DONS ESPIRITUAIS PARA O CRENTE (Pr. Henrique)
1Co
12.7 “Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um para o
que for útil”.
PERSPECTIVA GERAL. Uma das maneiras do Espírito
Santo manifestar-se é através de uma variedade de dons espirituais concedidos
aos crentes (12.7-11). Essas manifestações do Espírito visam à edificação e à
santificação da igreja (12.7; ver 14.26 nota). Esses dons e ministérios não são
os mesmos de Rm 12.6-8
e Ef 4.11, mediante os
quais o crente recebe poder e capacidade para servir na igreja de modo mais
permanente. A lista em 12.8-10 não é completa. Os dons aí tratados podem operar
em conjunto, de diferentes maneiras.
As manifestações do Espírito dão-se de acordo
com a vontade do Espírito (12.11), ao surgir a necessidade, e também conforme o
anelo do crente na busca dos dons (12.31; 14.1).
Certos dons podem operar num crente de modo
regular, e um crente pode receber mais de um dom para atendimento de
necessidades específicas. O crente deve desejar “dons”, e não apenas um dom
(12.31; 14.1).
É antibíblico e insensato se pensar que quem
tem um dom de operação exteriorizada (mais visível) é mais espiritual do que
quem tem dons de operação mais interiorizada, i.e., menos visível. Também,
quando uma pessoa possui um dom espiritual, isso não significa que Deus aprova
tudo quanto ela faz ou ensina. Não se deve confundir dons do Espírito, com o
fruto do Espírito, o qual se relaciona mais diretamente com o caráter e a
santificação do crente (Gl 5.22,23).
Satanás pode imitar a manifestação dos dons do
Espírito, ou falsos crentes disfarçados como servos de Cristo podem fazer o
mesmo (Mt 7.21-23; 24.11, 24; 2Co 11.13-15; 2Ts 2.8-10). O crente
não deve dar crédito a qualquer manifestação espiritual, mas deve “provar se os
espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no
mundo” (1Jo 4.1; cf. 1Ts
5.20,21).
OS DONS ESPIRITUAIS. Em 1Co 12.8-10, o
apóstolo Paulo apresenta uma diversidade de dons que o Espírito Santo concede
aos crentes. Nesta passagem, ele não descreve as características desses dons,
mas noutros trechos das Escrituras temos ensino sobre os mesmos.
Dom da Palavra da Sabedoria (12.8). Trata-se de
uma mensagem vocal sábia, enunciada mediante a operação sobrenatural do
Espírito Santo. Tal mensagem aplica a revelação da Palavra de Deus ou a
sabedoria do Espírito Santo a uma situação ou problema específico (At 6.10;
15.13-22). Não se trata aqui da sabedoria comum de Deus, para o viver diário,
que se obtém pelo diligente estudo e meditação nas coisas de Deus e na sua
Palavra, e pela oração (Tg 1.5,6).
Dom da Palavra do Conhecimento (12.8). Trata-se
de uma mensagem vocal, inspirada pelo Espírito Santo, revelando conhecimento a
respeito de pessoas, de circunstâncias, ou de verdades
bíblicas. Frequentemente, este dom tem estreito
relacionamento com o de profecia (At 5.1-10; 1Co 14.24,25).
Dom da Fé (12.9). Não se trata da fé para
salvação, mas de uma fé sobrenatural especial, comunicada pelo Espírito Santo,
capacitando o crente a crer em Deus para a realização de coisas extraordinárias
e milagrosas. É a fé que remove montanhas (13.2) e que frequentemente opera em
conjunto com outras manifestações do Espírito, tais como as curas e os milagres
(ver Mt 17.20, nota sobre
a fé verdadeira; Mc 11.22-24; Lc
17.6).
Dons de Curas (12.9). Esses dons são concedidos
à igreja para a restauração da saúde física, por meios divinos e sobrenaturais
(Mt 4.23-25; 10.1; At 3.6-8; 4.30). O
plural (“dons”) indica curas de diferentes enfermidades e sugere que cada ato
de cura vem de um dom especial de Deus. Os dons de curas não são concedidos a
todos os membros do corpo de Cristo (cf. 12.11,30), todavia, todos eles podem
orar pelos enfermos. Havendo fé, os enfermos serão curados (ver o estudo A CURA
DIVINA). Pode também haver cura em obediência ao ensino bíblico de Tg 5.14-16 (ver Tg 5.15 notas).
Dom de Operação de Milagres (12.10). Trata-se
de atos sobrenaturais de poder, que intervêm nas leis da natureza. Incluem atos
divinos em que se manifesta o reino de Deus contra Satanás e os espíritos
malignos (ver Jo 6.2 nota;
ver o estudo O REINO DE DEUS).
Dom de Profecia (12.10). É preciso distinguir a
profecia aqui mencionada, como manifestação momentânea do Espírito da profecia
como dom ministerial na igreja, mencionado em Ef 4.11. Como dom de ministério,
a profecia é concedida a apenas alguns crentes, os quais servem na igreja como
ministros profetas (ver o estudo DONS MINISTERIAIS PARA A IGREJA). Como
manifestação do Espírito, a profecia está potencialmente disponível a todo
cristão cheio dEle (At 2.16-18).
Quanto à profecia, como manifestação do
Espírito, observe o seguinte: (a) Trata-se de um dom que capacita o crente a
transmitir uma palavra ou revelação diretamente de Deus, sob o impulso do
Espírito Santo (14.24,25, 29-31). Aqui, não se trata da entrega de sermão
previamente preparado.
Tanto no AT, como no NT, profetizar não é
primariamente predizer o futuro, mas proclamar a vontade de Deus e exortar e
levar o seu povo à retidão, à fidelidade e à paciência (14.3; ver o estudo O
PROFETA NO ANTIGO TESTAMENTO). (c) A mensagem profética pode desmascarar a
condição do coração de uma pessoa (14.25), ou prover edificação, exortação,
consolo, advertência e julgamento (14.3, 25,26, 31). (d) A igreja não deve ter
como infalível toda profecia deste tipo, porque muitos falsos profetas estarão
na igreja (1Jo 4.1). Daí,
toda profecia deve ser julgada quanto à sua autenticidade e conteúdo (14.29,
32; 1Ts 5.20,21). Ela deverá enquadrar-se na Palavra de Deus (1Jo 4.1), contribuir para a
santidade de vida dos ouvintes e ser transmitida por alguém que de fato vive
submisso e obediente a Cristo (12.3). (e) O dom de profecia manifesta-se
segundo a vontade de Deus e não a do homem. Não há no NT um só texto mostrando
que a igreja de então buscava revelação ou orientação através dos profetas. A
mensagem profética ocorria na igreja somente quando Deus tomava o profeta para
isso (12.11).
Dom de Discernimento de Espíritos (12.10).
Trata-se de uma dotação especial dada pelo Espírito, para o portador do dom
discernir e julgar corretamente as profecias e distinguir se uma mensagem
provém do Espírito Santo ou não (ver 14.29 nota; 1Jo 4.1). No fim dos tempos,
quando os falsos mestres (ver Mt
24.5 nota) e a distorção do cristianismo bíblico aumentarão muito (ver 1Tm 4.1 nota), esse dom
espiritual será extremamente importante para a igreja.
Dom de Variedades de Línguas (12.10). No
tocante às “línguas” (gr. glossa, que significa língua) como manifestação
sobrenatural do Espírito, notemos os seguintes fatos: (a) Essas línguas podem
ser humanas e vivas (At 2.4-6), ou uma língua desconhecida na terra, e.g.,
“línguas... dos anjos” (13.1; ver cap. 14 notas; ver também o estudo O FALAR EM
LÍNGUAS). A língua falada através deste dom não é aprendida, e quase sempre não
é entendida, tanto por quem fala (14.14), como pelos ouvintes (14.16). (b) O
falar noutras línguas como dom abrange o espírito do homem e o Espírito de
Deus, que entrando em mútua comunhão, faculta ao crente a comunicação direta com
Deus (i.e., na oração, no louvor, no bendizer e na ação de graças),
expressando-se através do espírito mais do que da mente (14.2, 14) e orando por
si mesmo ou pelo próximo sob a influência direta do Espírito Santo, à parte da
atividade da mente (cf. 14.2, 15, 28; Jd 20). (c) Línguas estranhas
faladas no culto devem ser seguidas de sua interpretação, também pelo Espírito,
para que a congregação conheça o conteúdo e o significado da mensagem (14.3,
27,28). Ela pode conter revelação, advertência, profecia ou ensino para a
igreja (cf. 14.6). (d) Deve haver ordem quanto ao falar em línguas em voz alta
durante o culto. Quem fala em línguas pelo Espírito, nunca fica em “êxtase” ou
“fora de controle” (14.27,28).
Dom de Interpretação de Línguas (12.10).
Trata-se da capacidade concedida pelo Espírito Santo, para o portador deste dom
compreender e transmitir o significado de uma mensagem dada em línguas. Tal
mensagem interpretada para a igreja reunida, pode conter ensino sobre a
adoração e a oração, ou pode ser uma profecia. Toda a congregação pode assim
desfrutar dessa revelação vinda do Espírito Santo. A interpretação de uma
mensagem em línguas pode ser um meio de edificação da congregação inteira, pois
toda ela recebe a mensagem (14.6, 13, 26). A interpretação pode vir através de
quem deu a mensagem em línguas, ou de outra pessoa. Quem fala em línguas deve
orar para que possa interpretá-las (14.13).
DONS MINISTERIAIS PARA A IGREJA
Ef
4.11 “E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros
para evangelistas, e outros para pastores e
doutores.”
O DOADOR. Este versículo alista os dons de
ministério (i.e., líderes espirituais dotados de dons) que Cristo deu à igreja.
Paulo declara que Ele deu esses dons (1) para preparar o povo de Deus ao
trabalho cristão (4.12) e (2) para o crescimento e desenvolvimento espirituais
do corpo de Cristo, segundo o plano de Deus (4.13-16; ver o estudo DONS
ESPIRITUAIS PARA O CRENTE).
APÓSTOLOS. O título “apóstolo” se aplica a
certos líderes cristãos no NT. O verbo apostello significa enviar alguém em
missão especial como mensageiro e representante pessoal de quem o envia. O
título é usado para Cristo (Hb
3.1), os doze discípulos escolhidos por Jesus (Mt 10.2), o apóstolo Paulo (Rm 1.1; 2Co 1.1; Gl 1.1) e outros (At 14.4,14; Rm 16.7; Gl 1.19; 2.8,9; 1Ts 2.6,7).
O termo “apóstolo” era usado no NT em sentido
geral, para um representante designado por uma igreja, como, por exemplo, os
primeiros missionários cristãos. Logo, no NT o termo se refere a um mensageiro nomeado
e enviado como missionário ou para alguma outra responsabilidade especial (ver
At 14.4,14; Rm 16.7; cf. 2Co 8.23; Fp 2.25). Eram homens de
reconhecida e destacada liderança espiritual, ungidos com poder para
defrontar-se com os poderes das trevas e confirmar o Evangelho com milagres.
Cuidavam do estabelecimento de igrejas segundo a verdade e pureza apostólicas.
Eram servos itinerantes que arriscavam suas vidas em favor do nome de nosso
Senhor Jesus Cristo e da propagação do evangelho (At 11.21-26; 13.50; 14.19-22;
15.25,26). Eram homens de fé e de oração, cheios do Espírito (ver At 11.23-25;
13.2-5,46-52; 14.1-7,21-23).
Apóstolos, no sentido geral, continuam sendo
essenciais para o propósito de Deus na igreja. Se as igrejas cessarem de enviar
pessoas assim, cheias do Espírito Santo, a propagação do evangelho em todo o
mundo ficará estagnada. Por outro lado, enquanto a igreja produzir e enviar
tais pessoas, cumprirá a sua tarefa missionária e permanecerá fiel à grande
comissão do Senhor (Mt
28.18-20).
O termo “apóstolo” também é usado no NT em
sentido especial, em referência àqueles que viram Jesus após a sua ressurreição
e que foram pessoalmente comissionados por Ele a pregar o evangelho e
estabelecer a igreja (e.g., os doze discípulos e Paulo). Tinham autoridade
ímpar na igreja, no tocante à revelação divina e à mensagem original do
evangelho, como ninguém mais até hoje (ver
nota). O ministério de apóstolo nesse sentido
restrito é exclusivo, e dele não há repetição. Os apóstolos originais do NT não
têm sucessores (ver 1Co 15.8 nota).
PROFETAS. Os profetas eram homens que falavam
sob o impulso direto do Espírito Santo, e cuja motivação e interesse principais
eram a vida espiritual e pureza da igreja. Sob o novo concerto,
foram levantados pelo Espírito Santo e
revestidos pelo seu poder para trazerem uma mensagem da parte de Deus ao seu
povo (At 2.17; 4.8; 21.4).
O ministério profético do AT ajuda-nos a
compreender o do NT. A missão principal dos profetas do AT era transmitir a
mensagem divina através do Espírito, para encorajar o povo de Deus a permanecer
fiel, conforme os preceitos da antiga aliança. Às vezes eles também prediziam o
futuro conforme o Espírito lhes revelava. Cristo e os apóstolos são um exemplo
do ideal do AT (At 3.22,23; 13.1,2).
A função do profeta na igreja incluía o
seguinte: (a) Proclamava e interpretava, cheio do Espírito Santo, a Palavra de
Deus, por chamada divina. Sua mensagem visava admoestar, exortar, animar,
consolar e edificar (At 2.14-36; 3.12-26; 1Co 12.10; 14.3). (b) Devia exercer o dom
de profecia. (c) Às vezes, ele era vidente (cf. 1Cr 29.29), predizendo o futuro
(At 11.28; 21.10,11). (d) Era dever do profeta do NT, assim como para o do AT,
desmascarar o pecado, proclamar a justiça, advertir do juízo vindouro e
combater o mundanismo e frieza espiritual entre o povo de Deus (Lc 1.14-17). Por causa
da sua mensagem de justiça, o profeta pode esperar ser rejeitado por muitos nas
igrejas, em tempos de mornidão e apostasia.
O caráter, a solicitude espiritual, o desejo e
a capacidade do profeta incluem: (a) zelo pela pureza da igreja (Jo 17.15-17; 1Co 6.9-11; Gl 5.22-25); (b)
profunda sensibilidade diante do mal e a capacidade de identificar e detestar a
iniquidade (Rm 12.9; Hb 1.9); (c) profunda
compreensão do perigo dos falsos ensinos (Mt 7.15; 24.11,24; Gl 1.9; 2Co 11.12-15); (d)
dependência contínua da Palavra de Deus para validar sua mensagem (Lc 4.17-19; 1Co 15.3,4; 2Tm 3.16; 1Pe 4.11); (e) interesse pelo
sucesso espiritual do reino de Deus e identificação com os sentimentos de Deus
(cf.
Mt 21.11-13; 23.37; Lc 13.34; Jo 2.14-17; At
20.27-31).
A mensagem do profeta atual não deve ser
considerada infalível. Ela está sujeita ao julgamento da igreja, doutros
profetas e da Palavra de Deus. A congregação tem o dever de discernir e julgar
o conteúdo da mensagem profética, se ela é de Deus (1Co 14.29-33; 1Jo 4.1).
Os profetas continuam sendo imprescindíveis ao
propósito de Deus para a igreja. A igreja que rejeitar os profetas de Deus
caminhará para a decadência, desviando-se para o mundanismo e o liberalismo
quanto aos ensinos da Bíblia (1Co
14.3; cf. Mt
23.31-38; Lc 11.49; At
7.51,52). Se ao profeta não for permitido trazer a mensagem de repreensão e de
advertência denunciando o pecado e a injustiça (Jo 16.8-11), então a
igreja já não será o lugar onde se possa ouvir a voz do Espírito. A política
eclesiástica e a direção humana tomarão o lugar do Espírito (2Tm 3.1-9; 4.3-5; 2Pe
3,12-22). Por outro lado, a igreja com os seus
dirigentes, tendo a mensagem dos profetas de Deus, será impulsionada à
renovação espiritual. O pecado será abandonado, a presença e a santidade do
Espírito serão evidentes entre os fiéis (1Co 14.3; 1Ts 5.19-21; Ap 3.20-22).
