
Guia Básico de Interpretação da Bíblia - CPAD
Pequeno Atlas Bíblico - CPAD Hermenêutica Fácil e Descomplicada - CPAD