EVANGELISTAS. No NT, evangelistas eram homens
de Deus, capacitados e comissionados por Deus para anunciar o evangelho, i.e.,
as boas novas da salvação aos perdidos e ajudar a estabelecer uma nova obra
numa localidade. A proclamação do evangelho reúne em si a oferta e o poder da
salvação (Rm 1.16).
Filipe, o “evangelista” (At 21.8), claramente
retrata a obra deste ministério, segundo o padrão do
NT. (a) Filipe pregou o evangelho de Cristo (At
8.4,5,35). (b) Muitos foram salvos e batizados em água (At 8.6,12). (c) Sinais,
milagres, curas e libertação de espíritos malignos acompanhavam as suas
pregações (At 8.6,7,13). (d) Os novos convertidos recebiam a plenitude do
Espírito Santo (At
17).
O evangelista é essencial no propósito de Deus
para a igreja. A igreja que deixar de apoiar e promover o ministério de
evangelista cessará de ganhar convertidos segundo o desejo de Deus. Tornar-se-á
uma igreja estática, sem crescimento e indiferente à obra missionária. A igreja
que reconhece o dom espiritual de evangelista e tem amor intenso pelos
perdidos, proclamará a mensagem da salvação com poder convincente e redentor
(At 2.14-41).
PASTORES. Os pastores são aqueles que dirigem a
congregação local e cuidam das suas necessidades espirituais. Também são
chamados “presbíteros” (At 20.17; Tt
1.5) e “bispos” ou supervisores (1Tm 3.1; Tt 1.7).
A tarefa do pastor é cuidar da sã doutrina,
refutar a heresia (Tt
1.9-11), ensinar a Palavra de Deus e exercer a direção da igreja local (1Ts 5.12; 1Tm 3.1-5), ser um
exemplo da pureza e da sã doutrina (Tt 2.7,8), e esforçar-se no sentido de
que todos os crentes permaneçam na graça divina (Hb 12.15; 13.17; 1Pe 5.2). Sua tarefa é assim
descrita em At 20.28-31: salvaguardar a verdade apostólica e o rebanho de Deus
contra as falsas doutrinas e os falsos mestres que surgem dentro da igreja (ver
o estudo OS PASTORES E SEUS DEVERES). Pastores são ministros que cuidam do
rebanho, tendo como modelo Jesus, o Bom Pastor (Jo 10.11-16; 1Pe 2.25; 5.2-4).
Segundo o NT, uma igreja local era dirigida por
um grupo de pastores (At 20.28; Fp
1.1). Os pastores eram escolhidos, não por política, mas segundo a
sabedoria do Espírito concedida à igreja enquanto eram examinadas as
qualificações espirituais do candidato (ver o estudo QUALIFICAÇÕES MORAIS DO
PASTOR).
O pastor é essencial ao propósito de Deus para
sua igreja. A igreja que deixar de selecionar pastores piedosos e fiéis não
será pastoreada segundo a mente do Espírito (ver 1Tm 3.1-7). Será uma
igreja vulnerável às forças destrutivas de Satanás e do mundo (ver At
20.28-31). Haverá distorção da Palavra de Deus, e os padrões do evangelho serão
abandonados (2Tm 1.13,14). Membros da igreja e seus
familiares não serão doutrinados conforme o propósito de Deus (1Tm
16; 6.20,21).
Muitos se desviarão da verdade e se voltarão às fábulas (2Tm 4.4). Se, por outro lado,
os pastores forem piedosos, os crentes serão nutridos com as palavras da fé e
da sã doutrina, e também disciplinados segundo o propósito da piedade (1Tm 4.6,7).
DOUTORES OU MESTRES. Os mestres são aqueles que
têm de Deus um dom especial para esclarecer, expor e proclamar a Palavra de
Deus, a fim de edificar o corpo de Cristo (4.12).
A missão dos mestres bíblicos é defender e
preservar, mediante a ajuda do Espírito Santo, o evangelho que lhes foi
confiado (2Tm 1.11-14).
Têm o dever de fielmente conduzir a igreja à revelação bíblica e à mensagem
original de Cristo e dos apóstolos, e nisto perseverar.
O propósito principal do ensino bíblico é
preservar a verdade e produzir santidade, levando o corpo de Cristo a um
compromisso inarredável com o modo piedoso de vida segundo a Palavra de Deus.
As Escrituras declaram em 1 Tm
1.5 que o alvo da instrução cristã (literalmente “mandamento”) é a
“caridade de um coração puro, e de uma boa consciência, e de uma fé não
fingida” (1Tm 1.5). Logo, a evidência da
aprendizagem cristã não é simplesmente aquilo que a pessoa sabe, mas como ela
vive, i.e., a manifestação, na sua vida, do amor, da pureza, da fé e da piedade
sincera.
Os mestres são essenciais ao propósito de Deus
para a igreja. A igreja que rejeita, ou se descuida do ensino dos mestres e
teólogos consagrados e fiéis à revelação bíblica, não se preocupará pela
autenticidade e qualidade da mensagem bíblica nem pela interpretação correta
dos ensinos bíblicos.
A igreja onde mestres e teólogos estão calados
não terá firmeza na verdade. Tal igreja aceitará inovações doutrinárias sem
objeção; e nela, as práticas religiosas e idéias humanas serão de fato o guia
no que tange à doutrina, padrões e práticas dessa igreja, quando deveria ser a
verdade bíblica. Por outro lado, a igreja que acata os mestres e teólogos
piedosos e aprovados terá seus ensinos, trabalhos e práticas regidos pelos
princípios originais e fundamentais do evangelho. Princípios e práticas falsos
serão desmascarados, e a pureza da mensagem original de Cristo será conhecida
de seus membros. A inspirada Palavra de Deus deve ser o teste de todo ensino, ideia
e prática da igreja. Assim sendo, a igreja verá que a Palavra inspirada de Deus
é a suprema autoridade, e, por isso, está acima das igrejas e suas
instituições.
QUALIFICAÇÕES MORAIS DO PASTOR
1Tm
3.1,2 “Esta é uma
palavra fiel: Se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja. Convém,
pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio,
honesto, hospitaleiro, apto
para ensinar.”
Se algum homem deseja ser “bispo” (gr.
episkopos, i.e., aquele que tem sobre si a responsabilidade pastoral, o
pastor), deseja um encargo nobre e importante (3.1). É necessário, porém, que
essa aspiração seja confirmada pela Palavra de Deus (3.1-10; 4.12) e pela
igreja (3.10), porque Deus estabeleceu para a igreja certos requisitos
específicos. Quem se disser chamado por Deus para o trabalho pastoral deve ser
aprovado pela igreja segundo os padrões bíblicos de 3.1-13; 4.12; Tt 1.5-9 (ver
o estudo DONS MINISTERIAIS PARA A IGREJA). Isso significa que a igreja não deve
aceitar pessoa alguma para a obra ministerial tendo por base apenas seu desejo,
sua escolaridade, sua espiritualidade, ou porque essa pessoa acha que tem visão
ou chamada. A igreja da atualidade não tem o direito de reduzir esses preceitos
que Deus estabeleceu mediante o Espírito Santo. Eles estão plenamente em vigor
e devem ser observados por amor ao nome de Deus, ao seu reino e da honra e
credibilidade da elevada posição de ministro.
Os padrões bíblicos do pastor, como vemos aqui,
são principalmente morais e espirituais. O caráter íntegro de quem aspira ser
pastor de uma igreja é mais importante do que personalidade influente, dotes de
pregação, capacidade administrativa ou graus acadêmicos. O enfoque das
qualificações ministeriais concentra-se no comportamento daquele que persevera
na sabedoria divina, nas decisões acertadas e na santidade devida. Os que
aspiram ao pastorado sejam primeiro provados quanto à sua trajetória espiritual
(cf. 3.10). Partindo daí, o Espírito Santo estabelece o elevado padrão para o
candidato, i.e., que ele precisa ser um crente que se tenha mantido firme e
fiel a Jesus Cristo e aos seus princípios de retidão, e que por isso pode
servir como exemplo de fidelidade, veracidade, honestidade e pureza. Noutras
palavras, seu caráter deve demonstrar o ensino de Cristo em Mt 25.21 de que ser “fiel
sobre o pouco” conduz à posição de governar “sobre o muito”.
O líder cristão deve ser, antes de mais nada,
“exemplo dos fiéis” (4.12; cf. 1Pe
5.3). Isto é: sua vida cristã e sua perseverança na fé podem ser
mencionadas perante a congregação como dignas de imitação.
Os dirigentes devem manifestar o mais digno
exemplo de perseverança na piedade, fidelidade, pureza em face à tentação,
lealdade e amor a Cristo e ao evangelho (4.12,15).
O povo de Deus deve aprender a ética cristã e a
verdadeira piedade, não somente pela Palavra de Deus, mas também pelo exemplo
dos pastores que vivem conforme os padrões bíblicos. O pastor deve ser alguém
cuja fidelidade a Cristo pode ser tomada como padrão ou exemplo (cf. 1Co 11.1;
Fp 3.17; 1Ts 1.6; 2Ts 3.7,9; 2Tm 1.13).
O Espírito Santo acentua grandemente a
liderança do crente no lar, no casamento e na família (32,4,5; Tt 1.6). Isto é: o obreiro deve
ser um exemplo para a família de Deus, especialmente na sua fidelidade à esposa
e aos filhos. Se aqui ele falhar, como “terá cuidado da igreja de Deus?” (3.5).
Ele deve ser “marido de uma [só] mulher” (3.2). Esta expressão denota que o
candidato ao ministério pastoral deve ser um crente que foi sempre fiel à sua
esposa. A tradução literal do grego em 3.2 (mias gunaikos, um genitivo
atributivo) é “homem de uma única mulher”, i.e., um marido sempre fiel à sua
esposa.
Consequentemente, quem na igreja comete graves
pecados morais, desqualifica-se para o exercício pastoral e para qualquer
posição de liderança na igreja local (cf. 3.8-12). Tais pessoas podem ser
plenamente perdoadas pela graça de Deus, mas perderam a condição de servir como
exemplo de perseverança inabalável na fé, no amor e na pureza (4.11-16; Tt 1.9). Já no AT, Deus
expressamente requereu que os dirigentes do seu povo fossem homens de elevados
padrões morais e espirituais. Se falhassem, seriam substituídos (ver Gn 49.4 nota; Lv 10.2 nota; 21.7,17 notas; Nm 20.12 nota; 1Sm 2.23 nota; Jr 23.14 nota; 29.23 nota).
A Palavra de Deus declara a respeito do crente
que venha a adulterar que “o seu opróbrio nunca se apagará” (Pv 6.32,33). Isto é, sua vergonha não
desaparecerá. Isso não significa que nem Deus nem a igreja perdoará tal pessoa.
Deus realmente perdoa qualquer pecado enumerado em 3.1-13, se houver tristeza
segundo Deus e arrependimento por parte da pessoa que cometeu tal pecado. O que
o Espírito Santo está declarando, porém, é que há certos pecados que são tão
graves que a vergonha e a ignomínia (i.e., o opróbrio) daquele pecado
permanecerão com o indivíduo mesmo depois do perdão (cf. 2Sm 12.9-14).
Mas o que dizer do rei Davi? Sua continuação
como rei de Israel, a despeito do seu pecado de adultério e de homicídio (2Sm 11.1-21; 12.9-15) é vista por
alguns como uma justificativa bíblica para a pessoa continuar à frente da
igreja de Deus, mesmo tendo violado os padrões já mencionados. Essa comparação,
no entanto, é falha por vários motivos.
O cargo de rei de Israel do AT, e o cargo de
ministro espiritual da igreja de Jesus Cristo, segundo o NT, são duas coisas
inteiramente diferentes. Deus não somente permitiu a Davi, mas, também a muitos
outros reis que foram extremamente ímpios e perversos, permanecerem como reis
da nação de Israel. A liderança espiritual da igreja do NT, sendo esta comprada
com o sangue de Jesus Cristo, requer padrões espirituais muito mais altos.
Segundo a revelação divina no NT e os padrões
do ministério ali exigidos, Davi não teria as qualificações para o cargo de
pastor de uma igreja do NT. Ele teve diversas esposas, praticou infidelidade
conjugal, falhou grandemente no governo do seu próprio lar, tornou-se homicida
e derramou muito sangue (1Cr 22.8; 28.3). Observe-se também que por ter Davi,
devido ao seu pecado, dado lugar a que os inimigos de Deus blasfemassem, ele
sofreu castigo divino pelo resto da sua vida (2Sm 12.9-14).
As igrejas atuais não devem, pois, desprezar as
qualificações justas exigidas por Deus para seus pastores e demais obreiros,
conforme está escrito na revelação divina. É dever de toda igreja orar por seus
pastores, assisti-los e sustentá-los na sua missão de servirem como “exemplo
dos fiéis, na palavra, no trato, na caridade, no espírito, na fé, na pureza” (4.12).
OS PASTORES E SEUS DEVERES
At 20.28 “Olhai, pois, por vós e por todo o
rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a
igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue.”
Nenhuma igreja poderá funcionar sem dirigentes
para dela cuidar. Logo, conforme 14.23, a congregação local, cheia do Espírito,
buscando a direção de Deus em oração e jejum, elegiam certos irmãos para o
cargo de presbítero ou bispo de acordo com as qualificações espirituais
estabelecidas pelo Espírito Santo em 1Tm 3.1-7; Tt 1.5-9 (ver o estudo
QUALIFICAÇÕES MORAIS DO PASTOR). Na realidade é o Espírito que constitui o
dirigente de igreja. O discurso de Paulo diante dos presbíteros de Éfeso
(20.17-35) é um trecho básico quanto a princípios bíblicos sobre o exercício do
ministério de pastor de uma igreja local.
PROPAGANDO A FÉ. (1) Um dos deveres principais
do dirigente é alimentar as ovelhas mediante o ensino da Palavra de Deus. Ele
deve ter sempre em mente que o rebanho que lhe foi entregue é a congregação de
Deus, que Ele comprou para si com o sangue precioso do seu Filho amado (cf.
20.28; 1Co 6.20; 1Pe 1.18,19; Ap 5.9). (2) Em 20.19-27, Paulo
descreve de que maneira serviu como pastor da igreja de Éfeso; tornou patente
toda a vontade de Deus, advertindo e ensinando fielmente os cristãos efésios
(20.27). Daí, ele poder exclamar: “estou limpo do sangue de todos” (20.26; ver
nota). Os pastores de nossos dias também devem instruir suas igrejas em todo o
desígnio de Deus. Que “pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo,
redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina” (2Tm 4.2) e nunca ministrar para
agradar os ouvintes, dizendo apenas aquilo que estes desejam ouvir (2Tm 4.3).
GUARDANDO A FÉ. Além de alimentar o rebanho de
Deus, o verdadeiro pastor deve diligentemente resguardá-lo de seus inimigos.
Paulo sabe que no futuro Satanás levantará falsos mestres dentro da própria
igreja, e, também, falsários vindos de fora, infiltrar-se-ão e atingirão o
rebanho com doutrinas antibíblicas, conceitos mundanos e idéias pagãs e
humanistas. Os ensinos e a influência destes dois tipos de elementos arruinarão
a fé bíblica do povo de Deus (ver o estudo FALSOS MESTRES). Paulo os chama de
“lobos cruéis”, indicando que são fortes, difíceis de subjugar, insaciáveis e
perigosos (ver 20.29 nota; cf. Mt
10.16). Tais indivíduos desviarão as pessoas dos ensinos de Cristo e os
atrairão a si mesmos e ao seu evangelho distorcido. O apelo veemente de Paulo
(20.28-31) impõe uma solene obrigação sobre todos os obreiros da igreja, no
sentido de defendê-la e opôr-se aos que distorcem a revelação original e
fundamental da fé, segundo o NT.
A igreja verdadeira consiste somente daqueles
que, pela graça de Deus e pela comunhão do Espírito Santo, são fiéis ao Senhor
Jesus Cristo e à Palavra de Deus (ver o estudo A INSPIRAÇÃO
E A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS). Por isso, é de
grande importância na preservação da pureza da igreja de Deus que os seus
pastores mantenham a disciplina corretiva com amor (Ef 4.15), e reprovem com
firmeza (2Tm 4.1-4; Tt 1.9-11) quem na
igreja fale coisas perversas contrárias à Palavra de Deus e ao testemunho
apostólico (20.30).
Líderes eclesiásticos, pastores de igrejas
locais e dirigentes administrativos da obra devem lembrar-se de que o Senhor
Jesus os têm como responsáveis pelo sangue de todos os que estão sob seus
cuidados (20.26,27; cf. Ez 3.20,21). Se o dirigente deixar de
ensinar e pôr em prática todo o conselho de Deus para a igreja (20.27),
principalmente quanto à vigilância sobre o rebanho (20.28), não estará “limpo
do sangue de todos” (20.26, ver nota; cf. Ez 34.1-10). Deus o
terá por culpado do sangue dos que se perderem, por ter ele deixado de proteger
o rebanho contra os falsificadores da Palavra (ver também 2Tm 1.14 nota; Ap 2.2 nota).
É altamente importante que os responsáveis pela
direção da igreja mantenham a ordem quanto a assuntos teológicos doutrinários e
morais na mesma. A pureza da doutrina bíblica e de vida cristã deve ser
zelosamente mantida nas faculdades evangélicas, institutos bíblicos,
seminários, editoras e demais segmentos administrativos da igreja (2Tm 1.13,14).
A questão principal aqui é nossa atitude para
com as Escrituras divinamente inspiradas, que Paulo chama a “palavra da sua
graça” (20.32). Falsos mestres, pastores e líderes tentarão enfraquecer a
autoridade da Bíblia através de seus ensinos corrompidos e princípios
antibíblicos. Ao rejeitarem a autoridade absoluta da Palavra de Deus, negam que
a Bíblia é verdadeira e fidedigna em tudo que ela ensina (20.28-31; ver Gl 1.6 nota; 1Tm 4.1; 2Tm 3.8). A bem da igreja de
Deus, tais pessoas devem ser excluídas da comunhão (2Jo 9-11; ver Gl 1.9 nota).
A igreja que perde o zelo ardente do Espírito
Santo pela sua pureza (20.18-35), que se recusa a tomar posição firme em prol
da verdade e que se omite em disciplinar os que minam a autoridade da Palavra
de Deus, logo deixará de existir como igreja neotestamentária (ver 12.5 nota;
ver o estudo A IGREJA).
Ml
3.10 “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento
na minha casa, e depois fazei prova de mim, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu
não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós uma bênção tal, que
dela vos advenha a maior
abstança.”
DEFINIÇÃO DE DÍZIMOS E OFERTAS. A palavra
hebraica para “dízimo” (ma’aser) significa literalmente “a décima parte”.
Na Lei de Deus, os israelitas tinham a obrigação
de entregar a décima parte das crias dos animais domésticos, dos produtos da
terra e de outras rendas como reconhecimento e gratidão pelas bênçãos divinas
(ver Lv 27.30-32; Nm 18.21,26; Dt 14.22-29; ver Lv 27.30 nota). O dízimo era
usado primariamente para cobrir as despesas do culto e o sustento dos sacerdotes.
Deus considerava o seu povo responsável pelo manejo dos recursos que Ele lhes
dera na terra prometida (cf. Mt
25.15 nota; Lc 19.13
nota).
No âmago do dízimo, achava-se a idéia de que
Deus é o dono de tudo (Êx 19.5;
Sl 24.1; 50.10-12; Ag 2.8). Os seres humanos foram
criados por Ele, e a Ele devem o fôlego de vida (Gn 1.26,27; At 17.28). Sendo assim,
ninguém possui nada que não haja recebido originalmente do Senhor (Jó 1.21; Jo 3.27; 1Co 4.7). Nas leis sobre o
dízimo, Deus estava simplesmente ordenando que os seus lhe devolvessem parte
daquilo que Ele já lhes tinha dado.
Além dos dízimos, os israelitas eram instruídos
a trazer numerosas oferendas ao Senhor, principalmente na forma de sacrifícios.
Levítico descreve várias oferendas rituais: o holocausto (Lv 1; 6.8-13), a oferta de
manjares (Lv 2; 6.14-23), a oferta
pacífica (Lv 3; 7.11-21), a oferta pelo
pecado (Lv 4.1—5.13; 6.24-30), e a oferta
pela culpa (Lv 5.14—6.7;
7.1-10).
Além das ofertas prescritas, os israelitas
podiam apresentar outras ofertas voluntárias ao Senhor. Algumas destas eram
repetidas em tempos determinados (ver Lv 22.18-23; Nm 15.3; Dt 12.6,17), ao passo que outras eram
ocasionais. Quando, por exemplo, os israelitas empreenderam a construção do
Tabernáculo no monte Sinai, trouxeram liberalmente suas oferendas para a
fabricação da tenda e de seus móveis (ver Êx 35.20-29). Ficaram
tão entusiasmados com o empreendimento, que Moisés teve de ordenar-lhes que
cessassem as oferendas (Êx
36.3-7). Nos tempos de Joás, o sumo sacerdote Joiada fez um cofre para os
israelitas lançarem as ofertas voluntárias a fim de custear os consertos do
templo, e todos contribuíram com generosidade (2Rs 12.9,10). Semelhantemente, nos
tempos de Ezequias, o povo contribuiu generosamente às obras da reconstrução do
templo (2Cr 31.5-19).
Houve ocasiões na história do AT em que o povo
de Deus reteve egoisticamente o dinheiro, não repassando os dízimos e ofertas
regulares ao Senhor. Durante a reconstrução do segundo templo, os judeus pareciam
mais interessados na construção de suas propriedades, por causa dos lucros
imediatos que lhes trariam, do que nos reparos da Casa de Deus que se achava em
ruínas. Por causa disto, alertou-lhes Ageu, muitos deles estavam sofrendo
reveses financeiros (Ag
1.3-6). Coisa semelhante acontecia nos tempos do profeta Malaquias e, mais
uma vez, Deus castigou seu povo por se recusar a trazer-lhe o dízimo (Ml 3.9-12).
A ADMINISTRAÇÃO DO NOSSO DINHEIRO Os exemplos
dos dízimos e ofertas no AT contêm princípios importantes a respeito da
mordomia do dinheiro, que são válidos para os crentes do NT.
Devemos lembrar-nos que tudo quanto possuímos
pertence a Deus, de modo que aquilo que temos não é nosso: é algo que nos
confiou aos cuidados. Não temos nenhum domínio sobre as nossas posses.
Devemos decidir, pois, de todo o coração,
servir a Deus, e não ao dinheiro (Mt 6.19-24; 2Co
. A Bíblia deixa claro que a cobiça é uma forma
de idolatria (Cl 3.5).
Nossas contribuições devem ser para a promoção
do reino de Deus, especialmente para a obra da igreja local e a disseminação do
evangelho pelo mundo (1Co
9.4-14; Fp 4.15-18;
1Tm 5.17,18), para ajudar aos
necessitados (Pv 19.17; Gl 2.10; 2Co 8.14; 9.2; ver o estudo O CUIDADO DOS
POBRES E NECESSITADOS), para acumular tesouros no céu (Mt 6.20; Lc 6.32-35) e para
aprender a temer ao Senhor (Dt
14.22,23).
Nossas contribuições devem ser proporcionais à
nossa renda. No AT, o dízimo era calculado em uma décima parte. Dar menos que
isto era desobediência a Deus. Aliás equivalia a roubá-lo (Ml 3.8-10).
Semelhantemente, o NT requer que as nossas contribuições sejam proporcionais
àquilo que Deus nos tem dado (1Co
16.2; 2Co 8.3,12; ver 2Co 8.2 nota).
Nossas contribuições devem ser voluntárias e
generosas, pois assim é ensinado tanto no AT (ver Êx 25.1,2; 2Cr 24.8-11) quanto no NT
(ver 2Co 8.1-5,11,12). Não devemos hesitar em
contribuir de modo sacrificial (2Co
8:3), pois foi com tal espírito que o Senhor Jesus entregou-se por nós (ver 2Co 8.9 nota). Para Deus, o
sacrifício envolvido é muito mais importante do que o valor monetário da dádiva
(ver Lc 21.1-4
nota).
Nossas contribuições devem ser dadas com
alegria (2Co 9.7). Tanto o
exemplo dos israelitas no AT (Êx 35.21-29; 2Cr
24.10) quanto o dos cristãos macedônios do NT (2Co 8.1-5) servem-nos de
modelos.
Deus tem prometido recompensar-nos de
conformidade com o que lhe temos dado (ver Dt 15.4; Ml 3.10-12; Mt 19.21; 1Tm 6.19; ver 2Co 9.6 nota).
O CUIDADO DOS POBRES E
NECESSITADOS
Am 5.12-14 “Porque sei
que são muitas as vossas transgressões e enormes os vossos pecados; afligis o
justo, tomais resgate e rejeitais os necessitados na porta. Portanto, o que for
prudente guardará silêncio naquele tempo, porque o tempo será mau. Buscai o bem
e não o mal, para que vivais; e assim o Senhor, o Deus dos Exércitos, estará
convosco, como dizeis.”
Neste mundo, onde há tanto ricos quanto pobres,
frequentemente os que têm abastança material tiram proveito dos que nada têm,
explorando-os para que os seus lucros aumentem continuamente (ver Sl 10.2, 9,10; Is 3.14,15; Jr 2.34; Am 2.6,7; 5.12,13; Tg 2.6). A Bíblia tem muito a
dizer a respeito de como os crentes devem tratar os pobres e necessitados.
O ZELO DE DEUS PELOS POBRES E NECESSITADOS.
Deus tem expressado de várias maneiras seu grande zelo pelos pobres,
necessitados e oprimidos. (1) O Senhor Deus é o seu defensor. Ele mesmo revela
ser deles o refúgio (Sl 14.6;
Is 25.4), o socorro (Sl 40.17; 70.5; Is 41.14), o libertador (1Sm 2.8; Sl 12.5; 34.6; 113.7; 35.10; cf. Lc 1.52,53) e provedor (cf. Sl 10.14; 68.10; 132.15). (2) Ao revelar a
sua Lei aos israelitas, mostrou-lhes também várias maneiras de se eliminar a
pobreza do meio do povo (ver Dt 15.7-11 nota).
Declarou-lhes, em seguida, o seu alvo global: “Somente para que entre ti não
haja pobre; pois o SENHOR abundantemente te abençoará na terra que o SENHOR,
teu Deus, te dará por herança, para a possuíres” (Dt 15.4). Por isso Deus, na sua
Lei, proíbe a cobrança de juros nos empréstimos aos pobres (Êx 22.25; Lv 25.35,36). Se o pobre entregasse
algo como “penhor”, ou garantia pelo empréstimo, o credor era obrigado a
devolver-lhe o penhor (uma capa ou algo assim) antes do pôr-do-sol. Se o pobre
era contratado a prestar serviços ao rico, este era obrigado a pagar-lhe
diariamente, para que ele pudesse comprar alimentos a si mesmo e à sua família
(Dt 24.14,15). Durante a estação da
colheita, os grãos que caíssem deviam ser deixados no chão para que os pobres
os recolhessem (Lv 19.10; Dt 24.19-21); e mais:
os cantos das searas de trigo, especificamente, deviam ser deixados aos pobres
(Lv 19.9). Notável era o
mandamento divino de se cancelar, a cada sete anos, todas as dívidas dos pobres
(Dt
6). Além disso, o homem de posses não podia
recusar-se a emprestar algo ao necessitado, simplesmente por estar próximo o
sétimo ano (Dt 15.7-11).
Deus, além de prover o ano para o cancelamento das dívidas, proveu ainda o ano
para a devolução de propriedades — o Ano do Jubileu, que ocorria a cada
cinqüenta anos. Todas as terras que tivessem mudado de dono desde o Ano do
Jubileu anterior teriam de ser devolvidas à família originária (ver Lv 25.8-55). E, mais
importante de tudo: a justiça haveria de ser imparcial. Nem os ricos nem os
pobres poderiam receber qualquer favoritismo (Êx 23.2,3,6; Dt 1.17; cf. Pv 31.9). Desta maneira, Deus
impedia que os pobres fossem explorados pelos ricos, e garantia um tratamento
justo aos necessitados (ver Dt
24.14 nota).
Infelizmente, os israelitas nem sempre
observavam tais leis. Muitos ricos tiravam vantagens dos pobres,
aumentando-lhes a desgraça. Em conseqüência de tais ações, o Senhor proferiu,
através dos profetas, palavras severas de juízo contra os ricos (ver Is 1.21-25; Jr 17.11; Am 4.1-3; 5.11-13; Mq
A RESPONSABILIDADE DO CRENTE NEOTESTAMENTÁRIO
DIANTE DOS POBRES E NECESSITADOS. No NT, Deus também ordena a seu povo que
evidencie profunda solicitude pelos pobres e necessitados, especialmente pelos
domésticos na fé.
Boa parte do ministério de Jesus foi dedicado
aos pobres e desprivilegiados na sociedade judaica. Dos oprimidos,
necessitados, samaritanos, leprosos e viúvas, ninguém mais se importava a não
ser Jesus (cf. Lc 4.18,19; 21.1-4; Lc 17.11-19; Jo 4.1-42; Mt 8.2-4; Lc 17.11-19; Lc 7.11-15; 20.45-47). Ele
condenava duramente os que se apegavam às possessões terrenas, e
desconsideravam os pobres (Mc 10.17-25; Lc 6.24,25; 12.16-20; 16.13-15,19-31; ver o estudo
RIQUEZA E POBREZA).
Jesus espera que seu povo contribua
generosamente com os necessitados (ver Mt 6.1-4). Ele próprio
praticava o que ensinava, pois levava uma bolsa da qual tirava dinheiro para
dar aos pobres (ver Jo 12.5,6; 13.29). Em mais de uma
ocasião, ensinou aos que o queriam seguir a se importarem com os marginalizados
econômica e socialmente (Mt
19.21; Lc 12.33; 14.12-14,16-24; 18.22). As contribuições não
eram consideradas opcionais. Uma das exigências de Cristo para se entrar no seu
reino eterno é mostrar-se generoso para com os irmãos e irmãs que passam fome e
sede, e acham-se nus (Mt
25.31-46).
O apóstolo Paulo e a igreja primitiva
demonstravam igualmente profunda solicitude pelos necessitados. Bem cedo, Paulo
e Barnabé, representando a igreja em Antioquia da Síria, levaram a Jerusalém
uma oferta aos irmãos carentes da Judéia (At 11.28-30). Quando o concílio
reuniu-se em Jerusalém, os anciãos recusaram-se a declarar a circuncisão como
necessária à salvação, mas sugeriram a Paulo e aos seus companheiros “que nos
lembrássemos dos pobres, o que também procurei fazer com diligência” (Gl 2.10). Um dos alvos de sua
terceira viagem missionária foi coletar dinheiro “para os pobres dentre os
santos que estão em Jerusalém” (Rm
15.26). Ensinava as igrejas na Galácia e em Corinto a contribuir para esta
causa (1Co 16.1-4).
Como a igreja em Corinto não contribuisse conforme se esperava, o apóstolo
exortou demoradamente aos seus membros a respeito da ajuda aos pobres e
necessitados (2Co 8;9). Elogiou as igrejas na
Macedônia por lhe terem rogado urgentemente que lhes deixasse participar da
coleta (2Co 8.1-4; 9.2). Paulo tinha em grande
estima o ato de contribuir. Na epístola aos Romanos, ele arrola, como dom do
Espírito Santo, a capacidade de se contribuir com generosidade às necessidades
da obra de Deus e de seu povo (ver Rm 12.8 nota; ver 1Tm 6.17-19).
Nossa prioridade máxima, no cuidado aos pobres
e necessitados, são os irmãos em Cristo. Jesus equiparou as dádivas repassadas
aos irmãos na fé como se fossem a Ele próprio (Mt 25.40, 45). A igreja primitiva
estabeleceu uma comunidade que se importava com o próximo, que repartia suas
posses a fim de suprir as necessidades uns dos outros (At 2.44,45; 4.34-37).
Quando o crescimento da igreja tornou impossível aos apóstolos cuidar dos
necessitados de modo justo e equânime, procedeu-se a escolha de sete homens,
cheios do Espírito Santo, para executar a tarefa (At 6.1-6). Paulo declara
explicitamente qual deve ser o princípio da comunidade cristã: “Então, enquanto
temos tempo, façamos o bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé” (Gl 6.10). Deus
quer que os que têm em abundância compartilhem
com os que nada têm para que haja igualdade entre o seu povo (2Co 8.14,15; cf. Ef 4.28; Tt 3.14). Resumindo, a Bíblia
não nos oferece outra alternativa senão tomarmos consciência das necessidades
materiais dos que se acham ao nosso redor, especialmente de nossos irmãos em
Cristo.
Com. Bíblico - Matthew Henry (Exaustivo) AT e
NT – Visão calvinista do capítulo
A Consagração a Deus. O Dever em relação a
Deus. O Dever em relação a nós mesmos. O Exercício Devido dos Dons Espirituais.
O Dever em relação aos nossos Irmãos. O Amor Fraternal. O Amor para com os
Inimigos
Podemos observar aqui, de acordo com o esquema
mencionado no sumário, as exortações do apóstolo:
I
Em
relação ao nosso dever para com Deus. Nós podemos ver o que é a piedade.
1. É nos entregarmos a Deus e, assim,
estabelecer um bom fundamento. Nós devemos primeiramente nos entregar a nós
mesmos ao Senhor (2 Co 8.5).
Isso é aqui inculcado como a fonte de todos os deveres e obediência (vv. 1,2).
O homem consiste em corpo e alma (Gn
2.7; Ec 12.7).
(1) O corpo deve ser apresentado a Ele (v. 1).
“O corpo é para o Senhor, e o Senhor para o corpo” (1 Co 6.13,14). A exortação é aqui
introduzida de maneira muito enternecedora: “Rogo-vos, pois, irmãos”. Embora
ele fosse um grande apóstolo, ele chama os cristãos mais simples de irmãos, um
termo que denota afeição e cuidado. Ele faz uma súplica; esse é o jeito do
evangelho: “...como se Deus por nós rogasse” (2 Co 5.20). Embora ele pudesse
ordenar com autoridade, por causa do amor ele preferiu rogar (Fm 8,9). “O pobre fala com rogos” (Pv 18.23). Isso é para dar a
entender a exortação, que pode vir com poder mais agradável. Muitos são
atingidos mais depressa se forem abordados gentilmente, são mais facilmente
conduzidos do que empurrados. Então observe:
[1] O dever imposto – apresentar o nosso
“...corpo em sacrifício vivo”, aludindo aos sacrifícios do tempo da lei, que
eram apresentados ou colocados diante de Deus no altar, prontos para serem
oferecidos a Ele. Vosso corpo – a vossa totalidade; assim expressa porque sob a
lei os corpos dos animais eram oferecidos em sacrifício (1 Co 6.20). Significa nosso
corpo e espírito. A oferenda era sacrificada pelo sacerdote, mas apresentada
pelo ofertante, que transferia para Deus todos os seus direitos, título e
interesse nela, impondo sua mão na cabeça do animal. O sacrifício é considerado
aqui qualquer coisa que é por ordem do próprio Deus dedicada a si mesmo (ver 1 Pe 2.5). Nós somos templo,
sacerdócio e sacrifício, como Cristo foi em seu sacrifício singular. Havia
sacrifícios de expiação e sacrifícios de ação de graças. Cristo, que de uma vez
por todas foi oferecido para carregar os pecados de muitos, é o único
sacrifício de expiação; mas nossa pessoa e desempenho, oferecidos para Deus
através de Cristo, o nosso sacerdote, são como sacrifícios de ação de graças
para a honra de Deus. Apresentá-los denota um ato voluntário, feito em virtude
daquele poder despótico e absoluto que a vontade tem sobre o corpo e todos os
seus membros. Deve ser uma oferta de livre e espontânea vontade. Vossos corpos:
não vossos animais. Como aquelas ofertas da lei tinham o seu poder a partir de
Cristo, também tiveram o seu ponto final em Cristo. Apresentar os corpos a Deus
não significa apenas evitar os pecados que são cometidos através de e contra o
corpo, mas usar o corpo como um servo da alma no serviço de Deus. Devemos
“...glorificar a Deus no nosso corpo” (1 Co 6.20), ocupar o nosso
corpo nos deveres da adoração imediata, atendendo diligentemente aos nossos
chamados particulares, e estar dispostos a sofrer por Deus com o nosso corpo,
quando chamados a isso. Devemos entregar os membros do nosso corpo como
instrumentos de justiça (Rm
6.13). Embora o exercício corporal seja apenas um pouco proveitoso, em seu
lugar ele é uma prova e um resultado da dedicação de nossas almas a Deus. Em
primeiro lugar, apresente-o como um sacrifício vivo: não morto, como os
sacrifícios que ocorriam sob a lei. Um cristão faz de seu corpo um sacrifício a
Deus, embora ele não o entregue para ser queimado. Um corpo sinceramente
devotado a Deus é um sacrifício vivo. Um sacrifício vivo, como forma de alusão
– um animal morto por si mesmo não podia ser comido e muito menos sacrificado (Dt 14.21); e como forma de
oposição – “O sacrifício devia ser morto, no entanto, você pode ser sacrificado
e, mesmo assim, continuar a viver” – um sacrifício sem sangue. Os bárbaros
pagãos sacrificavam seus filhos a seus ídolos, não sacrifícios vivos, mas
mortos. Mas Deus terá misericórdia e não exigirá tal sacrifício, embora a vida
esteja entregue a Ele. Um sacrifício vivo, isto é, inspirado com a vida
espiritual da alma. É Cristo vivendo na alma pela fé que faz do corpo um
sacrifício vivo (Gl 2.20).
O santo amor acende o fogo do sacrifício e coloca vida nos deveres (ver Rm 6.13). Vivos, isto é, para
Deus (Rm 6.11). Em segundo
lugar, eles devem ser santos. Existe uma santidade relativa em cada sacrifício,
quando dedicado a Deus. Mas, além disso, deve haver aquela santidade verdadeira
que consiste em uma inteira retidão de coração e vida, pela qual somos
conformados tanto à natureza quanto à vontade de Deus: o nosso próprio corpo
não deve se tornar instrumento do pecado e da impureza, mas deve ser separado
para Deus e colocado para uso santo, como os vasos do Tabernáculo eram santos,
sendo devotados ao serviço de Deus. É a alma que é o objeto próprio da
santidade; mas uma alma santificada transmite santidade para o corpo em que ela
age e ao qual anima. Santo é o que está de acordo com a vontade de Deus; quando
as ações do corpo estão, o corpo é santo. Eles são “...o templo do Espírito
Santo” (1 Co 6.19). “Cada
um de vós saiba possuir o seu vaso em santificação” (1 Ts 4.4,5).
[2] Os argumentos para impor isso, que são
três: em primeiro lugar, considerar as misericórdias de Deus: “Rogo-vos, pois,
irmãos, pela compaixão de Deus”. Uma súplica afetuosa, e que deve nos derreter
em submissão: dia ton oiktirmon tou Theou. Esse é um argumento facilmente
convincente. Há a misericórdia que está em Deus e a misericórdia que vem de
Deus – misericórdia na fonte e misericórdia nos rios: ambas estão incluídas
aqui, mas principalmente as misericórdias do evangelho (mencionadas no capítulo
11), transferidas para nós gentios, sendo os judeus privados delas por causa da
sua incredulidade (Ef
3.4-6), as firmes beneficências de Davi (Is 55.3). Deus é um Deus de
misericórdia, por essa razão, apresentemos os nossos corpos a Ele; Ele não
deixará de usá-los amavelmente e sabe como respeitar a estrutura deles, pois
Ele tem infinita compaixão. Dele recebemos diariamente os frutos de sua
misericórdia, particularmente a misericórdia para nosso corpo: Ele o criou, o
mantém, o comprou e colocou grande dignidade nele. É por causa das
misericórdias do Senhor que não somos consumidos, que nossas almas são mantidas
na vida; e a maior misericórdia de todas é que Cristo ofereceu tanto o seu
corpo quanto a sua alma como oferta pelo pecado, que Ele se entregou por nós e
se dá para nós. Agora, com certeza nós não podemos fazer outra coisa exceto
refletir sobre o que daremos ao Senhor por tudo isso. E o que lhe daremos em
troca? Entreguemos a nós mesmos como um reconhecimento de todos esses favores –
tudo o que somos, tudo o que temos, tudo o que podemos fazer; e, afinal de
contas, tais retribuições são muito pobres dadas as riquezas recebidas; e,
todavia, porque é o que temos. Em segundo lugar, pois é “...agradável a Deus”.
O grande fim pelo qual todos devemos nos esforçar é o de sermos aceitáveis a
Deus (2 Co 5.9), que Ele se
agrade de nossas pessoas e obras. Ora, esses sacrifícios vivos são aceitáveis a
Deus, enquanto que os sacrifícios dos perversos, embora sejam gordurosos e
caros, são uma abominação ao Senhor. É grande condescendência de Deus aceitar
qualquer coisa em nós; e não podemos desejar nada mais para nos fazer felizes;
e, se o ato de nos apresentarmos o agradar, podemos concluir facilmente que não
podemos fazer nada de melhor. Em terceiro lugar, é o nosso “...culto racional”.
Nele, existe um ato de razão, pois é a alma que apresenta o corpo. A devoção
cega, que tem a ignorância como mãe e ama-seca, é apropriada para ser rendida
àqueles deuses abjetos que têm olhos, mas não vêem. Nosso Deus deve ser servido
em espírito e com o entendimento. Existe toda a razão do mundo para isso, e
nenhuma boa razão pode ser apresentada contra. “Vinde, então, e argüi-me” (Is 1.18). Deus não nos impõe
nada difícil ou irracional, mas só aquilo que está completamente de acordo com
a reta razão. Ten logiken latreian hymon – vosso serviço de acordo com a
palavra, pode-se ler assim. A palavra de Deus não abandona o corpo na santa
adoração. O culto aceitável a Deus é apenas aquele que está de acordo com a
palavra escrita. Deve ser adoração evangélica, adoração espiritual. Esse é um
culto racional do qual estamos aptos e estamos prontos para dar a razão, no
qual compreendemos a nós mesmos. Deus lida conosco como com criaturas racionais,
e quer que sejamos assim para lidarmos com Ele. Desta forma, o corpo deve ser
apresentado a Deus:
(2) A mente deve ser renovada por Ele. Isso
está claro: “...transformai-vos pela renovação do vosso entendimento (v. 2);
cuidai para que uma mudança salvífica seja operada em vós e que continue”. A
conversão e a santificação são a renovação da mente, não uma mudança de
substância da alma, mas de suas qualidades. É o mesmo que criar um novo coração
e um novo espírito – novas disposições e inclinações, novas simpatias e
antipatias; o entendimento iluminado, a consciência suavizada, os pensamentos
corrigidos; a vontade submetida à vontade de Deus, e os sentimentos tornados
espirituais e celestiais; de maneira que o homem não é o que era – as velhas
coisas já passaram, tudo se fez novo; ele age a partir de novos princípios,
novas regras, com novos desígnios. A mente é a parte de nós que governa e age,
de maneira que a renovação da mente é a renovação do homem todo, pois dela
“...procedem as saídas da vida” (Pv
4.23). O progresso da santificação, morrendo mais e mais para o pecado e
vivendo mais e mais para a justiça, é a continuação dessa obra de renovação,
até estar aperfeiçoada na glória. Isso é chamado de nossa transformação; é como
assumir uma nova forma e aparência. Metamorfousthe – sofram metamorfose. A
transfiguração de Cristo é expressa com essa palavra (Mt 17.2), quando Ele se
reveste de uma glória celestial, a qual fez com que seu rosto brilhasse como o
sol; e a mesma palavra é usada em 2 Coríntios 3.18, onde é dito
que “...somos transformados de glória em glória”. Essa transformação é aqui
imposta como um dever; não que possamos operar tal mudança por nós mesmos: não
poderíamos fazer um novo mundo tanto quanto não poderíamos fazer um novo coração
por nossa própria capacidade; é obra de Deus (Ez 11.19; 36.26,27). Mas transformai-vos,
isto é, “usai os recursos que Deus designou e ordenou para isso”. É Deus quem
nos modifica, e então somos modificados; mas devemos “...ordenar nossas ações
para voltarmos” (Os 5.4).
“Colocai vossas almas sob as influências transformadoras e modificadoras do
bendito Espírito; pedi a Deus graça no uso de todos os recursos da graça”.
Embora o novo homem seja criação de Deus, devemos nos revestir dele (Ef 4.24), e nos esforçar em
direção à perfeição. Então, nesse versículo podemos observar ainda:
[1] Qual é o grande inimigo dessa renovação, ao
qual devemos evitar; e que é a conformidade com este mundo: “E não vos
conformeis com este mundo”. Todos os discípulos e seguidores do Senhor Jesus
devem ser rebeldes em relação ao mundo. Me syschematizesthe – não vos moldeis
de acordo com o mundo. Não devemos nos conformar com as coisas do mundo; elas
são mutáveis, e a aparência delas está passando. Nem vos conformeis às
concupiscências da carne ou às concupiscências dos olhos. Não devemos nos
conformar com os homens do mundo, daquele mundo que jaz na perversidade; não
devemos caminhar de acordo com “...o curso deste mundo” (Ef 2.2); isto é, não devemos
seguir a multidão para fazer o mal (Êx 23.2). Se os pecadores nos
incitarem, não devemos consentir com eles, mas, onde estivermos, testemunhar
contra eles. Mais ainda, até em coisas indiferentes, e que em si mesmas não são
pecaminosas, tanto não devemos nos conformar com os costumes e os hábitos do
mundo quanto não devemos agir segundo os preceitos do mundo como se fossem
nossa regra mais importante, nem visar aos favores do mundo como nosso objetivo
principal. O verdadeiro cristianismo tem muito de uma sóbria singularidade.
Porém, devemos tomar o cuidado de evitar o extremo de grosseria e rabugice em
que alguns caem. Nas coisas civis, a luz da natureza e os costumes das nações
têm por finalidade nos orientar; e a regra do evangelho naqueles casos é uma
regra de orientação e não uma regra de contrariedade.
[2] Qual é o grande efeito dessa renovação pela
qual devemos nos esforçar: “...para que experimenteis qual seja a boa,
agradável e perfeita vontade de Deus”. Por vontade de Deus aqui devemos
entender sua vontade revelada a respeito de nossa conduta, o que o Senhor nosso
Deus exige de nós. Essa é em geral a vontade de Deus, a nossa própria
santificação, aquela vontade que nós oramos que seja cumprida por nós como é
cumprida pelos anjos; principalmente a sua vontade como é revelada no Novo
Testamento, onde Ele tem falado, nesses últimos dias, pelo Filho. Em primeiro
lugar, a vontade de Deus é boa, agradável e perfeita; três excelentes
qualidades de uma lei. Ela é boa (Mq
6.8); está exatamente de acordo com a razão eterna de bem e mal. Ela é boa
em si mesma. É boa para nós. Alguns pensam que a lei evangélica é aqui chamada
de boa para fazer um contraste com a lei cerimonial, que consistia em
“...estatutos que não eram bons” (Ez 20.25). Ela é aceitável, é
agradável a Deus; somente o que é determinado por Ele tem essas
características. A única maneira de se obter o seu favor como fim é se
conformar à sua vontade como regra. É perfeito aquilo a que nada pode ser
acrescentado. A vontade revelada de Deus é uma regra suficiente de fé e
prática, contendo todas as coisas que levam à perfeição do homem de Deus, para
nos suprir completamente para toda boa obra (2 Tm 3.16,17). Em segundo lugar,
interessa aos cristãos demonstrarem qual é aquela vontade de Deus que é boa,
agradável e perfeita, isto é, conhecê-la com bom senso e aprovação, conhecê-la
experimentalmente, conhecer a excelência da vontade de Deus pela experiência de
uma conformidade com ela. É aprovar “...as coisas excelentes” (Fp 1.10); é dokimazein (a
mesma palavra que é usada aqui), experimentar coisas que diferem, em casos
duvidosos, compreender prontamente qual seja a vontade de Deus e ficar com ela.
É para se deleitar “...no temor do Senhor” (Is 11.3). Em terceiro lugar,
aqueles que são transformados pela renovação de suas mentes são os mais capazes
de experimentar qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Um
princípio vivo da graça está na alma, na medida em que ele prevalece, um
julgamento imparcial e sem preconceitos a respeito das coisas de Deus. Ele
dispõe a alma para receber e acolher as revelações da vontade divina. A
promessa é: “Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina,
conhecerá” (Jo 7.17). Uma
mente perspicaz pode debater e fazer distinções sobre a vontade de Deus;
enquanto um coração humilde e honesto, que possui os sentidos espirituais
adestrados, é moldado pela palavra e a ama e a pratica, e sente o seu gosto e
sabor. Assim, seremos piedosos se nos entregarmos a Deus.
2. Quando isso é feito, servi-lo de todas as
maneiras na obediência do evangelho. Temos aqui algumas dicas disso:
“...servindo ao Senhor” (vv. 11,12). Não temos outro motivo de nos apresentar a
Ele, senão o de servi-lo. At
27.23: “...de quem eu sou”; e logo segue: “...a quem sirvo”. Ser cristão é
servir a Deus. Como? (1) Devemos nos empenhar nisso com toda a energia. “Não
sejais vagarosos no cuidado”. Existe o cuidado do mundo, aquele de nossa
vocação particular, em relação à qual não devemos ser vagarosos (1 Ts 4.11). Mas isso parece se
referir ao cuidado de servir ao Senhor, o negócio do nosso Pai (Lc 2.49). Aqueles que se
revelam cristãos de fato devem fazer da sua fé o seu princípio de vida – devem
escolhê-la, aprendê-la e entregar-se a ela; eles devem amá-la, empregar-se nela
e permanecerem fiéis a ela, como a seu grande e principal objetivo. E, tendo
feito do serviço a Deus o nosso objetivo, não devemos ser vagarosos em relação
a ele: não podemos desejar nosso próprio bem-estar e preferi-lo, quando esse
estiver em competição com o nosso dever. Não devemos ser vagarosos no que diz
respeito à religião. Os servos vagarosos serão tidos como servos maus. (2) Nós
devemos ser “...fervorosos no espírito, servindo ao Senhor”. Deus deve ser
servido no espírito (Rm 1.9;
Jo 4.24), sob as
influências do Espírito Santo. Qualquer coisa que fazemos em matéria de
religião só é agradável a Deus se feita com nossos espíritos trabalhados pelo
Espírito de Deus. E deve haver fervor no espírito – um zelo santo, calor e
ardência de afeição em tudo o que fizermos, como aqueles que não apenas amam a
Deus com o coração e a alma, mas com todo o nosso coração e toda a nossa alma.
Esse é o fogo santo que acende o sacrifício e o eleva até o céu, como oferta de
cheiro suave. “...servindo ao Senhor”. To kairo douleuontes (assim está em
algumas cópias), servindo ao tempo, isto é, aproveitando vossas oportunidades e
tirando o máximo delas, agindo de acordo com os atuais tempos da graça. (3)
“...alegrai-vos na esperança”. Deus é adorado e honrado através da esperança e
confiança que temos nele, principalmente quando nos regozijamos naquela
esperança, nos satisfazemos naquela confiança, a qual demonstra uma grande
certeza da realidade e uma grande estima da excelência do bem pelo qual se
espera. (4) “...sede pacientes na tribulação”. Assim também Deus é servido, não
apenas ao trabalharmos por Ele quando Ele nos chama para a obra, mas ao nos
assentarmos em silêncio quando Ele nos chama para sofrer. A verdadeira piedade
é ter paciência por causa de Deus e procurar sempre sua vontade e sua glória.
Observe: Aqueles que se regozijam na esperança, provavelmente devem ser
pacientes na tribulação. É uma perspectiva confiante na alegria colocada diante
de nós que sustenta o espírito sob toda pressão exterior. (5) “...perseverai na
oração”. A oração é uma amiga da esperança e da paciência e nós servimos ao
Senhor através dela. Proskarterountes. Significa tanto o fervor como a
perseverança na oração. Não devemos ser frios no dever nem nos fatigar
rapidamente nele (Lc 18.1; 1 Ts 5.17; Ef 6.18; Cl 4.2). Este é o nosso dever
que diz respeito diretamente a Deus.
II
Sobre o
nosso dever com respeito a nós mesmos. Isso é sobriedade.
1. Uma opinião sóbria de nós mesmos (v. 3). Ela
é introduzida com um solene prefácio: “...pela graça que me é dada, digo...”: a
graça da sabedoria, pela qual ele compreende a necessidade e a excelência desse
dever; a graça do apostolado, pela qual ele tinha autoridade para impor e
ordenar. “Eu digo, eu que sou encarregado de dizer isso, em nome de Deus. Eu o
digo e vós não deveis contradizer”. É dito para cada um de nós, para todos nós.
O orgulho é um pecado que é inato a todos nós e, por essa razão, cada um de nós
tem que ser cauteloso e estar munido contra ele. “...não saiba mais do que
convém saber”. Devemos cuidar para não ficarmos tão convencidos em relação a
nós mesmos, e para não supervalorizar os nossos próprios julgamentos,
habilidades, pessoas e desempenhos. Não devemos ser presunçosos, nem estimar
além da medida a nossa própria sabedoria e outros talentos, nem pensar que
somos alguma coisa (Gl 6.3).
Há um pensamento elevado sobre nós mesmos que podemos e devemos ter, que é nos
considerarmos bons demais para ser escravos do pecado e servos desse mundo.
Mas, por outro lado, devemos pensar sobriamente, isto é, devemos ter uma
opinião modesta e humilde de nós mesmos e de nossas habilidades, nossos dons e
graças, de acordo com o que temos recebido de Deus, e não de outra maneira. Não
devemos ser confiantes e veementes em matéria de controvérsias duvidosas; nem
ir além de nossos limites; nem julgar e censurar aqueles que diferem de nós;
nem desejar fazer uma exibição na carne. Essas coisas e outras semelhantes são
os frutos de uma sóbria opinião a respeito de nós mesmos. As palavras trarão
ainda outro sentido bastante conveniente. De si mesmos (versão inglesa KJV) não
está no original; por essa razão, o texto pode ser lido: Que nenhum homem seja
sábio mais do que deve ser sábio, mas seja sábio com sobriedade. Não devemos
nos empenhar em coisas muito elevadas para nós (Sl 131.1,2), nem nos meter em coisas
que não vimos (Cl 2.18),
aquelas coisas encobertas que não são para nós (Dt 29.29), nem desejar ser
sábios indo além do que está escrito. Existe um conhecimento que nos incha, que
se esforça para alcançar o fruto proibido. Devemos tomar cuidado com isso, e
nos esforçar por aquele conhecimento que tende à sobriedade, à correção do
coração e à restauração da vida. Alguns entendem que se trata da sobriedade que
nos mantém em nosso próprio lugar e posição, de maneira a não nos intrometermos
nos dons e nas funções dos outros. Veja um exemplo desse cuidado modesto e
sóbrio no exercício dos maiores dons espirituais em 2 Coríntios 10.13-15.
Em relação a esse assunto também se refere aquela exortação: “...não sejais
sábios em vós mesmos” (v. 16). É bom ser sábio, mas é ruim pensar que se é
sábio; pois se pode esperar mais de um tolo do que daquele que é sábio aos seus
próprios olhos. Foi algo excelente para Moisés ter o seu rosto brilhando sem o
saber. Ora, as razões pelas quais devemos ter tal opinião sóbria de nós mesmos,
de nossas próprias habilidades e talentos, são estas:
(1) Porque qualquer coisa boa que tenhamos, foi
Deus que repartiu a nós; todo dom perfeito e bom “...vem do alto” (Tg 1.17). O que temos, que não
temos recebido? E, se o recebemos, por que nos gloriamos? (1 Co 4.7). O homem mais
competente e melhor do mundo não é mais nem melhor do que o que a livre graça
de Deus faz dele cada dia. Quando estamos pensando em nós mesmos, devemos nos
lembrar de pensar não como temos alcançado, como se nossa força e o poder de
nossa mão tivessem adquirido esses dons, mas pensar quão generoso Deus tem sido
para conosco, pois é Ele quem nos dá poder para fazer qualquer coisa que é boa
e nele está toda a nossa suficiência.
(2) Porque Deus concede seus dons em certa
medida: “...conforme a medida da fé...”. Observe: Ele chama de medida da fé a
medida dos dons espirituais, pois essa é a graça radical. O que temos e fazemos
de bom é certo e aceitável na medida em que está fundamentado na fé, e flui da
fé, e não vai além dela. Ora, a fé e os outros dons espirituais com ela são
concedidos por medida, como a Infinita Sabedoria vê que é adequado para nós.
Cristo tinha o Espírito que lhe fora dado sem medida (Jo 3.34). Mas os santos o têm
por medida (Ef 4.7). Cristo,
que tinha dons sem medida, era meigo e humilde; e nós, que os temos de forma
limitada, seremos arrogantes e orgulhosos?
(3) Porque Deus repartiu dons tanto aos outros
como a nós: “...repartiu a cada um”. Tivéssemos o monopólio do Espírito, ou um
documento que nos garantisse sermos proprietários exclusivos dos dons espirituais,
podia haver alguma base para essa presunção; mas outros têm sua parte assim
como nós. Deus é Pai de todos, e Cristo, a raiz de todos os santos, de quem
eles obtêm virtude; e por isso, não é conveniente nos tornarmos arrogantes e
desprezarmos os outros, como se apenas nós fôssemos o povo de bem com Deus e os
únicos possuidores da sabedoria. Ele ilustra esse raciocínio com uma comparação
extraída dos membros do corpo natural (como em 1 Co 12.12; Ef 4.16): “Porque assim como
em um corpo temos muitos membros...” (vv. 4,5). Observe aqui: [1] Todos os
santos formam um corpo em Cristo, que é a cabeça do corpo e o centro comum de
sua unidade. Os crentes não estão no mundo como um grupo desordenado e confuso,
mas estão organizados e unidos, já que estão unidos a uma cabeça comum e
movidos e animados por um Espírito comum a todos. [2] Os crentes individuais
são membros desse corpo, partes componentes, o que significa que são menos do
que o todo, e estão em relação com o todo, derivando vida e vigor da cabeça.
Alguns membros do corpo são maiores e mais úteis que outros e cada um recebe
vigor da cabeça de acordo com a sua proporção. Se o dedinho recebesse tanta
nutrição quanto a perna, quão inconveniente e prejudicial seria! Devemos nos
lembrar que não somos o todo; pensamos além do que é adequado se pensamos
assim; somos apenas partes e membros. [3] “...nem todos os membros têm a mesma
operação” (v. 4), mas cada um possui seu respectivo lugar e função que lhe foi
designado. A função do olho é ver, a função da mão é trabalhar etc. Assim
também ocorre no corpo místico: alguns são qualificados e chamados para um tipo
de função; outros são, da mesma forma, preparados e chamados para outro tipo de
função. Os magistrados, os ministros, as pessoas, em uma comunidade cristã, têm
seus vários ofícios, e não devem se intrometer uns nas funções dos outros, nem
entrar em conflito na execução de suas várias funções. [4] Cada membro tem o
seu lugar e a sua função, para o bem e o benefício do todo e de todos os outros
membros. Não somos apenas membros de Cristo, mas “...membros uns dos outros”
(v. 5). Permanecemos em relação uns com os outros; estamos encarregados de
fazer todo o bem que pudermos reciprocamente e agir em união para o benefício
comum. Veja isso ilustrado em detalhes em 1 Coríntios 12.14ss. Por essa
razão, não devemos ficar inchados com presunção de nossos próprios talentos,
porque, qualquer coisa que tenhamos, foi recebida, e não recebemos para nós
mesmos, mas para o bem de outros.
2. Um uso sóbrio dos dons que Deus nos tem
concedido. Como não devemos, por um lado, estar orgulhosos de nossos talentos,
assim, por outro lado, não devemos enterrá-los. Tomemos cuidado para que, sob
pretensão de humildade e abnegação, não sejamos vagarosos em nos colocar à
disposição para o bem de outros. Não devemos dizer: “Eu não sou nada, por isso,
me sentarei e não farei nada”; mas: “Eu não sou nada em mim mesmo e, por isso,
me colocarei ao máximo na força da graça de Cristo”. Ele especifica as funções
eclesiásticas designadas em igrejas particulares, em cujo desempenho cada um
deve pensar em cumprir o seu próprio dever, para preservar a ordem e promover a
edificação na igreja, cada um conhecendo o seu lugar e ocupando-o. “De modo
que, tendo diferentes dons”. O seguinte raciocínio particular completa o
sentido desse raciocínio geral. Tendo dons, usemo-los. Autoridade e habilidade
para a obra ministerial são dons de Deus. Diferentes dons. O propósito imediato
é diferente, embora o alvo último de todos seja o mesmo. “...segundo a
graça...”, charismata kata ten charin. A livre graça de Deus é a fonte e a
origem de todos os dons que são concedidos aos homens. É a graça que designa a
função, qualifica e dirige as pessoas e que opera tanto o querer quanto o realizar.
Havia, na igreja primitiva, dons extraordinários de línguas, de discernimento e
de cura; mas o apóstolo fala aqui daqueles que são comuns (compare com 1 Co 12.4; 1 Tm 4.14; 1 Pe 4.10). Ele especifica
sete dons em particular (vv. 6-8), os quais parecem significar várias funções
distintas, usadas pela estrutura consultiva de muitas igrejas primitivas,
principalmente as maiores. Existem dois dons gerais aqui expressos por
“profecia” e “ministério”, o primeiro sendo a função dos bispos, e o último, a
função dos diáconos (esses dois eram os únicos ofícios estabelecidos – Fp 1.1). Mas a obra particular
que pertence a cada um desses podia ser, e parece que era, dividida e
distribuída por consentimento e acordo geral, para que isso pudesse ser feito
mais eficazmente, porque aquilo que é função de todos não é função de ninguém,
e aquele que é vir unius negotii – homem de uma tarefa desempenha melhor a sua
função. Assim Davi separou os levitas (1 Cr 23.4,5), e nessa sabedoria é
proveitoso se conduzir. Conseqüentemente, os cinco últimos serão reduzidos aos
dois primeiros.
(1) Profecia. “...se é profecia, seja ela
segundo a medida da fé”. Não significa os dons extraordinários de predizer o
futuro, mas o ofício comum de pregar a palavra: assim profetizar é considerado
em 1 Coríntios 14.1-3ss.;
11.4; 1Tessalonicenses 5.20.
A obra dos profetas do Antigo Testamento não foi apenas a de predizer o futuro,
mas advertir o povo a respeito do pecado e dos deveres, e serem aqueles que o
lembravam a respeito do que eles sabiam antes. E assim, os pregadores do
evangelho são profetas, e de fato, até onde vai a revelação da palavra,
predizem o futuro. A pregação refere-se à condição eterna dos homens, aponta
diretamente para um estado futuro. Então, aqueles que pregam a palavra devem
fazê-lo segundo a medida da fé – kata ten analogian tes pisteos, isto é: [1]
Quanto ao modo do nosso profetizar, isso deve ser feito de acordo com a medida
da graça da fé. Ele tinha falado no versículo 3 a respeito da medida da fé
repartida a cada homem. Que aquele que prega coloque toda a sua fé no trabalho,
para gravar as verdades que prega sobre o seu próprio coração em primeiro
lugar. Como as pessoas não conseguem ouvir bem, também os pregadores não
conseguem pregar bem, sem fé. Primeiro creia, depois fale (Sl 116.10; 2 Co 4.13). E devemos nos
lembrar da medida da fé – que, embora nenhum homem deixe de tê-la, porém muitos
têm-na além de nós mesmos; e por isso devemos permitir que outros tenham uma
porção de conhecimento e habilidade para instruir, assim como nós, até aqueles
que diferem de nós em coisas menores. “Tu tens fé? Tenha-na para ti mesmo; e
não faça dela uma regra para os outros, lembrando que a tens recebido apenas em
tua medida”. [2] Quanto ao conteúdo de nosso profetizar, ele deve ser de acordo
com a medida da doutrina da fé como está revelada nas Santas Escrituras do
Antigo e do Novo Testamento. Por essa regra de fé os bereanos testaram a
pregação de Paulo (At 17.11;
compare com Gl 1.9). Existem
algumas “verdades-clipe”, como eu posso denominá-las, alguns prima axiomata –
axiomas fundamentais, ensinadas clara e uniformemente nas Escrituras, que se
constituem no critério da pregação, pelas quais (embora não devamos desprezar o
dom de profetizar) devemos “...examinar tudo” (1 Ts 5.20,21). As verdades que são mais
obscuras devem ser investigadas através daquelas que são mais claras; e devem
então ser recebidas quando concordarem e convirem com a analogia da fé; pois é
certo que uma verdade jamais pode contradizer outra. Veja aqui qual deve ser o
grande cuidado dos pregadores – pregar a sã doutrina, de acordo com o modelo
das sãs palavras (Tt 2.8; 2 Tm 1.13). Não é tão necessário
que a profecia esteja de acordo com a medida da arte, as regras da lógica e da
retórica; mas é necessário que esteja de acordo com a medida da fé, pois é a
palavra da fé que pregamos. Então, há duas obras particulares que aquele que
profetiza tem de ter em mente – ensinar e exortar, bastante apropriado para ser
feito pela mesma pessoa ao mesmo tempo, e quando ele faz uma que se ocupe
daquela, quando ele faz a outra, que se ocupe daquela também tanto quanto
puder. Se, por acordo entre os ministros de uma congregação, esse trabalho for
dividido, seja regularmente, seja de modo intercambiável, de maneira que um
ensina e o outro exorta (isto é, em nossa linguagem moderna, um expõe e o outro
prega), que cada um faça o seu trabalho de acordo com a medida da fé. Em
primeiro lugar, que aquele que ensina sirva no ensino. O ensino é a simples
explicação e prova das verdades do evangelho, sem aplicações práticas, como na
exposição das Escrituras. Pastores e mestres são o mesmo ofício (Ef 4.11), mas a obra
particular é um pouco diferente. Ora, que aquele que tem habilidade para
ensinar e tem se encarregado desse campo apegue-se a ele. É um belo dom, que o
use e ocupe-se dele. “...se é ensinar, haja dedicação ao ensino”; assim alguns
o complementam, ho didaskon, en te didaskalia. Que ele seja regular, constante
e diligente no ensino; que permaneça naquilo que é a sua própria função, e
esteja nela como em seu ambiente natural (veja 1 Tm 4.15,16, onde isso é explicado por
duas palavras: en toutois isthi e epimene autois, estar nessas coisas e
continuar nelas). Em segundo lugar, que aquele que exorta sirva na exortação.
Que ele se dedique a isso. Esse é o trabalho do pastor, como o anterior é o do
mestre; aplicar as verdades e as regras do evangelho mais próximas à situação e
à condição das pessoas e inculcar nelas aquilo que for mais prático. Muitos que
são muito hábeis em ensinar podem, no entanto, ser muito frios e inábeis em
exortar; e vice-versa. De um se requer uma cabeça esclarecida, de outro, um
coração aquecido. Agora, onde esses dons estiverem claramente separados (de
modo que um sobressaia em um e outro em outro) gera edificação dividir o
trabalho adequadamente e, qualquer que seja a tarefa de que nos encarregamos,
vamos nos dedicar a ela. Cuidar do nosso trabalho é entregar o melhor de nosso
tempo e pensamentos a ele, aproveitar todas as oportunidades para ele e não
apenas refletir em como fazê-lo, mas fazê-lo bem.
(2) Ministério. Se um homem tem diakonian – o
ofício de um diácono, ou assistente do pastor e do mestre, que cumpra bem o seu
papel – um zelador ou administrador, um ancião ou alguém que cuida dos pobres;
e talvez houvesse mais nesses ofícios e mais solenidade neles, e mais pressão e
atividade associadas a eles nas igrejas primitivas, do que estamos hoje
sabendo. Ele inclui todos aqueles ofícios que dizem respeito à ta ekso da
igreja, à obra de fora da Casa de Deus (ver Ne 11.16). “Servir às mesas”
(At 6.2). Ora, que aquele a
quem foi entregue esse cuidado de ministrar cuide disso com fidelidade e
diligência. Particularmente: [1] “...o que reparte, faça-o com liberalidade”.
Aqueles oficiais da igreja que administravam os donativos, coletavam dinheiro e
o distribuíam conforme as necessidades dos pobres. Que eles o façam en aploteti
– liberalmente e fielmente; não utilizando o que receberem em proveito próprio,
nem distribuindo-o com intenções desonestas ou fazendo acepção de pessoas: não indelicado
ou rabugento com os pobres, nem procurando pretextos para rejeitá-los; mas com
toda sinceridade e integridade, não tendo outra intenção nisso do que
glorificar a Deus e praticar o bem. Alguns entendem que se trata de todo ato de
caridade: que aquele que tem recursos dê, e o faça rica e liberalmente; assim a
palavra é traduzida em 2
Coríntios 8.2; 9.13.
Deus ama um doador alegre e generoso. [2] “...o que preside, com cuidado”.
Parece que ele está falando daqueles que eram assistentes dos pastores no
exercício da disciplina na igreja, como seus olhos, mãos e bocas no governo da
igreja, ou aqueles ministros que, na congregação, principalmente se
encarregavam e se dedicavam a essa obra da disciplina; pois nós encontramos
aqueles que trabalhavam na palavra e na doutrina governando (1 Tm 5.17). Ora, esses tais
devem fazê-lo com cuidado. A palavra denota tanto o cuidado quanto o esforço
para descobrir o que é impróprio, fazer voltar aqueles que se desviam, reprovar
e admoestar aqueles que caíram, manter a igreja pura. Aqueles que se mostrarem
fiéis no desempenho dessa incumbência devem passar por muitas dores e não
deixarão escapar nenhuma oportunidade que possa facilitá-la e promovê-la. [3]
“...o que exercita misericórdia, com alegria”. Alguns pensam que em geral se
trate aqui de todos aqueles que mostram misericórdia em alguma coisa; que eles
o façam de boa vontade e sintam prazer nisso; Deus ama a quem dá com alegria.
Mas parece relacionar-se particularmente a alguns oficiais da igreja, cujo
trabalho era cuidar dos doentes e dos estrangeiros, os quais geralmente eram as
viúvas, que nesse aspecto serviam à igreja – diaconisas (1 Tm 5.9,10), embora seja provável que
outros pudessem ser empregados nessa tarefa. Ora, isso deve ser feito com
alegria. Em atitudes de misericórdia, um rosto gentil é um grande alívio e
conforto para os miseráveis; quando eles percebem que o trabalho não é feito
com aversão e de má vontade, mas com expressão amável e palavras gentis, e
todas as indicações possíveis de disposição e entusiasmo. Aqueles que têm de
tratar dos doentes e dos feridos, e que geralmente são irritadiços e
mal-humorados, não necessitam apenas de ter paciência, mas alegria, para fazer
o trabalho mais fácil e agradável para eles e mais aceitável para Deus.
III
Concernente àquela parte de nosso dever que
diz respeito aos nossos irmãos, da qual temos muitos exemplos em breves
exortações. Ora, todo o nosso dever de um para com o outro está resumido em uma
palavra, e que é uma palavra cativante, amor. Nela está colocado o fundamento
de todo o nosso dever mútuo; e por essa razão o apóstolo a menciona primeiro,
pois é o sustento dos discípulos de Cristo, e a grande lei de nossa fé: “O amor
seja não fingido”; não em elogio e fingimento, mas na verdade; “...não apenas
de palavra, nem de língua” (1
Jo 3.18). O amor genuíno é o amor sincero; não é como os beijos do inimigo,
que são enganosos. Devemos estar felizes quando temos uma oportunidade para
provar a “...sinceridade da nossa caridade” (2 Co 8.8). Mais
particularmente, há um amor que se deve aos nossos amigos e aos nossos
inimigos. A ambos ele especifica:
1. Aos nossos amigos. Aquele que tem amigos
deve mostrar-se amigável. Há um amor mútuo de que os cristãos são devedores e
devem pagar.
(1) Amor cordial: “Amai-vos cordialmente uns
aos outros com amor fraternal” (v. 10), filostorgoi – não significa apenas
amor, mas uma disposição e inclinação para amar, o sentimento mais livre e
genuíno, bondade fluindo como de uma fonte. Denota propriamente o amor dos pais
aos filhos, que, como é o mais tenro, é o mais natural, do que qualquer outro,
espontâneo e sem limite; assim deve ser o nosso amor de um para com o outro; e
assim será onde houver uma nova natureza e a lei do amor for escrita no
coração. Esse sentimento gentil nos incita a nos expressarmos tanto em palavra
quanto em ação com a maior cortesia e delicadeza possíveis. Uns aos outros.
Isso pode recomendar a graça do amor para nós, que, como é nosso dever amar aos
outros, assim também é dever deles nos amar. E o que pode ser mais agradável
desse lado do céu do que amar e ser amado? Aquele que assim rega também será
ele mesmo regado.
(2) Um amor respeitoso: “...preferindo-vos em
honra uns aos outros”. Em vez de contendermos por superioridade, estejamos
dispostos a conceder aos outros a preeminência. Isso é explicado em Filipenses 2.3: “Cada um
considere os outros superiores a si mesmo”. E existe essa boa razão para isso,
porque, se conhecemos nosso próprio coração, nós conhecemos mais o mal por nós
mesmos do que podemos conhecer por qualquer outra pessoa do mundo. Devemos
estar dispostos a dar atenção aos dons, graças e desempenhos de nossos irmãos,
e valorizá-los adequadamente, estar mais dispostos a elogiar a outro, e mais
satisfeitos ao ouvir outro ser elogiado, do que nós mesmos, te time allelous
proegoumena – antecipar ou guiar um ao outro em honra; assim alguns lêem; não
em receber honra, mas em honrar. “Lutai para ver qual de vós estará mais
disposto a respeitar aqueles que merecem, e desempenhar todas as funções
cristãs do amor (que estão todas incluídas na palavra honra) aos vossos irmãos,
sempre que houver oportunidade. Que todas as vossas contendas sejam sobre quem
será mais humilde, útil e condescendente”. Assim, o sentido é o mesmo de Tito 3.14: “...e os nossos
aprendam também a proistasthai – aplicar-se às boas obras”. Pois embora devamos
preferir outros (segundo a nossa tradução) e considerar os outros como mais
capazes e merecedores do que nós mesmos, mesmo assim não devemos fazer disso
uma desculpa para ficarmos parados e não fazermos nada, nem sob um pretexto de
honrar aos outros, e à utilidade e desempenho deles, tolerar a nós mesmos em
sossego e preguiça. Por essa razão ele acrescenta: “Não sejais vagarosos no
cuidado” (v. 11).
(3) Um amor liberal: “...comunicai com os
santos nas suas necessidades” (v. 13). É falso o amor que se limita à expressão
verbal de bondade e respeito, enquanto as necessidades de nossos irmãos clamam
para serem verdadeiramente supridas, e está em nossas mãos supri-las. [1] Não é
novidade para os santos nesse mundo precisarem de coisas necessárias para a sua
vida natural. Naqueles tempos primitivos, as perseguições correntes deviam reduzir
muitos dos santos a grandes privações e, até os pobres, até os pobres santos,
nós os teremos conosco. Com certeza que as coisas desse mundo não são as
melhores; se elas fossem, os santos, que são os favoritos do céu, não teriam
tão poucas delas. [2] É dever daqueles que têm recursos distribuir, ou (como é
melhor que se leia) comunicar aos que estão em necessidade. Não é suficiente
abrir a alma ao faminto, mas devemos abrir a carteira (ver Tg 2.15,16; 1 Jo 3.17). Comunicai –
koinonountes. Isso insinua que os nossos irmãos pobres tenham um tipo de
participação naquilo que Deus nos tem dado; e que o alívio que trouxermos a
eles deva vir de uma compreensão e de um sentimento de solidariedade em relação
às suas necessidades, como se sofrêssemos com eles. A benevolência caridosa dos
filipenses em relação a Paulo é chamada de “...tomar parte na sua aflição” (Fp 4.14). Devemos estar
prontos, quando tivermos habilidade e oportunidade, para socorrer a qualquer um
que esteja em necessidade; porém, de maneira especial somos obrigados a
comunicar com os santos. Existe um amor comum que é devido aos outros seres
humanos, mas há um outro especial que devemos compartilhar com nossos irmãos na
fé: “...principalmente aos domésticos da fé” (Gl 6.10). Comunicai, tais
mneias – com as memórias dos santos (segundo liam alguns antigos, em vez de
tais chreiais). Existe um débito com a memória daqueles que, pela fé e
paciência, herdaram as promessas – de valorizá-la, defendê-la, conservá-la. A
memória do justo é abençoada, alguns lêem em Provérbios 10.7. Ele menciona
outro ramo desse amor generoso: a “...hospitalidade”. Aqueles que possuem suas
próprias casas devem estar prontos para hospedar aqueles que andam para lá e
para cá fazendo o bem, ou que, por temor da perseguição, são forçados a
procurar abrigo. Eles não tinham naquela época tanto do conforto de hospedarias
como temos hoje; ou os cristãos viajantes não ousavam freqüentá-las; ou não
tinham recursos para pagar as despesas e, por essa razão, era uma generosidade
especial acolhê-los sem cobrar nada. E nem é esse um dever anulado e antiquado;
quando houver ocasião, devemos acolher estrangeiros, pois não conhecemos o
coração de um estrangeiro. “Era estrangeiro, e hospedaste-me”, é mencionado
como um exemplo da misericórdia daqueles que alcançarão misericórdia: ten
filoxenian diokontes – seguindo ou perseguindo a hospitalidade. Isso não
insinua apenas que devemos aproveitar a oportunidade, mas que devemos buscar a
oportunidade, e desse modo mostrar misericórdia. Como Abraão, que se sentou à
entrada da tenda (Gn 18.1),
e Ló, que se sentou ao portão de Sodoma (Gn 19.1), aguardando viajantes,
a quem eles pudessem encontrar e guiar com um gentil convite, e assim eles, sem
saber, hospedaram anjos (Hb
13.2).
(4) Um amor solidário: “Alegrai-vos com os que
se alegram e chorai com os que choram” (v. 15). Onde houver amor mútuo entre os
membros do corpo místico, haverá esse sentimento de solidariedade (ver 1 Co 12.26). O verdadeiro
amor nos fará solidários com os sofrimentos e as alegrias dos outros e nos
ensinará a senti-los como se fossem nossos. Observe a mistura comum nesse
mundo, onde alguns se alegram e outros choram (como o povo em Ed 3.12,13), por causa da prova, como
de outras graças, assim também pelo amor fraternal e a solidariedade cristã.
Não que devamos participar das alegrias pecaminosas ou dos prantos de qualquer
um, mas apenas das alegrias e sofrimentos justos e razoáveis: não invejando
aqueles que prosperam, mas regozijando com eles; verdadeiramente alegres porque
outros têm sucesso e consolo que nós não temos; não desprezando aqueles que
estão em tribulação, mas preocupados com eles, e prontos para ajudá-los, como
se fôssemos nós. Isto é fazer o que Deus faz, o qual não apenas “...ama a
prosperidade do seu servo” (Sl
35.27), mas igualmente “...em toda angústia deles foi Ele angustiado” (Is 63.9).
(5) Um amor unido: “Sede unânimes entre vós (v.
16), isto é, esforçai-vos, tanto quanto possível, concordai na compreensão; e,
mesmo não conseguindo isso, ainda concordai no sentimento; esforçai-vos em ser
um, não dados a discordar, contradizer e opor-se uns aos outros, mas a manter a
unidade do Espírito no vínculo da paz (Fp 2.2; 3.15,16; 1 Co 1.10). To auto eis
allelous fronountes – desejando o mesmo bem aos outros que desejais para vós
mesmos;” assim alguns compreendem a expressão. Isso é amar a nossos irmãos como
a nós mesmos, desejando o seu bem-estar como desejamos o nosso.
(6) Um amor condescendente: “...não ambicioneis
coisas altas, mas acomodai-vos às humildes” (v. 16). O verdadeiro amor não
consegue subsistir sem humildade (Ef
4.1,2; Fp 2.3). Quando nosso Senhor
Jesus lavou os pés de seus discípulos, para nos ensinar o amor fraternal (Jo 13.5; 14.34), a intenção
era principalmente nos informar de que amar uns aos outros corretamente é estar
disposto a realizar as ocupações mais baixas de bondade para o bem mútuo. O
amor é uma graça condescendente: Non bene conveniunt – majestas et amor – A
grandiosidade e o amor não combinam um com o outro. Observe como isso é
inculcado aqui: [1] “...não ambicioneis coisas altas”. Nós não devemos
ambicionar honra e promoção, nem olhar com respeito o fausto e a dignidade do
mundo com qualquer valor ou desejo excessivos, mas antes com um santo desdém.
Quando os progressos de Davi estavam altos, o seu espírito era humilde: “...não
me exercito em grandes assuntos” (Sl 131.1). Os romanos,
vivendo na cidade imperial, que reinava sobre todos os reis da terra (Ap 17.18), e estava naquela
época no apogeu do seu esplendor, talvez aproveitassem, por isso, a ocasião
para se considerarem bons demais. Até a descendência santa foi corrompida por
esse fermento. Os cristãos romanos estavam prontos para olhar com desprezo
outros cristãos, como alguns cidadãos desprezam o campo; e por essa razão o
apóstolo os adverte freqüentemente contra a soberba (compare com Rm 11.20). Eles viviam
próximos da corte e conviviam diariamente com o esplendor e a grandeza dela:
“Bem”, diz ele, “não se ocupem com ela nem a amem”. [2] “...acomodai-vos às
humildes” – tois tapeinois synapagomenoi. Em primeiro lugar, pode significar
coisas humildes, com as quais devemos nos acomodar. Se a nossa condição no
mundo for pobre e baixa, nossos prazeres, rudes e insuficientes, nossas
ocupações, vis e desprezíveis, ainda assim devemos concentrar-nos nela e nos
sujeitarmos a ela. Assim, pode-se traduzir: contentai-vos com as pequenas
coisas. Estejam satisfeitos com o lugar no qual Deus, em sua providência, os
tem colocado, seja ele qual for. Não devemos considerar nada abaixo de nós com
exceção do pecado: aceitem moradias humildes, alimentação humilde, roupas
humildes, acomodações humildes, quando for a nossa porção, e não fiquem
ressentidos. Mais ainda, devemos ser movidos por um tipo de ímpeto, pela força
da nova natureza (isso significa propriamente a palavra synapagomai, e isso é
muito importante), em direção a coisas humildes, quando Deus nos designa para
elas; como a velha natureza corrupta é levada em direção a coisas elevadas. Nós
devemos nos acomodar a coisas humildes. Devemos fazer de uma baixa condição e
de circunstâncias humildes mais o centro de nossos desejos do que uma alta
condição. Em segundo lugar, pode significar pessoas humildes; assim nós lemos
(penso que tanto um significado quanto o outro estejam aqui incluídos).
Acomodai-vos às pessoas humildes. Devemos nos associar com, e nos acomodar
àqueles que são pobres e desprezíveis no mundo, se eles também forem tementes a
Deus. Davi, embora fosse um rei assentado no trono, era um companheiro de tais
pessoas (Sl 119.63). Não
devemos ter vergonha de conviver com os humildes, já que o grande Deus
contempla do alto o céu e a terra procurando tais pessoas. O verdadeiro amor
valoriza a graça tanto em trapos quanto em escarlate. Uma jóia é uma jóia,
mesmo que esteja na sujeira. O contrário dessa condescendência é rejeitado (Tg 2.1-4). Acomodai-vos,
isto é, ajustai-vos a eles, aceitai-os para o bem deles, como fez Paulo (1 Co 9.19ss.). Alguns pensam
que a palavra original seja uma metáfora extraída de viajantes, quando aqueles
que são mais fortes e rápidos esperam aqueles que são mais fracos e lentos,
param e os levam consigo; assim, os cristãos devem ser gentis em relação aos
seus companheiros de viagem. Como recurso para promover isso, ele acrescenta:
“...não sejais sábios em vós mesmos”; com o mesmo significado do versículo 3.
Jamais encontraremos em nossos corações disposição para nos acomodar aos outros
enquanto tivermos uma opinião muito elevada a nosso próprio respeito; e, por
essa razão, é necessário que isso seja refreado. Me ginesthe fronimoi par
heautois – “Não sejais sábios por vós mesmos, não estejais confiantes de vossa
própria sabedoria, de maneira a desprezar os outros, ou pensar que não
precisais deles (Pv 3.7),
nem sejais tímidos em comunicar o que tendes aos outros. Nós somos membros uns
dos outros, dependemos uns dos outros e estamos obrigados uns com os outros; e
por essa razão, não sejais sábios em vós mesmos, lembrando que isso é a
mercadoria da sabedoria que professamos; ora, mercadoria consiste em comércio,
recebendo e devolvendo”.
(7) Um amor que nos compromete, tanto quanto se
aloja em nós, a ter “...paz com todos os homens” (v. 18). Até com aqueles com
quem não conseguimos viver íntima e familiarmente, por causa da distância em
condição ou confissão, nós devemos viver em paz; isto é, devemos ser
inofensivos, não dando a outros ocasião para brigar conosco; e não devemos ser
rancorosos nem vingativos, nem aproveitar a oportunidade para disputar com
eles. Dessa maneira, devemos nos esforçar para preservar a paz, para que ela
não seja quebrada, e para restaurá-la quando for quebrada. A sabedoria que vem
do alto é pura e pacífica. Observe como a exortação é limitada. Não é expressa
de maneira a nos obrigar a fazer o impossível: “Se for possível, quanto estiver
em vós”. Assim está em Hebreus
12.14: “Segui a paz”; em Ef
4.3: “...procurando guardar”. Pensai nas coisas que promovem a paz. Se for
possível. Não é possível preservar a paz quando não podemos fazê-lo sem ofender
a Deus e ferir a consciência: Id possumus quod jure possumus – O que é possível
sem incorrer em falta. A sabedoria que vem do alto é, primeiramente pura,
depois, pacífica (Tg 3.17).
A paz sem pureza é a paz do palácio do Diabo. “...quanto estiver em vós”. Duas
palavras são necessárias para o acordo da paz. Só podemos falar por nós mesmos.
Nós podemos inevitavelmente ser alvos de contendas, como Jeremias, que era um
“...homem de contenda” (Jr
15.10), e não podemos evitar isso; nosso cuidado deve ser que, no que
depender de nós, nada esteja faltando para preservar a paz (Sl 120.7). Eu sou pela paz,
embora, quando eu falo, eles sejam pela guerra.
2. Aos nossos inimigos. Desde que os homens
tornaram-se inimigos de Deus, eles têm sido muito aptos em serem inimigos uns
dos outros. Abandonemos uma vez o amor e as formações em linha se chocarão e
colidirão, ou estarão numa distância inquietante. E, de todos os homens,
aqueles que abraçam a religião têm motivo para esperar encontrar-se com
inimigos em um mundo cujos sorrisos raramente coincidem com o de Cristo. Ora, o
cristianismo nos ensina como nos comportar em relação aos inimigos; e nessa
instrução, ele difere completamente de todas as regras e métodos que geralmente
visam vitória e domínio; mas isso na paz e na satisfação interiores. Quem quer
que sejam os nossos inimigos, que nos desejam o mal e o buscam, nossa regra é
para não lhes fazer o mal, mas todo bem que pudermos.
(1) Não lhes fazer mal: “A ninguém torneis mal
por mal” (v. 17), pois isso é uma reação irracional e que apenas ocorre àqueles
animais que não têm consciência, seja de qualquer ser acima ou de qualquer
estado antes deles. Ou, se a humanidade foi criada (como sonham alguns) em um
estado de guerra, reações como essas seriam suficientemente apropriadas; mas
não temos aprendido assim de Deus, que faz tanto por seus inimigos (Mt 5.45), muito menos temos
aprendido assim de Cristo, que morreu por nós quando éramos inimigos (Rm 5.8,10), e tanto amou o mundo que
o odiou sem motivo. “A ninguém, nem a judeu nem a grego; não a alguém que tem
sido seu amigo, pois recompensando mal por mal provavelmente você o perderá;
não a alguém que tem sido seu inimigo, pois não o recompensando mal por mal,
você poderá ganhá-lo”. O mesmo significado está no versículo 19: “Não vos
vingueis a vós mesmos, amados”. E por que isso deve ser apresentado com uma
interpelação tão afetuosa, em vez de em qualquer outra exortação desse
capítulo? Com certeza porque visa apaziguar espíritos irados, que se ressentem
facilmente numa provocação. Ele se dirige a tais nessa linguagem afetuosa, para
apaziguá-los e abrandá-los. Qualquer coisa que respire amor esfria o sangue,
acalma a tempestade e refrigera do calor excessivo. Você quer pacificar um
irmão ofendido? Chame-o de amado. Tal palavra meiga, dita adequadamente, pode
ser eficaz para afastar a ira. Não vos vingueis a vós mesmos, isto é, quando
alguém fizer a você algum mal, não deseje nem se esforce para pagar na mesma
moeda. Não é proibido ao magistrado fazer justiça aos criminosos, punindo-os de
seus crimes, nem fazer e executar leis justas e salutares contra os
malfeitores; mas a vingança particular é proibida, a que flui da raiva e da má
vontade. E isso é adequadamente proibido, pois se supõe que somos juízes
incompetentes quando se trata de nosso próprio caso. Mais ainda, se pessoas
erraram ao procurarem a defesa da lei e os magistrados em aplicá-la, agiram a
partir de qualquer provocação ou disputa pessoal particular, e não de uma preocupação
para que aquela paz e ordem públicas fossem mantidas e o direito realizado,
mesmo que tais procedimentos, embora aparentemente regulares, caiam sob o
proibido ato de “fazer justiça com as próprias mãos”. Veja como é rígida a lei
de Cristo a esse respeito (Mt 5.38-40). Não é
apenas proibida a vingança por nossas próprias mãos, mas também desejar e
ansiar pelo julgamento, em nosso caso sustentado pela lei, para a satisfação de
um sentimento de vingança. Essa é uma lição difícil para a natureza corrompida;
e por essa razão, ele acrescenta: [1] Um remédio contra ela: “...mas dai lugar
à ira”. Não à nossa própria ira, pois dar lugar a ela é dar lugar ao Diabo (Ef 4.26,27). Devemos resistir, abafar,
reter e suprimir essa ira; mas, em primeiro lugar, à ira de nosso inimigo. “Dê
lugar a ela, isto é, seja de um temperamento submisso; não responda ira com ira,
mas com amor. ‘O acordo é um remédio que aquieta grandes pecados’ (Ec 10.4). Receba afrontas e
injúrias como um monte de lã recebe uma pedra, dando lugar para ela e assim ela
não bate e volta, nem vai adiante”. Dessa maneira, isso explica o que disse o
nosso Salvador: “Se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a
outra” (Mt 5.39). Em vez de
pensar em como retaliar uma ofensa, prepare-se para receber outra. Quando as
paixões dos homens vêm à tona, e a correnteza está forte, deixe que elas sigam
seu curso para que, por causa de uma oposição inoportuna, não aumentem ainda
mais. Quando outros estiverem enfurecidos, vamos manter a calma; esse é um
remédio contra a vingança e parece ser o sentido genuíno. Mas, em segundo
lugar, muitos aplicam essas palavras à ira de Deus: “Dê lugar a essa, dê lugar
para Ele assumir o trono do julgamento, e deixe-o lidar sozinho com o teu
adversário”. [2] Um argumento contra ela: “...porque está escrito: Minha é a
vingança”. Nós encontramos esse texto em Deuteronômio 32.35. Deus é o
rei soberano, o justo juiz, e a Ele pertence a administração da justiça; pois,
sendo um Deus de conhecimento infinito, as ações são pesadas por Ele em
balanças infalíveis; e, sendo um Deus de infinita pureza, Ele odeia o pecado e não
tolera contemplar a iniqüidade. Ele confiou parte desse poder às mãos dos
magistrados civis (Gn 9.6; Rm 13.4); as punições legais
que eles aplicam devem ser vistas como um braço das vinganças de Deus. Esse é
um bom argumento para não fazermos vingança com as próprias mãos; pois, se a
vingança pertence a Deus, então, em primeiro lugar, não devemos praticá-la. Nós
subimos no trono de Deus se o fazemos, e assumimos o seu trabalho. Em segundo
lugar, não precisamos fazer isso. Pois Deus o fará, se deixarmos humildemente o
assunto com Ele; Ele nos vingará até onde houver razão ou justiça no caso, e
mais do que isso não podemos desejar. Veja Salmos 38.14,15: “...eu sou como homem que
não ouve [...], tu, Senhor, meu Deus, me ouvirás”; e se Deus ouve, que
necessidade tenho de ouvir?
(2) Não devemos apenas não fazer o mal aos
nossos inimigos, mas a nossa fé cristã vai além disso e nos ensina a fazer-lhes
todo bem que pudermos. É uma ordem característica do cristianismo, a qual muito
o recomenda: “Amai a vossos inimigos” (Mt 5.44). Somos ensinados aqui
a mostrar aquele amor por eles, tanto em palavras como em ações.
[1] Em palavras: “...abençoai aos que vos
perseguem” (v. 14). Tem sido a sorte geral do povo de Deus ser perseguido, seja
por mão poderosa ou por língua maliciosa. Ora, somos ensinados aqui a abençoar
aqueles que assim nos perseguem. Abençoai-os, isto é, em primeiro lugar: “Falai
bem deles. Se houver qualquer coisa neles de elogiável e digno de louvor,
observai isso, e o mencionai para a honra deles”. Em segundo lugar: “Falai respeitosamente
a eles, de acordo com o seu posto, não retribuindo insulto por insulto e
amargura por amargura”. E, em terceiro lugar, devemos lhes querer bem e
desejar-lhes o bem, em vez de buscar qualquer vingança. Mais ainda, em quarto
lugar, devemos mostrar aquele desejo a Deus orando por eles. Se não estiver em
nosso poder fazer qualquer coisa mais por eles, podemos testemunhar de nossa
boa vontade orando por eles, para o que o nosso Senhor não deu apenas uma
regra, mas um exemplo para apoiá-la (Lc 23.34). “...abençoai e não
amaldiçoeis”. Isso denota uma completa boa vontade em todos os seus exemplos e
expressões; não: “Abençoai quando estiverdes em oração, e amaldiçoai em outros
momentos”, mas: “Abençoai-os sempre, e jamais os amaldiçoeis”. Amaldiçoar
convém mal à boca daqueles cujo trabalho é bendizer a Deus e cuja felicidade é
ser abençoado por Ele.
[2] Em ações: “...se o teu inimigo tiver fome
(v. 20), quando tiveres capacidade e oportunidade, estejas pronto e disposto a
mostrar-lhe qualquer gentileza e fazer-lhe qualquer ato de amor para o seu bem;
e nunca seja menos disposto por ele ter sido teu inimigo, porém mais ainda, que
tu possas nisso testificar a sinceridade do teu perdão a ele”. Conta-se do
arcebispo Cranmer que o modo de alguém fazê-lo seu amigo era fazer-lhe mal. O
preceito é citado de
Provérbios 25.21,22,
de maneira que, elevado quanto isso possa parecer, o Antigo Testamento não lhe
é estranho. Observe aqui, em primeiro lugar, o que devemos fazer. Devemos fazer
o bem aos nossos inimigos. “Se o teu inimigo tiver fome, não o insultes e não
digas: Agora Deus está me vingando dele, assumindo a minha causa; não faças tal
juízo de suas necessidades. Mas dá-lhe de comer. Então, quando ele precisar de
tua ajuda, e tiveres uma oportunidade de deixá-lo com fome e de pisar nele,
dá-lhe de comer (psomize auton, uma palavra importante) – alimenta-o
fartamente, mais ainda, alimenta-o cuidadosa e indulgentemente: frustulatim
pasce – alimenta-o com pequenos pedaços, alimenta-o como fazemos com crianças e
pessoas doentes, com muita ternura. Tenta fazê-lo de maneira a expressar o teu
amor. Se tiver sede, dá-lhe de beber: potize auton – dá-lhe de beber, como
sinal de reconciliação e amizade. Assim, confirma o teu amor a ele”. Em segundo
lugar, por que devemos fazer isso? Porque, ao fazê-lo, “...amontoarás brasas de
fogo sobre a sua cabeça”. Existem dois significados para essa expressão, os
quais penso que devam ser considerados separadamente. Amontoarás brasas de fogo
sobre a sua cabeça, isto é: “Ou tu”: 1. “O levarás ao arrependimento e à
amizade, e abrandarás seu espírito em relação a ti” (aludindo àqueles que
fundem metais; não apenas colocavam fogo sob eles, mas amontoavam fogo sobre
eles; dessa forma Saul foi “derretido” e conquistado pela bondade de Davi – 1 Sm 25.16; 25.21) – “tu ganharás um amigo
com isso e se a tua bondade não tiver esse efeito, então”: 2. “Ela agravará a
condenação dele e fará a maldade que tiver feito contra ti mais indesculpável.
Com isso, tu apressarás sobre ele os sinais da ira e da vingança de Deus”. Não
que essa deva ser a nossa intenção em mostrar-lhe bondade, mas, para o nosso
encorajamento, esse será o efeito. Tem esse propósito a exortação do último
versículo, que sugere um paradoxo que não é facilmente compreensível pelo
mundo, que em qualquer questão de discórdia e contenda aqueles que se vingam
são os vencidos e os que perdoam são os vencedores. (1) “Não te deixes vencer
do mal. Não permita que o mal de qualquer provocação que lhe for feita tenha
poder sobre ti ou deixe tal marca sobre ti, a ponto de te despojar de ti mesmo,
perturbar a tua paz, destruir o teu amor, irritar e transtornar o teu espírito,
conduzir-te a qualquer indecência, ou fazer-te planejar qualquer vingança”.
Aquele que não consegue suportar calmamente uma injúria é perfeitamente vencido
por ela. (2) “...mas vence o mal com o bem, com o bem da paciência e da
indulgência, mais ainda, com o bem da bondade e da beneficência para aqueles
que te prejudicam. Aprende a derrotar os planos maus que fazem contra ti e
ainda a mudá-los, ou pelo menos a preservar tua própria paz.” Aquele que tiver
essa regra em seu espírito será melhor do que o poderoso.
3. Para concluir, restam duas exortações ainda
intocadas, que são gerais e que recomendam todo o resto como bom em si mesmo e
de boa reputação.
(1) Como bom em si mesmo: “Aborrecei o mal e
apegai-vos ao bem” (v. 9). Deus nos tem mostrado o que é bom: esses deveres
cristãos são ordenados; e é mal o que se opuser a eles. Então observe: [1] Não
devemos apenas não fazer o mal, mas aborrecê-lo. Devemos odiar o pecado com um
ódio total e irreconciliável, sentir por ele uma antipatia como ao pior dos
males, contrário à nossa nova natureza, e ao nosso verdadeiro interesse –
odiando toda a aparência do pecado, até a roupa manchada da carne. [2] Não
apenas devemos fazer o que for bom, mas insistir nele. Isso denota uma escolha
deliberada, uma afeição sincera e uma constante perseverança no que é bom.
“Dessa forma, insista nisso, como não sendo nem seduzido nem assustado por ele,
apega-te àquele que é bom, o próprio Senhor (At 11.23), com dependência e
aquiescência”. Essa exortação é acrescentada ao preceito do amor fraternal,
como diretriz dela; devemos amar nossos irmãos, mas não amá-los a ponto de
cometer por causa deles algum pecado, ou omitir algum dever; não mudar de idéia
em relação a algum pecado por causa da pessoa que o comete, mas abandonar a
todos os amigos do mundo para entregar-se a Deus e ao dever.
(2) Como de boa reputação: “...procurai as
coisas honestas perante todos os homens (v. 17), isto é, não apenas fazeres,
mas refletires, projetares e cuidares de fazer aquilo que for amável e honroso,
e recomendar a fé cristã a todos aqueles com quem tu conviveres” (veja Fp 4.8). Essas atitudes de
caridade e beneficência são de uma maneira especial de boa reputação entre os
homens, e por essa razão, devem ser diligentemente consideradas por todos os
que levam em conta a glória de Deus e o mérito da confissão deles.
Lição 08, Betel, Capacitados para servir
uns aos outros
TEXTO ÁUREO
“Porque assim como em um corpo temos muitos
membros, e nem todos os membros têm a mesma operação." Romanos 12.4
VERDADE APLICADA
Devemos ser dedicados e zelosos no uso dos dons
distribuídos segundo a graça de DEUS
para o bom desenvolvimento espiritual de cada membro do Corpo de Cristo.
OBJETIVOS DA LIÇÃO
Apresentar a importância de exercitar os dons.
Ensinar que os dons estão a serviço do Reino de
DEUS.
Mostrar como servira Cristo através dos dons.
TEXTOS DE REFERÊNCIA - ROMANOS 12.4-8
4. Porque assim como em um corpo temos muitos
membros, e nem todos os membros têm a mesma operação,
5. Assim nós, que somos muitos, somos um
só corpo em Cristo, mas individualmente
somos membros uns dos outros.
6. De modo que, tendo diferentes dons, segundo
a graça que nos é dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé;
7. Se é ministério, seja em ministrar; se é
ensinar, haja dedicação ao ensino.
8. Ou o que exorta, use esse dom em exortar; o
que reparte, faça-o com liberalidade; o que preside, com cuidado; o que
exercita misericórdia, com alegria.
LEITURAS COMPLEMENTARES
SEGUNDA Sl 103.8 Deus é misericordioso
TERÇA 1Co 12.12-31 A unidade dos membros do
Corpo de Cristo.
QUARTA 1TS 5.11 Exortai-vos uns aos outros.
QUINTA Tt 2.1-10 Exortações a Tito.
SEXTA Tg 3.1 A responsabilidade daquele que
ensina.
SÁBADO Tg 4.17 Devemos fazer o bem.
MOTIVO DE ORAÇÃO
Ore para que possamos estar sempre a serviço do
Reino de Deus.
HINOS SUGERIDOS - 131, 147, 165
ESBOÇO DA LIÇÃO
1- Exercitando os dons
1-1- Graça para o exercício de diferentes
ministérios.
1-2- Os dons de serviço devem ser usados para a
edificação da igreja.
1-3- Dom de profecia a serviço da igreja.
2- Dons de edificação, exortação e ensino a
serviço do reino de DEUS.
2-1- Dom de ministério a serviço da igreja.
2-2- Dom de ensinar a serviço da Igreja.
2-3- Dom de exortar a serviço da Igreja.
3- Dons de cuidados e administração no serviço
do Reino de DEUS.
3-1- Dom de repartir a serviço da igreja.
3-2- Dom de presidir a serviço da igreja.
3.3.Dom de exercer misericórdia a serviço da
igreja.
INTRODUÇÃO
Nesta lição estudaremos os dons distribuídos
segundo a graça de Deus aos que foram transformados pela renovação do
entendimento [Rm 12.2], visando atender às diversas demandas do Corpo de Cristo
enquanto está neste mundo.
1- Exercitando os dons
Os dons dados por Deus são para que a Igreja
cumpra sua missão aqui na terra até que o Noivo venha buscá-la. Por isso o
apóstolo Paulo destaca a importância de cada um dos dons no serviço da obra de
Deus, de acordo com a graça que nos foi dada.
Vemos em Romanos 12.3-7 o resultado da mente renovada [Rm 12.2] na
maneira como os discípulos de Cristo estão comprometidos no servir ao Corpo de
Cristo com as capacitações concedidas pelo Senhor, como: profecia, ministério,
ensinar, exortar, repartir, presidir e exercitar misericórdia.
1-1- Graça para o exercício de diferentes
ministérios.
Deus tem derramado do Seu Espírito sobre a
Igreja, capacitando os Seus servos com diferentes dons visando a edificação da
Igreja. Importante que cada discípulo de CRISTO
esteja atento às recomendações presentes em Romanos 12.3, no exercício
dos dons: humildade, moderação e a consciência de que cada membro do Corpo de
Cristo tem responsabilidade no bem-estar da Igreja. As dádivas de Deus ao Seu
povo são demonstrações de Sua generosidade, não por causa de nossos méritos.
1-2- Os dons de serviço devem ser usados para a
edificação da igreja.
DEUS nos chamou e nos vocacionou com o Espírito
Santo para realizarmos a Sua obra.
Diante disso não podemos permanecer com um comportamento apático, improdutivo
ou até mesmo egoísta com as pessoas ao nosso redor. Devemos ter o entendimento
de que Deus tem um propósito para as nossas vidas. Ele tem um plano específico
para realizar na vida de cada um de nós. O apóstolo Paulo nos convida a compreender
essa vontade de DEUS para que possamos servir a igreja conforme a capacitação
recebida do Senhor [Ef 5.17]. Cabe lembrar que fomos vocacionados para
vivenciar o amor de Deus em todo o tempo e em todo lugar, amando e servindo a
todos à nossa volta, para a glória de Deus Pai [Mt 5.16].
1-3- Dom de profecia a serviço da igreja.
Interessante notarmos que, da lista de Romanos
12.6-8, este é o único dom que também está presente em 1Coríntios 12 e o seu
exercício é o mais comentado pelo apóstolo Paulo nos capítulos 12 a 14.
Pontuamos aqui que, conforme visto no tópico 1.1, o membro do Corpo de Cristo,
capacitado com este dom, deve estar totalmente sob o controle do Espírito
Santo, bem como consciente de que a mensagem não se opõe ao padrão estabelecido
pela Palavra de Deus.
2- Dons de edificação, exortação e ensino a
serviço do reino de DEUS.
O Senhor confere o poder espiritual necessário
e apropriado a cada crente para desempenhar suas funções na Igreja. Afinal, o
Senhor outorga os dons para a Sua Igreja, conforme a Sua vontade, não por
merecimento da pessoa [Rm 12.3, 6]. É nosso dever procurar formas para servir a
Igreja e ao próximo com os dons que
Cristo nos tem ofertado.
2-1- Dom de ministério a serviço da igreja.
O termo "ministério") no grego,
'diakonia', indica, segundo Strong, atenção, assistência, serviço. Conforme
alguns comentaristas, como Strong e Keener, talvez tenha sentido mais amplo –
como por exemplo em Romanos 15.25. Porém, o fato de em Romanos 12.7 estar relacionado
entre os de profecia e ensino, é possível que se refira a um ofício específico
da igreja, como diácono. Algumas versões da Bíblia (NVI, NAA, RA) registram:
"dediquemo-nos ao ministério". Seja como for, a expressão
"dediquemo-nos", nos remete a estarmos focados no serviço, a
procurarmos fazer com excelência, visando o bom desenvolvimento da Igreja.
2-2- Dom de ensinar a serviço da Igreja.
Os dons são recebidos pelos crentes para
prestarem serviços, utilizando seus dons e talentos ao reino de Deus.
Verifica-se assim entre estes dons o dom de ensinar: "De modo que, tendo
diferentes dons, segundo a graça que nos é dada:(...) se é ensinar, haja
dedicação ao ensino" [Rm 12.6-7]. O dom de ensinar é a competência sobrenatural
produzida pelo Senhor para ensinaras verdades sagradas da Palavra de Deus.
Desta forma somos levados a ver o apóstolo Paulo orientando aos capacitados por
Deus para o ministério do ensino de que devem se empenhar para cumprir tão
nobre serviço [1Tm 4.13].
2-3- Dom de exortar a serviço da Igreja.
A palavra grega para este dom é
paraklesis" que constitui "chamado ao lado",
"consolar", "advogar", animar", "confortar ,
incentivar. Na Bíblia fica visível que existe um diferencial entre exortar e
ensinar. Neste sentido podemos exemplificar que o ensino é a capacidade dada
por Deus para auxiliar o crente a entender a Palavra de Deus [At 11.23]. Já a
exortação é poder oferecido por Deus para que o crente pregue a Palavra de Deus
a ponto de alcançar abertamente o coração, fazendo com que este, ao ser
exortado, passe a ter um maior compromisso com o Reino de Deus.
3- Dons de cuidados e administração no serviço
do Reino de DEUS.
O apóstolo Paulo, no capítulo 12 do livro de
Romanos, discorre tão bem a respeito dos dons, anunciando de maneira tão
perfeita e harmônica os dons do Espírito. Ele demonstra o cuidado de mencionar
as distintas categorias de dons e exorta os crentes para que possam exercer de
maneira correta a função que cada um deles desempenha na igreja [Rm 12.6].
3-1- Dom de repartir a serviço da igreja.
Este dom é a capacidade ofertada por Deus aos
crentes através de recursos financeiros, para que possam contribuir na igreja
local, na obra missionária. Não podemos nos abster de mencionar que este dom
deve ser exercitado com liberalidade. A Bíblia de Estudo Holman fala com
maestria sobre a relevância deste dom no seio da Igreja de Cristo: "O
repartir deve ser praticado com generosidade. Todos podem dar, mas as
capacidades diferem. Alguns se alegram em dar recursos bem pequenos [Mc
12.41-44]; outros dão um "dízimo invertido" dão 90 por cento e vivem
com 10 por certo". Cumpre ressaltar que o suporte financeiro, quando
desempenhado de coração, efetua a lei do amor e da harmonia.
3-2- Dom de presidir a serviço da igreja.
Entre os dons de serviço para que a igreja se
desenvolva e sirva o Corpo de Cristo temos o dom de presidir. O próprio
Espírito Santo habilita o crente para a liderança através deste dom [Rm12.8]. A
palavra presidir, no original grego, exposta neste texto apresenta aquele que
está proeminente sobre os outros ou que preside, governa ou cuida com empenho
de uma determinada coisa. F.F. Bruce (Romanos - Introdução e comentário, 1979,
p. 185): "O exercício da administração na igreja é um dom tão
verdadeiramente espiritual como qualquer
dos outros mencionados".
3-3- Dom de exercer misericórdia a serviço da
igreja.
Os dons que apresentamos devem ser empregados
no afeto e no emprego, sempre com o intuito de socorrer o outro. Entre estes
dons acha-se o dom de exercer misericórdia, que consiste em perdoar e
compadecer das necessidades alheias [Rm 12.8]. O possuidor deste dom espera
socorrer as misérias dos outros de modo a aliviar a dor, solidão e amargura.
Craig Keener (Comentário Histórico-Cultural da Bíblia - Novo Testamento, 2017,
p.535): "Usa[r] de misericórdia" talvez seja uma referência à
caridade -cuidar dos enfermos e dos pobres, e assim por diante. Ainda que todos
os cristãos fizessem esse trabalho em certo grau, alguns tinham um dom especial
para isso”.
CONCLUSÃO
Vimos em toda a lição que a verdadeira grandeza
do crente está em servir. Por isso o Senhor nos capacitou com dons para que
possamos servir ao Corpo de Cristo e aos nossos semelhantes.